:::::RIO DE JANEIRO - 28 DE MAIO DE 2006 :::::

Revista Veja
28/05 à 31/05/06
A última de Zé Dirceu

Agora, ele negocia a venda da Varig com milionário russo para pegar uma comissão e financiar a própria bancada
Otávio Cabral 

O ex-ministro e ex-deputado José Dirceu, seis meses depois de ter o mandato cassado sob a acusação de comandar o esquema do mensalão, está de volta à política como ele a entende – trabalha para obter dinheiro para sustentar campanhas eleitorais. No início deste mês, Dirceu teve três – nem um, nem dois, mas três – encontros com o enroladíssimo magnata russo Boris Berezovsky, dono de uma fortuna avaliada em 10 bilhões de dólares.

De acordo com um petista familiarizado com os negócios de Dirceu, o principal assunto entre o ex-deputado e Berezovski foi a Varig. O magnata russo vive exilado em Londres para fugir dos processos que sofre na Rússia por contrabando e lavagem de dinheiro e até da suspeita de ter cometido um assassinato. Seu fundo de investimento teria 1 bilhão de reais já destinado à compra da Varig.

O papel de Dirceu, ainda segundo esse petista, é convencer o governo brasileiro a colocar 100 milhões de reais na transação por meio do BNDES. Se a influência de Dirceu no BNDES ainda for forte como costumava ser, há chance de o negócio prosperar.

"Finalmente o Dirceu vai conseguir trazer dinheiro de Moscou para o PT", ironiza o deputado petista que relatou a história. Os três encontros de Dirceu com Berezovsky ocorreram nos dias 2, 3 e 4 de maio, todos numa mansão no bairro do Pacaembu, em São Paulo, cedida pelo empresário Renato Duprat, que virou celebridade depois de levar à falência o grupo Unicor, empresa de planos de saúde.

A idéia de Dirceu, conforme comentou com um interlocutor, é arrancar uma comissão de uns 20 milhões de dólares intermediando o negócio da Varig e, com isso, financiar a eleição de sua bancada. Isso mesmo: Dirceu está arrecadando dinheiro para eleger sua própria bancada. Nos seus planos, pretende financiar a campanha de dez candidatos à Assembléia Legislativa de São Paulo e onze candidatos a deputado federal, entre os quais figuram João Paulo Cunha, o dos 50.000 reais do valerioduto, e Angela Guadagnin, a passista do mensalão. Sem mandato, com seus direitos políticos cassados até 2015, e sem caneta para fazer nomeações, Dirceu aposta na eleição de amigos muito próximos para manter a influência no governo e dentro do PT.

No governo, o trânsito de Dirceu continua desimpedido. Antes do encontro nacional do PT, um mês atrás, no qual foi liberada a farra de alianças com os partidos mensaleiros, Dirceu esteve com o presidente Lula, na Granja do Torto. Discutiram a estratégia que deveriam adotar no encontro petista. Há duas semanas, Dirceu voltou a falar longamente com Lula, mas, dessa vez, o diálogo foi por telefone, e nada se sabe dele.

O interesse de Dirceu na Varig, porém, já se espalhou pelo governo. Como vive exilado em Londres, fugindo de processos em sua terra natal, Berezovsky tem demonstrado interesse em mudar-se para o Brasil. Ele já deu o primeiro passo quando se tornou investidor do grupo MSI, que controla o futebol do Corinthians. Com os negócios, trouxe também suas suspeitas de maracutaias.

Um dia depois de se reunir pela última vez com Dirceu, o magnata russo foi interrogado durante oito horas por dois procuradores do Ministério Público que investigam irregularidades financeiras na gestão do Corinthians pela MSI. Encerrado o depoimento, voltou para Londres em seu jato particular. Se depender de Dirceu, o russo estará de volta em breve nas asas da Varig.


Folha de São Paulo
28/05/06
TAM tem interesse pela Varig, mas não quer riscos

Companhia vê como "dever de ofício" olhar para oportunidades de crescimento
Marco Antônio Bologna diz que faltam informações sobre a aérea a poucos dias do seu leilão e que governo deve assumir posição oficial

MAELI PRADO DA REPORTAGEM LOCAL

Uma série de questões ainda em aberto dificultaria hoje a venda da Varig para a TAM, uma das interessadas em potencial no negócio: a pouco mais de uma semana do leilão, ainda não foram divulgados detalhes sobre as condições da venda e não houve uma manifestação formal do governo sobre os riscos de um comprador ser acionado no futuro para pagar as dívidas da companhia. "O que posso garantir é: a TAM não fará nada que tenha risco sucessório. Você entrar em um risco "quarto escuro" é complicado. Mas, se houver um risco quantificável e dentro da precificação, é outra a análise", afirma Marco Antônio Bologna, presidente da TAM. Em conversa com a Folha, ele ressaltou que a companhia tem interesse na Varig pelo "dever de ofício" de olhar oportunidades de crescimento. Líder de mercado -neste mês a TAM ultrapassou a Varig em número de passageiros transportados somados os vôos domésticos e internacionais-, a companhia tem como desafio enfrentar a concorrência da Gol em um mercado de demanda crescente. Esta, segundo Bologna, só ultrapassará a empresa em participação de mercado "se a TAM entrar em férias coletivas". Acompanhe abaixo trechos da entrevista.

FOLHA - A TAM se tornou neste mês a maior companhia do Brasil. A posição de líder é confortável? MARCO ANTÔNIO BOLOGNA - A situação do líder nunca é confortável. A única certeza que você pode ter é que alguém quer o seu lugar. Pelo contrário, é posição de muito mais responsabilidade, do ponto de vista de atitude da companhia, de muito mais responsabilidade, de muito mais humildade, dentro do que o Rolim [comandante Rolim Amaro, ex-presidente da TAM] nos deixou e também por ser uma companhia aberta. Isso significa o que já fazemos há alguns anos, que é busca por eficiência e aumento contínuo e obsessivo por redução de custos. Nossa estratégia é ser uma companhia de custo o mais baixo possível e de oferecer um serviço diferencial para o passageiro TAM, que é formado por 70% de executivos.

FOLHA - O fato de a Gol ser a principal concorrente da TAM reforça a redução de custos? BOLOGNA - Com certeza. O concorrente que temos hoje é saudável, ambas as companhias têm administrações que perseguem resultados. É um concorrente que tem um modelo diferente do nosso, a proposta da Gol é mais baseada no "low cost, low fare" [baixo custo, baixa tarifa], que leva a um custo inferior, pelo modelo, e é o que nos faz acordar mais cedo. Usando o 7º mandamento da TAM, a gente aprende que, se não tem capacidade para criar, tem que ter capacidade para copiar. Existe um referencial hoje publicado, auditado, de qual o menor custo possível de uma companhia brasileira para operar. E você vê o diferencial de acordo com o seu modelo de negócio, para manter fidelidade ao seu modelo de negócios.

FOLHA - Os números da Anac [Agência Nacional de Aviação Civil] deste ano mostram que o que a Varig perdeu de demanda foi proporcionalmente o que a Gol, que tem mais oferta disponível, ganhou. Faltou ousadia para a TAM no planejamento de frota? BOLOGNA - A TAM deu um pulo de dez pontos percentuais de 2004 para 2005. No jogo de "market share" ao longo de 2004 e 2005, você teve perdas de "market share" de duas companhias: da Vasp, que saiu do mercado, e da própria Varig, que já estava perdendo "share". Nesse período, a TAM levou dois terços dessa perda de "market share", e a Gol levou um terço. Isso porque ambas, tanto TAM quanto Gol, estavam ofertando, e continuam ofertando. Não é verdade que só a Gol planejou, nós também planejamos. Tanto que neste ano estamos trazendo 13 aviões e aumentamos a utilização dos aviões. A Gol está trazendo neste ano 13 aviões. O crescimento deles relativamente é maior. Quando você olha a base de comparação deste ano, ou seja, até maio de 2005, a TAM estava em um "code share" [compartilhamento de vôos], quando saiu do "code share" demos um salto na oferta.

FOLHA - Quando se olha o planejamento de frota da TAM e o da Gol e a utilização das duas companhias, a Gol vai passar a TAM em dois anos em participação de mercado. BOLOGNA - Isso se a TAM não fizer nada. A resposta que eu dou é que isso só é possível se a TAM entrar em férias coletivas. A TAM não abre mão da liderança. Só damos informação quando os fatos são concretos. A frota da TAM em 2006 no mínimo será de 90 aviões, não significa que não podemos mudar isso em razão das flexibilidades que temos na nossa frota. Temos, além do que está divulgado, 20 opções e 20 vencimentos que podem ser renovados.

FOLHA - A TAM negocia hoje com a Embraer a aquisição do avião 190, mas a companhia tem uma frota de Airbus. O que adquirir o 190 pode ter de vantagem, já que ter frota do mesmo fabricante é mais barato? BOLOGNA - A estratégia da TAM é ter uma frota moderna, que aliás é a mais moderna do Brasil, apesar de a empresa ter 30 anos de existência. Agora estamos em processo de renovação, vamos terminar 2006 com 18 Fokkers-100, de 50 que já tivemos, e chegou o momento de substituí-los até final de 2008. Ainda estamos em processo de avaliação, que leva em conta para a própria definição dessa malha o custo operacional, o custo de logística e de tripulação desses equipamentos. O quarto item que é importante é o financiamento e o preço. É a combinação de todos esses fatores que vai nos dar a melhor solução para substituição desse avião. Vamos anunciar a escolha até o final do mês que vem.

FOLHA - A Varig está à venda. A TAM está interessada em comprar? BOLOGNA - A estratégia da TAM em seus 30 anos é crescer. Saímos de uma pequena regional e hoje somos líder do mercado. Nossa estratégia é de crescimento, baseada na nossa proposta de produto. Quando você tem uma oportunidade, qualquer que ela seja, é nosso dever de ofício avaliar essa oportunidade e ver se você antecipa seu crescimento de alguma forma. Isso obviamente tem que ser feito com muito juízo, com muita responsabilidade. Temos que ter, do ponto de vista jurídico, uma solidez suficiente nos aspectos sucessórios. Isso é muito importante, principalmente para uma companhia como a nossa, aberta. Outro ponto é comprar a preço justo. Temos que ter uma opinião de terceiros que nos cubram e que nos digam se estão cobrando um preço justo.

FOLHA - E o preço está justo [o preço mínimo pelas operações domésticas é US$ 700 milhões]? BOLOGNA - Não foi divulgado o edital de licitação, portanto não conseguimos saber as condições de pré-qualificação para esse edital, e não foi aberto o data room [disponibilização de informações confidenciais sobre a empresa] para a gente fazer uma avaliação. Então é prematuro dizer se o preço está certo ou errado. Precisaríamos ter acesso ao data room e às condições do edital para poder tomar um posicionamento do leilão. Não sei se a Varig vem sem dívidas, com dívidas, quais os compromissos contratuais que têm que ser mantidos em relação a dívidas passadas, os compromissos operacionais, os compromissos do ponto de vista de empregabilidade. Oficialmente ainda não tivemos acesso a nada.

FOLHA - Há risco de sucessão? BOLOGNA - A lei é nova. Está se buscando uma blindagem, e o grande fator de blindagem é um chapter 11 [concordata] diferente dos de outros países. Normalmente ocorre quando o credor é privado, mas aqui estamos falar que o principal credor é o credor público, que tem que se manifestar se tem ou não sucessão.

 

Zero Hora
28/05/06
O furto que poderia derrubar aviões
HUMBERTO TREZZI


A travessura de uma gangue de adolescentes viciados na madrugada de sábado, 29 de abril, poderia ter provocado um desastre de proporções inimagináveis em Porto Alegre. Esta é a narrativa que corre de boca em boca na Vila Dique,uma das mais pobres da Capital, situada na cabeceira da pista do aeroporto Salgado Filho.



Parte de equipamento para auxiliar pousos e decolagens avaliada em US$ 7 mil foi desmanchada por uma gangue, e suas peças foram vendidas por R$ 40

Foto(s): Emílio Pedroso, Banco de Dados/ZH - 03/05/2006

 

 

 

 

 

 

 

 

Para reconstituir a incrível trajetória do furto de partes do ILS (Instrumental Landing System), equipamento vital para pousos de aviões em condições atmosféricas adversas - como nevoeiros - Zero Hora ouviu 12 moradores que exercem liderança naquela comunidade. Todos os relatos coincidem num ponto: o crime foi praticado por garotos, com o objetivo de extrair alumínio e trocá-lo por pedras de crack. Cientes da confusão que causaram, os adolescentes sumiram da vila. Esta é a história relatada à reportagem:

Ataque na madrugada

Os quatro adolescentes pulam a cerca que separa a Vila Dique da pista do aeroporto Salgado Filho, alicates e martelos na mão. Diferentemente das outras vezes, o bando não quer rasgar a tela para vendê-la. O objetivo é uma das 14 antenas metálicas em forma de T fincadas na cabeceira. Não sabem para que elas servem, mas sabem que são muitas.

- Pensaram que tirando apenas uma não ia fazer falta - relata uma moradora que conversou com os rapazes depois do furto.

O grupo arranca o metal a marteladas e depois usa os alicates para desmanchar a estrutura, ainda na pista. Arrombam a capa feita em fibra de vidro e quebram a parte interna, feita de alumínio. Pulam de volta a cerca levando o produto do botim.

US$ 7 mil por R$ 40

Não foi a primeira incursão do gênero praticada pelo quarteto, que forma uma escadinha etária (14, 15, 16 e 17 anos). Vez que outra o mesmo bando corta a cerca ou arranca a serpentina farpada que cobre muros contíguos ao aeroporto. A finalidade é sempre a mesma: vender o metal para sucateiros. Existe quase uma dezena deles na vila. Não perguntam de onde vem o metal, é um negócio baseado na confiança. Compram às cegas o material e o revendem, para uso na construção civil, metalúrgicas de fundo de quintal e para reutilização como cercas em fazendas.

O aparelho valia US$ 7 mil, mas os garotos não tinham e não têm idéia disso. Vendem o alumínio por R$ 40 - R$ 4 por cada um dos 10 quilos de metal que apuraram. Na manhã seguinte, trocam tudo por pedras de crack. O dinheiro rende quatro pedras, fumadas no ato.

- Podiam ter derrubado um avião em cima da vila, mas nem se ligaram. Viciado é isso aí, só pensa em como conseguir mais um "teco" para o delírio do dia - pondera a integrante de uma entidade comunitária que tem contato com o bando.

Autores conhecidos

Zero Hora falou com cinco sucateiros para reconstituir a história do furto. Nenhum assume ter receptado o alumínio extraído da antena do ILS. Apontam concorrentes como possíveis compradores, até porque é perigoso admitir o crime. Além da polícia, os receptadores temem a vingança dos traficantes de drogas locais, incomodados com a péssima repercussão do furto e o conseqüente vaivém de policiais na comunidade.

Os cinco sucateiros contam a mesma história: os garotos são os autores do furto e comentaram isso logo no dia seguinte, num bar em que costumam se reunir antes de praticar crimes. Fornecedores habituais de matéria-prima, não sabem que exageraram na dose.

A vila inteira conhece os garotos. Costumam atacar caminhões de entrega.

- Um se joga na frente do veículo, o motorista pára, aí eles saltam na traseira e levam pacotes de bolacha, caixas de refrigerante, o que tiver dando sopa - descreve o dono de um mercado, que costuma assistir aos ataques do grupo nos finais de tarde.

Vila às escuras

Em 20 de março, a gangue teria causado outra dor de cabeça para os moradores: furtou fios de alta tensão, deixando a vila às escuras. Revoltados com a demora no conserto, moradores queimaram pneus e bloquearam o trânsito até que a luz voltou.

Líderes comunitários até tentaram converter a gangue, no ano passado. Reuniram familiares - muitos também viciados - e procuraram trabalho ou estudo para os adolescentes.

- Tínhamos 26 viciados na vila, catalogados. Infelizmente, seis resistiram a tentar outro caminho. Quatro deles praticaram o furto - relata uma comerciante.

Avisados de que um dos patrões do tráfico promete lhes dar uma lição, os rapazes rarearam as aparições na vila. Zero Hora procurou os garotos e suas famílias, sem sucesso.

Encarregado do caso, o delegado Daniel Madruga, da Polícia Federal, diz ter recebido relatos que mencionam a gangue como autora do furto:

- Ouvimos mais de uma dezena de pessoas. Falta coletar mais provas.