::::: RIO DE JANEIRO - 24 DE JULHO DE 2007 :::::

 

Jornal do Brasil
24/07/2007
Empurraram a crise aérea com a barriga, diz Carlos Lessa
Rodrigo Camarão

A crise aérea é uma tragédia anunciada, causada deliberadamente pelo governo ao cortar investimentos na segurança e não abrir concurso para contratar mais controladores de vôo. A afirmação é do professor emérito da UFRJ e ex-presidente do BNDES Carlos Lessa. Depois de 23 meses no cargo, foi demitido justamente pelas críticas ao modelo econômico adotado pelo presidente que ocupava o Palácio do Planalto há menos de dois anos. Acha que o dinheiro que poderia ser investido no sistema de transportes foi, em última instância, usado para pagar juros.

A prova da desatenção ao setor aéreo, conta ao JB Lessa, foi o episódio da Varig. Quando ocupava a presidência do BNDES, o economista tentou reestruturar o capital da empresa, considerada por ele de importância vital para o país. Conversou com credores nacionais - Banco do Brasil, Infraero - e internacionais - General Eletric - e os convenceu a trocar a dívida por ações, o primeiro passo para poder entrar com a verba do BNDES. O apoio faltou justamente dentro do governo. Precisaria que a Petrobras BR, que fornecia a querosene de aviação, e o Ministério da Fazenda, que tinha créditos previdenciários e fiscais da empresa, aceitassem rolar as dívidas.

- Esbarrei com o não do ministro Antonio Palocci por causa do acordo com o Fundo Monetário Internacional - lembra Lessa. - Qualquer tentativa de rolagem de dívida era considerada gasto. É uma perda de soberania.

Lessa chegou a ser criticado dentro do governo por querer transformar o BNDES num "hospital de empresas relevantes para o país". À época, conta, tentou levar a Varig ao hospital. Em vão. O resultado, observa Lessa, foi a perda de pelo menos 400 pilotos e técnicos dos mais experientes, que trabalham hoje no exterior.

- Desmantelaram uma rede nacional e internacional. É um crime - ataca o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. - Em 2003 e em 2004 houve cortes de gastos na segurança de vôo e não se fez concurso para contratar controladores de vôo. O então ministro da Defesa José Viegas cansou de avisar isso. A situação só vem se deteriorando desde pelo menos 2003. Essa crise aérea é uma tragédia anunciada. Trataram amadoristicamente o assunto e a questão foi empurrada com a barriga.

O sistema aéreo de um país é questão de integração nacional, lembra o professor. O medo sentido pelos passageiros - e desde o acidente da TAM, há uma semana, compartilhado também por tripulantes - prova que o governo negou-se a acabar com a crise ainda no nascedouro. Lessa conta que a necessidade o obrigou a controlar o receio de voar.

- Voei tanto que anestesiei o medo. Mas o apagão logístico nos transportes é dramático. Nas estradas, há 55 mil mortes por ano.

 

Coluna - Claudio umberto
24/07/2007
Foi Palocci

Carlos Lessa, ex BNDES, disse a Ricardo Boechat, na rádio BandNews, que não salvou a Varig porque o ex-ministro Antônio Pallocci não deixou.

 

 

O Estado de São Paulo
24/07/2007
Dados da caixa-preta negam arremetida, segundo deputados
Para especialistas ouvidos pelo ‘Estado’, fato reforça a tese de erro humano, desencadeada por falha no avião
Patricia Campos Mello

Análises preliminares da caixa-preta do Airbus A320 da TAM indicam que o piloto do avião não tentou - ou não teve condições de - arremeter , ou seja, decolar de novo, ao perceber que não conseguiria frear nos limites da pista do Aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo. A informação foi passada ontem pelos deputados Efraim Filho (DEM-PB) e Marco Maia (PT-RS), integrantes da CPI do Apagão Aéreo da Câmara, que acompanham nos Estados Unidos a decodificação do equipamento. A FAB e a Infraero negaram a notícia e ressaltaram que esses dados ainda são desconhecidos.

Para especialistas ouvidos pelo Estado, a falta de arremetida, aliada às imagens da Infraero que indicam aceleração do 3054 na pista, reforça a tese de falha humana, desencadeada por algum problema na aeronave. Um problema no reverso da aeronave pode ter contribuído com a tragédia. “Mas não há ainda elementos suficientes para dizer se houve exclusivamente falha mecânica ou exclusivamente falha humana. Com isso, a hipótese de a pista ser um fator contribuinte para o acidente continua em análise”, afirmou Maia. “Quando a aeronave chegou à cabeceira, não fez trajetória de quem tentava levantar vôo, foi reto e caiu”, disse.

De acordo com os deputados, os técnicos do Conselho Nacional de Segurança de Transportes (NTSB, na sigla em inglês) já avançaram muito na extração das informações da caixa-preta de dados e de voz. “Terminaram a compilação de todos os dados selecionados”, disse Maia. “Acreditamos que até o fim da semana devem estar concluídos os trabalhos aqui nos Estados Unidos.”

“Hoje (segunda-feira), os técnicos concentraram-se em extrair os dados da caixa-preta de voz. A partir de amanhã, farão a validação dos dados, sincronizando as informações das caixas de voz e dados. A parte mais complexa já foi concluída”, disse Efraim. Na quarta-feira, os grupos de técnicos se separam para tirar conclusões e voltam a se reunir na quinta para verificar se precisarão ser extraídos mais parâmetros (categorias de dados) da caixa-preta.

SIGNIFICADO

Para o oficial da reserva Luiz Alberto Bohrer, especialista em segurança de vôo, a possibilidade de o piloto não ter tentado arremeter deixa questões em aberto. “Se ele não fez o procedimento de arremeter, significa que algo impediu a aeronave de frear. Mas não dá para saber ainda o que realmente aconteceu, se foi a pista, se foi o piloto, se foi falha mecânica... São apenas hipóteses. Só a degravação completa da caixa-preta vai mostrar o que aconteceu.”

A FAB e a Infraero apressaram-se a desmentir todas as declarações dos deputados. O chefe do Centro Nacional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), brigadeiro Jorge Kersul Filho, contestou a informação de que o piloto não teria tentado arremeter. E a FAB, em nota à imprensa, afirmou que os representantes da Aeronáutica em Washington não passaram nenhuma informação sobre a caixa-preta.

Três fatores ainda levam os militares a suspeitar de que houve uma tentativa do piloto de arremeter (abortar o pouso e tentar decolar), antes de a aeronave se chocar com o prédio da TAM Express. Controladores que estavam de plantão na torre de controle de Congonhas dizem ter visto quando o Airbus tocou o solo e, repentinamente, “acelerou” na pista. Também reforçam a tese da Aeronáutica a velocidade com que o avião saltou a Avenida Washington Luís - cerca de 170 km/h - e o fato de o trem de pouso frontal (bequilha) não ter deixado marcas no gramado que divide a pista e a área de taxiamento.

DISPUTA POLÍTICA

Representantes da Aeronáutica, , da TAM e da Airbus, além de técnicos da NTSB, participam das investigações. Segundo o coronel Fernando Camargo (do Cenipa), a caixa de dados estava intacta e terá 100% de aproveitamento das informações. Já a caixa de voz pode estar um pouco danificada, por causa de superaquecimento. A falta de ranhuras na pista e a chuva também são fatores que estão sendo investigados pelos técnicos. “Ficou bem claro que a pista é um fator contributivo, que não tinha condições de segurança adequadas”, disse o deputado Efraim. “Não ter o grooving e as ranhuras (sic) podem ter dificultado a aderência.”

Mas apesar de terem participado da mesma reunião, os deputados não chegaram a um acordo. “Com todo respeito ao colega, eu não concordo com o deputado Efraim”, disse Maia. “Simplesmente, eles não descartam a hipótese de a pista ter contribuído para o acidente, mas não se trata de fator determinante.”

A terceira hipótese levantada pelos técnicos da Aeronáutica, ainda segundo os deputados, é uma falta de sincronização entre o computador de bordo e os dados inseridos pelo piloto. Às vezes, há uma falta no sistema e, por algum motivo, o piloto não insere os dados - ou comete algum erro na inserção. Essa foi a causa de um acidente com um Airbus no Aeroporto de Habsheim, em Mulhouse, na França, em 1988. Essa falta de sincronização poderia ter levado a aeronave a não responder a algum comando do piloto.

PLANALTO

Já em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ordenou aos ministros que não se manifestem publicamente sobre a investigação e foi dada instrução ao Comando da Aeronáutica para que lembrasse apenas que o governo aguarda a conclusão da análise das caixas-pretas.

 

 

O Estado de São Paulo
24/07/2007

Por medo, piloto se recusa a pousar com chuva
Profissional com 10 mil horas de vôo teme os riscos em pista molhada de Congonhas
Humberto Maia Junior

Fábio (nome fictício) é comandante de aeronaves comerciais. Com 10 mil horas de vôo, foi um dos pilotos que se recusaram a pousar ontem de manhã no Aeroporto de Congonhas, quando a chuva era forte. “Foi medo mesmo”, disse ao Estado, em Congonhas. O piloto pousou no Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos.

“Em 18 anos nessa vida nunca vi tamanha falta de respeito”, disse o piloto, comparando a pista de Congonhas ao asfalto de uma rua onde passam carros. “Quando chove fica alagada. É impossível manter o controle de uma aeronave lá.” Ele critica a torre de comando por não ter fechado a pista antes - a Infraero determinou o fechamento às 10h25 para medição e às 11h26 por más condições. “Ninguém pousa mais lá nessas condições”, diz.

“É impossível pousar em Congonhas num dia como esse”, diz outro comandante de vôo. Ele afirma que, após a reforma, as pistas do aeroporto estão mais inseguras. Culpa da falta das ranhuras transversais, que dificultam derrapagens.

“As pistas sempre foram ruins e a decisão já deveria ter sido tomada antes”, disse outro experiente comandante ouvido ontem pelo Estado. Segundo ele, a pista auxiliar tem mais aderência que a principal. “Por incrível que pareça.”

STRESS

Além do medo, funcionários da TAM enfrentam fadiga e stress. “Estamos todos cansados. O que quero é tocar a minha vida para frente e fazer o meu trabalho”, resumiu um co-piloto da companhia, que deixou no domingo o Aeroporto de Congonhas para um dia de folga.

O problema não foi só a queda da aeronave. O acidente, segundo os funcionários, foi o ponto máximo de estresse em meio a uma rotina que já vinha exigindo muito de pilotos, co-pilotos e comissários de bordo há vários meses. “O que tem nos deixado esgotados é a situação da aviação. E isso já vem de desde muito antes do acidente”, diz uma aeromoça da TAM de 28 anos. “A companhia está no nosso pé, não podemos correr o risco de perder o emprego”, explicou.

Segundo ela, assim como os passageiros, os tripulantes também têm de lidar com os constantes atrasos e mudanças nos horários das viagens - só que, no caso deles, o inconveniente é diário. “A gente também tem família e quer voltar para casa. Só que nunca sabe direito quando isso vai acontecer”, diz ela, casada com um piloto. “Fácil de entender a ausência do outro, mas difícil de se encontrar.”

Alguns funcionários, dizem eles, não agüentaram lidar com o estresse adicional gerado pela queda da aeronave. “Sabemos que algumas pessoas mais próximas dos colegas que estavam no vôo foram afastadas”, diz outra aeromoça, que teve contato com um dos tripulantes que morreram. Segundo ela, a empresa também encaminhou para acompanhamento psicológico alguns funcionários que ficaram mais abalados.

O esforço é por tentar seguir a rotina. “O clima é ruim, claro, mas temos que continuar”, diz ela, que estava em Recife quando soube do que havia acontecido. “Meus parentes me ligaram para avisar. Sabiam que eu não estava naquele vôo, mas mesmo assim ficaram preocupados”, diz. “Na hora, ficamos sem reação. Aos poucos todo mundo começou a entender.”