:::::RIO DE JANEIRO - 26 DE FEVEREIRO DE 2007 :::::

 

Tribuna da Imprensa
26/02/2007
Coluna - Pedro Porfírio
Aerus: um massacre sem fim
"Não participamos do banquete e a conta sobrou para nós. Triste realidade a nossa."
(José Jordão, aposentado da Varig)

Às vésperas da folia, quando os tamborins já repicavam, os participantes do Fundo de Pensão Aerus (Varig e Transbrasil) foram brindados com a informação de que sofreriam novos cortes nos seus já minguados benefícios, em fevereiro e março. A circular assinada pelo novo interventor José da Silva Crespo Filho é mais uma ferida exposta sobre as perniciosas relações entre gestores de fundos privados de aposentadoria complementar e seus integrantes.

"Em 12 de janeiro de 2007, o Aerus recebeu intimação da Receita Federal acerca de seu desenquadramento quanto ao benefício previsto no art. 5º da Medida Provisória nº 2222/01. Segundo a Receita Federal, houve recolhimento a menor da Contribuição para o Programa de Integração Social - PIS, no período de junho de 1994 a janeiro 1999, pois o Aerus não teria considerado na base de cálculo do tributo a receita decorrente de sua carteira imobiliária.

O valor devido, segundo a Receita Federal, é da ordem de R$ 59.000.000,00 (cinqüenta e nove milhões de reais). Esse valor deverá ser provisionado no patrimônio, implicando na redução do Ativo Líquido de todos os planos de benefícios. Além desta notificação, existem ainda outras, de menor valor, cujo total é aproximadamente de R$ 12.500.000,00 (doze milhões e quinhentos mil reais).

Vale observar que, de acordo com o parágrafo 4º do art. 50 da Lei Complementar 109/01, "os créditos dos participantes não têm preferência sobre os créditos de natureza trabalhista ou tributária". Por isso, o Aerus, por uma questão de cautela e legalidade, se viu obrigado a provisionar o valor total de aproximadamente R$ 78 milhões(*), que será rateado proporcionalmente ao patrimônio de cada um dos planos de benefícios, inclusive aqueles que não estão sob o regime de liquidação extrajudicial.

No entanto, nos planos em liquidação extrajudicial, a conseqüência imediata é a redução do valor disponível para pagamento de antecipações da Provisão Matemática.
Por esse motivo, foi necessário reduzir o valor a ser rateado entre os aposentados e pensionistas nos meses de fevereiro (pagamento em 02/03/07) e março (pagamento em 03/04/07).

Portanto, serve o presente comunicado para informar que o valor bruto da antecipação nesses 2 (dois) próximos meses será menor do que aquele informado nos Comunicados Aerus 001/07 (Transbrasil) e 002/07 (Varig)".

Mais uma amputação

Esse não é o primeiro corte nos benefícios dos participantes do Aerus. Eles já vinham recebendo em torno de 40% do que tinham direito, sempre em nome de cálculos em função de gestões temerárias, sobre as quais não tiveram nenhuma responsabilidade.

O mais dramático em tudo isso é que ainda não sabem até quando vão receber alguma coisa em resposta a anos de contribuição, cujo retorno consideravam sagrado, tanto do ponto de vista da necessidade como do direito. Afinal, não reclamam nenhum favor.

O sistema de aposentadoria complementar é regido por uma legislação definida e controlado por uma secretaria especializada. O governo federal é o fiador do desempenho de cada fundo, na medida em que opera esse controle e intervém diretamente em sua administração.

Isso presume responsabilidade subsidiária pelo cumprimento de suas obrigações, tal como entendeu uma juíza de Brasília em relação ao caso do Aero - o fundo da Vasp.

De uma certa forma, esses planos giram em torno das diretrizes estabelecidas nessa secretaria, cuja responsabilidade é transcendente. Na medida em que um fundo entra em liquidação e abandona seus participantes à própria sorte, ele está disseminando insegurança em relação a todo o sistema.

Há hoje no Brasil 360 fundos de previdência complementar, 36 dos quais de empresas estatais. Há crises em muitos deles, com conseqüente redução dos benefícios.

Gigantes como o Petrus vêm sendo questionados por uma repactuação que tem gerado revolta em boa parte dos seus beneficiários. Outros, como o fundo da Rede Ferroviária Federal, começam a fazer água. Neste caso, os aposentados serão afetados pela Medida Provisória 353, que considera encerrado o processo de liquidação da extinta RFFSA.
É curioso que os fundos de pensão ainda são vistos como verdadeiras minas de onde poderão ser retirados recursos para os programas de infra-estrutura do governo.

Essa tendência preocupa principalmente o pessoal do Banco do Brasil, que perdeu totalmente o acesso à gestão do Previ. Um artigo assinado por José Dirceu dá uma mostra do que se pensa no interior do governo. Ele está de olho num patrimônio que chega a R$ 345 bilhões (18% do PIB) e critica sua política de aplicação em títulos de renda fixa. Para ele, o governo pode pôr a mão nos recursos disponíveis e aplicá-los conforme suas prioridades.

A responsabilidade é clara

Isso reforça a tese de que o governo tem obrigação de socorrer todos os participantes de fundos complementares, que estão no gozo de benefícios para os quais contribuíram. No caso do Aerus, bastaria que a Varig tivesse honrado sua dívida, que chega a R$ 5 bilhões, segundo cálculos dos aposentados. Da mesma forma que agiu para recuperar as perdas decorrentes do recolhimento a menor do PIS (um fundo para os empregados), podia e pode muito bem agir rapidamente para evitar que essa crise cada vez mais grave leve ao desespero 9 mil famílias brasileiras que não têm culpa nenhuma de nenhum descalabro administrativo.

O governo já viu no que deu abandonar a Varig à própria sorte. Produziu um estrago maior do que a derrubada das torres gêmeas em Nova York. Transformou a outrora respeitada aviação comercial brasileira num poço de incertezas, gerando revoltas nos aeroportos.

Se tiver o mínimo de lucidez e considerar o caráter continental do nosso País, fará um autocrítica e assumirá suas responsabilidades, encarando, como absoluta prioridade, os danos quase irreversíveis causados aos funcionários e aposentados da mais tradicional companhia de aviação deste lado do equador.