:::::RIO DE JANEIRO - 23 DE ABRIL DE 2006 :::::

JORNAL DO BRASIL
22/04/06 - 19:33H

Comissões do Senado realizam audiência pública para discutir situação da Varig

BRASÍLIA - A situação do grupo Varig deverá ser discutida terça-feira, às 10 horas, na Comissão de Serviços de Infra-Estrutura do Senado, em audiência pública conjunta com outras comissões. Deverá ser realizada também uma reunião com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, para tratar do mesmo assunto, mas a data ainda não foi marcada.
Na reunião em que foi aprovada a realização da audiência pública para discutir a crise na Varig, os senadores demonstraram apoiar a idéia de o governo federal participar da busca de uma solução para os problemas da empresa.

O presidente da comissão, senador Heráclito Fortes (PFL-PI), pediu que o governo tenha com a Varig a mesma paciência que teve com a Transbrasil, companhia aérea que está há cinco anos sem voar e ainda não teve seus hangares tomados.
A audiência pública será realizada em conjunto com as comissões de Assuntos Sociais, Assuntos Econômicos (CAE) e Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR).
(Agência Brasil)

 

ZERO HORA
23/04/2006
Empresas
Governo muda de rumo na crise da Varig

CAROLINA BAHIA E PEDRO DIAS LOPES

Pressionado por sindicatos e até por aliados no Congresso, o governo tenta afinar o discurso na busca de uma solução para a crise da Varig. Apesar da decisão liderada pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, de não injetar recursos públicos na aérea, o governo mudou a estratégia, diante do desgaste eleitoral, e deve atuar como apoiador de uma solução, a partir do plano de recuperação judicial.

- Está em curso um plano para ajudar a empresa. Não quer dizer que seja com dinheiro do orçamento - alerta um ministro com voz no Planalto.

A mudança de postura foi construída na última semana e tem papéis definidos. A decisão final segue na cabeça do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma, mas a frente das negociações foi tomada pelo ministro da Defesa, Waldir Pires - por determinação de Lula. À Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) cabe o monitoramento direto da situação. Tanto o presidente Milton Zuanazzi quanto a diretora que cuida do assunto, Denise Abreu, são pessoas de confiança da ministra.

Quando Pires disse, na quinta-feira, que o governo está disposto a aplicar verbas na empresa, desde que dentro da legalidade, expôs a nova rota: se a Varig der seqüência ao plano de recuperação judicial e se acertar com um investidor privado, as chances de o governo oferecer ajuda crescem (veja quadro).

Reconhecido pela diplomacia, o ex-corregedor da República nunca enterrou as esperanças dos funcionários e não hesitava em manter o ânimo dos movimentos pró-Varig.

- Sei da importância da Varig e vou entrar em campo junto ao Planalto - teria prometido Pires.

A mudança do discurso em Brasília ganhou força na última segunda-feira, quando o juiz da 8ª Vara Empresarial, Luiz Roberto Ayoub, descartou a falência, classificando a companhia como viável. Era o empurrão que os defensores da Varig dentro do governo precisavam.

Até aparecer a possibilidade concreta de um investidor (a VarigLog), porém, na equipe de Dilma o sentimento era outro. Rodeada de técnicos do período de José Dirceu - defensores da antiga idéia de fusão da Varig com a TAM -, a ministra nunca quis ouvir falar em colocar dinheiro público na empresa.

Descontente com as informações disponíveis sobre a gestão da Fundação Ruben Berta, a ministra chegou a destacar um engenheiro do Ministério da Ciência e Tecnologia para analisar os rumos da Varig. O estudo já foi concluído.

Nesta semana, Zuanazzi e Pires se encontram para discutir a proposta da VarigLog, considerada como a saída que tira a batata quente da mão do governo. Um assessor, no entanto, alerta que uma solução não deve sair tão rapidamente:

- A questão é crítica. A saída está na estratosfera da cabeça de Dilma e de Lula.

 

ZERO HORA
23/04/2006
Drama no ar

LÚCIA RITZEL

Em milhagens acumuladas nos 79 anos de atividade, a Varig não colheu apenas as cifras superlativas que a transformaram na maior empresa de aviação comercial do país.Também tem na sua trajetória muito mais do que os problemas pelos quais está no centro de um drama empresarial de conseqüências ainda não definidas para seus funcionários e para o setor de aviação nacional. As asas da empresa transportaram episódios marcantes para milhões de gaúchos. São momentos dramáticos, alegres, tristes ou absolutamente comuns, mas inesquecíveis para aqueles que viveram essas pequenas histórias a bordo de um avião Varig.

Quantos não viajaram de avião pela primeira vez com a Varig e distraíram o medo com a maletinha de lanches e brindes do serviço de bordo da empresa. Antológica, a elegância do uniforme fazia das aeromoças divas gentis e dos pilotos modelos próximos do príncipe encantado para adolescentes de 30 anos atrás.

Essas figuras quase míticas fazem parte da memória afetiva da advogada porto-alegrense Clarisse Barcellos Lima, 35 anos, que viaja pela Varig desde os oito meses de idade. Outros simplesmente devem a vida à companhia, como faz questão de dizer o juiz classista aposentado Renato Seghesio, sobrevivente de uma tragédia que abalou o Brasil no final dos anos 50. Já o guia turístico Marcos Frezza e o professor universitário Germano Schüür, ambos de Caxias do Sul, viveram momentos de pânico em vôos internacionais e até hoje são gratos à calma e à gentileza da tripulação da Varig. E há também quem tem histórias de amor para contar. Duas gaúchas, a psicóloga Laura Perrone e a empresária Adriana Fazenda, agradecem à empresa a forcinha dada ao destino, que as fez encontrar as respectivas caras-metade. Embarque nesta rota.

 

FOLHA DE SÃO PAULO
23/04/2006
Sem injeção de capital novo, Varig não voa
Para consultoria, opções contra falência são venda, adiamento de pagamento de dívida ou linha de crédito com o BNDES
DA SUCURSAL DO RIO

A Varig precisa de dinheiro novo para continuar voando. Essa é a conclusão da maioria dos envolvidos no processo de recuperação judicial da companhia. Com dívidas que somam mais de R$ 7 bilhões e créditos a receber do governo estimados em R$ 4,4 bilhões, a Varig precisa de capital para atravessar a baixa temporada e recuperar a frota.

Relatório do analista do Unibanco Carlos Albano retrata as possíveis opções para que a companhia evite a falência: venda, adiamento do pagamento aos principais credores e linha de crédito com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Essas são as alternativas com as quais trabalha a reestruturadora da companhia, a consultoria Alvarez & Marsal.

A principal proposta de compra da companhia veio da Varig Log, ex-subsidiária controlada atualmente pela Volo do Brasil, que tem como acionistas empresários brasileiros e o fundo de investimentos americano Matlin Patterson. A proposta de US$ 400 milhões esbarrou no veto da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), que adiou o aval para a transferência de ações da Varig Log para a Volo até que essa cumpra as exigências legais. Depois de superar essa etapa, a Varig Log precisa convencer os credores, que precisam aprovar a operação.

A Varig tenta negociar a concessão de um prazo de carência com os principais fornecedores. A BR Distribuidora, no entanto, já indicou que não está disposta a ceder. Desde 1º de janeiro, a Varig paga na véspera pelo combustível necessário para abastecer os aviões no dia seguinte. A empresa já negociou redução salarial de 30% e o corte de 2.900 vagas. Com a Infraero, os executivos afirmam que é possível chegar a um acordo.

A previsão dos executivos da Varig é que o FIP (Fundo de Investimento e Participação), o mecanismo desenhado para atrair novos investidores, fique pronto em julho.
Na avaliação de antigos representantes da administração da Varig, deixar a aérea quebrar em ano de eleição teria uma repercussão negativa para o governo.

Os funcionários representados pelo TGV (Trabalhadores do Grupo Varig) defendem ainda que a companhia seja levada a leilão com um lance mínimo de R$ 500 milhões. O valor viria da conversão de debêntures dos credores. A idéia original era usar recursos da poupança dos ativos no Aerus, mas, com a liquidação do fundo de pensão decretada pela SPC (Secretaria de Previdência Complementar), a proposta precisou ser modificada.

Segundo Albano, a principal possibilidade para dar mais tempo à Varig é o fechamento de um acordo com os credores


FOLHA DE SÃO PAULO
23/04/2006
Diversas tentativas de reestruturação falharam
(JANAINA LAGE E MAELI PRADO)
DA SUCURSAL DO RIO - DA REPORTAGEM LOCAL


A adesão da Varig à nova lei de recuperação judicial foi o ápice de uma série de tentativas de reestruturação da companhia. No passado, ela chegou a negociar uma fusão com a TAM e uma capitalização do BNDES, entre outras alternativas malsucedidas.
Para analistas e ex-dirigentes ouvidos pela Folha, invariavelmente as propostas caíam por terra quando significavam uma alteração no controle da companhia ou no seu modelo de gestão.

"Não existe empresa no Brasil com mais diagnósticos feitos do que a Varig. Esses diagnósticos têm um nível de discrepância pequeno entre si, pois são sempre muito parecidos. O problema sempre foi o paciente tomar o remédio", diz Nelson Bastos, da consultoria em reestruturação Integra e ex-membro do conselho de administração da Varig.

Segundo Carlos Albano, analista do Unibanco, alternativas encontradas pela Varig no passado tiveram efeito positivo, mas momentâneo. "Nenhuma das tentativas resolveu de fato a situação [financeira] da empresa."

Na avaliação de credores ouvidos pela Folha, a companhia não conseguiu aproveitar bem o período em que estava livre de execuções. As dificuldades para aprovar o novo plano de recuperação e contentar todas as classes de credores, que incluem funcionários, empresas de leasing e estatais, entre outros, são apontadas como os principais entraves.

A Varig pediu à Justiça do Estado do Rio que iniciasse o processo de recuperação judicial no dia 17 de junho do ano passado. Foi a forma que a empresa encontrou para impedir que uma das principais arrendadoras de aviões, a ILFC, retomasse as aeronaves.

A ação de recuperação judicial foi criada para que empresas viáveis, mas que atravessam dificuldades, consigam evitar a falência. Com isso, a Varig ganhou um fôlego extra de seis meses, período em que ficaram suspensas todas as execuções judiciais.

Sem acesso

O administrador judicial designado pela Justiça para acompanhar o caso, João Vianna, afirma nunca ter tido acesso aos dados referentes ao caixa da companhia. Substituído posteriormente no cargo pela consultoria Deloitte, Vianna afirma hoje que tenta apagar a Varig da memória.

"Cansei de engolir sapo. Nunca consegui saber qual era a real situação do caixa", diz Vianna.

Ao longo desse período, a Varig contratou consultorias e empresas especializadas para que pudessem orientar o processo de recuperação, como a Lufthansa Consulting, o UBS e, mais recentemente, a Alvarez & Marsal, mas não conseguiu atrair dinheiro novo para a empresa.

"Você pode desenhar o plano mais maravilhoso do mundo. Se não aparecer investidor, [o plano] não serve para nada", afirmou Márcia Cunha, juíza da 2ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro e que cuida do processo de recuperação da companhia.

"Nunca se fez nada porque as consultorias determinavam que teria de haver uma enorme demissão de pessoas. Mesmo agora ficam falando em 11 mil empregos", afirma Arnim Lore, ex-presidente da Varig.

Até o fim do ano passado, a Varig mantinha conversações com a portuguesa TAP e com o fundo de investimentos norte-americano Matlin Patterson, que acabaram comprando as ex-subsidiárias da companhia, a VEM (Varig Engenharia e Manutenção) e a Varig Log, respectivamente. O Matlin Patterson insiste e representa hoje a única proposta de compra da companhia, por US$ 400 milhões, por meio da Volo do Brasil.

Segundo o ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) Carlos Lessa, o banco desistiu de negociar uma capitalização na companhia depois que a FRB (Fundação Ruben Berta) rejeitou um acordo com credores. Sem mudanças, a Fazenda não aceitou participar da operação.

Fusão

Uma das principais soluções negociadas no passado para a Varig foi uma fusão com a TAM. Como fase preliminar antes da união, ambas, em dificuldades financeiras, passaram a operar em "code share" (compartilhamento de vôos) no início de 2003.

Mas dificuldades foram surgindo. Uma série de liminares concedidas a pedido de funcionários da FRB contrários à fusão atrapalharam as negociações.

Em agosto, o executivo Daniel Mandelli Martin, um dos principais articuladores da união, deixou a presidência da TAM. A situação financeira de ambas, ajudada pelo "code share", melhorou. As companhias passaram então a rejeitar o modelo de fusão, querendo condições melhores na empresa que surgiria. Além disso, diz-se nos bastidores que auditorias teriam revelado à TAM que o passivo da Varig era maior do que o imaginado a princípio, o que também travou o processo.


FOLHA DE SÃO PAULO
23/04/2006
Varig tem maior rombo da América Latina
Desde 1986, aérea só teve lucro em quatro anos; vilões são os custos operacionais e administrativos, diz consultoria

MAELI PRADO - DA REPORTAGEM LOCAL

A Varig possui o maior patrimônio líquido negativo das empresas de capital aberto da América Latina e o quinto maior quando se levam em conta também os números das 1.200 maiores empresas dos Estados Unidos.

É o que mostram dados de um levantamento feito a pedido da Folha pela consultoria Economática, que também reuniu dados dos balanços da companhia aérea desde 1986.
Desde então, a empresa só conseguiu registrar lucro líquido em quatro anos. Apesar de obter uma receita importante, os gastos da Varig corroem boa parte do faturamento, segundo Einar Rivero, coordenador da Economática para a América Latina.

"Os grandes vilões da companhia são os custos de operação e os administrativos, que são extremamente elevados", afirma.

Para ter uma idéia, do último trimestre de 2004 até setembro do ano passado, a companhia teve receita de R$ 8,8 bilhões (números corrigidos pela inflação até dezembro de 2005). Mas o custo operacional (todos os custos para a companhia levantar vôo, como gastos com aeronaves, hangares e salários de pilotos e de comissários, entre outros) alcançou R$ 6,6 bilhões, o que deixou a ela um lucro bruto de R$ 2,2 bilhões.

Subtraídos desse valor os custos administrativos (salário do pessoal administrativo e publicidade, entre outros), a empresa ficou com lucro operacional de R$ 345 milhões no período. Após pagar juros, Imposto de Renda e despesas administrativas, a Varig chegou a um prejuízo de cerca de R$ 570 milhões no período.

"Um lucro operacional de menos de meio bilhão [de reais] para uma empresa que fatura R$ 9 bilhões não significa nada."

Ele diz que a empresa conseguiu reduzir sua dívida financeira nos últimos anos. "O problema é que o grande volume da dívida da Varig é operacional, com fornecedores como a Infraero e a Petrobras. A dívida financeira representa uma parcela menor."

Ao mesmo tempo, a aérea conseguiu melhorar, há quatro anos, o perfil da sua dívida: em 2002, a dívida de curto prazo (pagamento até um ano) representava 46,7% do total de seus débitos. Esse percentual caiu para 14,8% em 2003. Entretanto nos últimos anos esse percentual voltou a aumentar: do último trimestre de 2004 até setembro de 2005, foi de 22,2%.

Aéreas em crise

Segundo o levantamento da consultoria, do ranking das dez empresas da América Latina e dos EUA com maior patrimônio líquido negativo, quatro são companhias aéreas, entre elas a Varig.

A aérea americana Delta Airlines aparece em primeiro lugar nesse ranking, com dívida de US$ 9,9 bilhões. Ela vem seguida da Northwest Airlines, com passivo a descoberto de US$ 5,6 bilhões. A Varig aparece em quinto, com dívida de US$ 3,3 bilhões, e a AMR (American Airlines) em oitavo, com rombo de US$ 1,5 bilhão.

Assim como ocorreu com a Varig no Brasil, nos Estados Unidos as companhias aéreas mais antigas, com estrutura elevada de custos, sofreram com a concorrência das empresas de baixo custo que entraram no mercado, como a JetBlue e a Southwest. O que também complicou essa situação foi a concorrência com empresas aéreas mais antigas mas que conseguiram se adaptar às mudanças do mercado, cortando custos e buscando maior eficiência.

Isso também ocorreu na Europa com empresas aéreas como Swiss, KLM e Alitalia.
A estimativa é que a Varig tenha um custo por assento cerca de 30% maior do que o da companhia "low cost, low fare" (baixo custo, baixa tarifa) Gol.

Mesmo a TAM, que é muito mais eficiente do que a Varig, possui um custo por assento entre 9% e 10% maior do que o da Gol.


FOLHA DE SÃO PAULO
23/04/2006

Viés estatal-sindicalista afunda Varig
Empresa não cortou custos, sofreu com problemas de administração e estimulou corporativismo
ELVIRA LOBATO - JANAINA LAGE - SUCURSAL DO RIO
Colaboraram Leo Gerchmann, da Agência Folha, e Maeli Prado, da Reportagem Local


A maior companhia da história da aviação brasileira está em ruína por ter reproduzido vícios de má administração estatal e por ter estimulado o corporativismo típico de entidade sindical, sendo uma empresa privada.

Controlada acionariamente pelos empregados, por meio da Fundação Ruben Berta, a Varig deixou que seus problemas se avolumassem e esperou por uma solução salvadora do Estado, que não veio. Tudo indica que não sobreviverá para completar 80 anos em 2007 -caso não seja vendida.

A Varig não se ajustou para enfrentar as crises conjunturais do mercado de aviação e o aumento da concorrência. Para 54 aeronaves em operação, possui 9.400 empregados, dos quais 1.400 são pilotos e co-pilotos.

Na TAM, a proporção era de 1.034 pilotos e co-pilotos para 79 aviões no ano passado, segundo dados do balanço financeiro. Hoje, a TAM tem um total de 9.669 empregados para 81 aeronaves.

A Varig tem média de quase 26 pilotos por avião (13 da TAM). Em 2003, o número de funcionários por aeronave da Varig (201) era mais do que o dobro do da TAM (88) e do da Gol (85), mostra tese de doutorado defendida na Escola Politécnica da USP pelo professor Antonio Henriques de Araújo Jr., da Unesp.

Ouvidos pela Folha, ex-presidentes da empresa, como Ozires Silva, dizem que os funcionários não permitiram demissões ou ajustes. Ozires lembra frase de Ruben Berta: "Quando criou a fundação e passou aos empregados a propriedade, ele disse que a Varig somente cairia se os empregados assim deixassem. Parecem palavras proféticas".

Arnim Lore, que deixou a presidência após o conselho curador da FRB ter recusado um acordo com credores, ressalta o custo financeiro da empresa. "Os gastos a prejudicavam em relação a outras empresas. Havia uma série de problemas: incapacidade financeira, gestão e eficiência."

Os governos dos últimos 24 anos também são responsabilizados, por ex-dirigentes, pelos problemas da Varig. Sustentam que a origem da crise está na defasagem dos preços das passagens acumulada nos governos de José Sarney (1985-90) e Fernando Collor (1990-92) e que a empresa foi instrumento de política externa, tendo sido levada a operar rotas deficitárias para a África e a América Latina por mais de dez anos.

Gestão e planejamento

A abertura do mercado, principalmente nas rotas para EUA e Europa, surpreendeu a companhia, que esperava compensar o preço elevado da passagem com a qualidade do serviço. As tarifas desabaram, e a Varig nunca fez um sério controle de custos.

Até 2005, havia mais de cem pessoas na companhia com poder de autorizar passagens gratuitas. "Os salários eram menos vinculados a horas de vôo e acima da média do mercado", afirmou um dos ex-dirigentes. A maioria prefere não se identificar ao comentar a situação da empresa.

Mas alguns, como o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa, que defende a ajuda do governo à Varig, atacam abertamente, culpando a FRB pelos problemas de gestão e acusando o acionista controlador de ter permitido "as mais altas comissões de companhia aérea para as agências de viagens, que surgiam de primos, amigos e parentes dos dirigentes". Lessa foi presidente do BNDES em 2003 e 2004 e negociou com o controlador da Varig.

Presidente da empresa entre 2000 e 2002, Ozires acha que o principal aspecto negativo da companhia é a governança corporativa. "Os empregados não querem ceder nada. O plano de demissões voluntárias que propus não foi aceito pela empresa, controlada por funcionários. Eles disseram não, e assim foi."

Apesar disso, defende a participação do governo na recuperação da empresa e na salvação da marca. "A sacudida que a Varig está levando agora é para optar entre o aspecto corporativo e as garantias de emprego. É um momento de reflexão, de salvar os empregos."

Passivo a descoberto

O último balancete financeiro da Varig, de setembro de 2005, mostra um passivo a descoberto de R$ 7,2 bilhões. Significa que, se todos os ativos forem vendidos pelo valor contábil, esse é o valor que faltará para pagar as dívidas.

De 1990 para cá, ela só teve lucro em 1994 (US$ 202 milhões) e em 1997 (US$ 25 milhões). Todos os demais anos terminaram no vermelho e com um rombo cada vez maior. Desde 1999, tem déficit operacional. Ou seja, além das dívidas que já tem, seu funcionamento dá prejuízo. A participação no mercado doméstico, hoje, caiu a menos de 19%.

A maior parte (64%) das dívidas da Varig é com o governo e com empresas estatais. O segundo maior credor é o fundo de pensão Aerus. Esse perfil de dívida contribuiu para a atitude da empresa de aguardar uma solução do Estado para os problemas, em vez de impor sacrifícios contra a crise.

Governo militar

O rombo da Varig começou a se formar no governo João Baptista Figueiredo (1979-85), quando ela encomendou à Boeing cinco 747-300, com financiamento japonês. O México declarara moratória, e os EUA suspenderam os empréstimos às empresas brasileiras.

A empresa foi autorizada a buscar crédito no Japão. Com a valorização do iene, o custo das aeronaves duplicou em dólar. Em 1999, quando os aviões foram desativados e devolvidos, ficou uma dívida de US$ 250 milhões.

Luiz Martins, que presidiu a Varig de 2003 a 2005, aponta a política de reserva de informática, dos anos 80, como outro fator negativo sobre a empresa. Segundo ele, enquanto a importação de computadores esteve proibida, ela "fabricou" computadores para informatizar as agências de viagem. "É injusto atribuir a crise da Varig à má gestão. Nenhuma companhia chega a um déficit de R$ 7 bilhões apenas por incompetência."

Reajuste de tarifas

Na gênese da crise da Varig há outro fator atribuído ao governo: o descasamento entre o reajuste das passagens e o aumento do custo dos insumos, principalmente do querosene.
A Varig reivindica na Justiça a reposição de perdas sofridas entre 1986 (início do Plano Cruzado) e 1991 (governo Collor) por insuficiência de reajuste tarifário. Na ocasião, a empresa calculou suas perdas em US$ 986 milhões.

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) deu ganho à Varig, mas a União recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal). Segundo a Fundação Getulio Vargas, a reposição pedida soma R$ 4,4 bilhões.

Paternalismo

Em 1982, o fundo Aerus foi criado com vantagens para os empregados que só uma estatal se permitiria. Além da contribuição do patrocinador e dos empregados, o governo criou taxa adicional de 3% sobre o valor das passagens dos vôos domésticos para capitalizar o fundo. Previu-se, na época, que a taxa perduraria por 30 anos, mas foi extinta após oito anos.

Funcionários conseguiram se aposentar, nos anos 80, com apenas três anos de contribuição. Por muito tempo, o fundo ofereceu pecúlio por morte bancado somente pela Varig. O plano atuarial previa contribuição dos aposentados de 7,6% sobre o valor do benefício, que foi derrubada em 86, por pressão dos funcionários.

O cálculo da aposentadoria começou limitado a dois tetos do benefício oferecido pelo INSS e acabou liberado em 1989, o que elevou o fosso entre o patrimônio e os compromissos assumidos.

Trem descarrilhado

A Varig, segundo informações de executivos que já estiveram em seu comando, assemelha-se a um trem descarrilhado, sem a mínima estabilidade. De 2000 para cá, a empresa teve nove presidentes. Os empregados se dividem em várias facções que se atacam.

"As diretorias do sindicato, da Associação dos Pilotos, da Fundação Ruben Berta e do Aerus estão em constante luta política e influenciam na empresa. Tudo na Varig é para o curto prazo, não há tempo para decisões estratégicas", diz um ex-presidente que não quis ser identificado.

No seu jingle mais famoso, de 1967, a Varig era a "estrela brasileira no céu azul, iluminando de Norte a Sul". Uma versão atualizada poderia cantar uma estrela cadente em céu nublado, se apagando de Norte a Sul.

FOLHA DE SÃO PAULO
23/04/2006
Poder de fundação na aérea é criticado

DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL DO RIO

Uma das principais críticas feitas à Varig é à sua estrutura de gestão. A companhia aérea é controlada pela Fundação Ruben Berta e todas as decisões da empresa têm que passar pelo crivo dos curadores da FRB.

Esses sete curadores são eleitos por mais de cem membros do colégio deliberante da fundação, que, por sua vez, também são escolhidos pelos funcionários das empresas da FRB, como a Varig.

A quantidade de membros do colégio é proporcional à quantidade de funcionários dessas empresas. O conselho de administração da aérea, que indica o presidente da Varig, é eleito pela FRB.

Essa estrutura é criticada porque não permitiu o enxugamento de custos da companhia aérea quando foi necessário.

"Ajustes necessários, como os trabalhistas, sempre esbarraram na questão política. A FRB era controlada por duas centenas de gerentes sênior da empresa que não tinham interesse na reestruturação porque seria cortar na própria carne", diz Nelson Bastos, da consultoria Integra, que foi membro do conselho de administração da Varig de 1995 a 1999.

Os membros da FRB, por seu lado, defendem que a fundação tem um papel social e lembram a forte atuação contrária dos sindicatos sempre que se fala em demissão.

 

O Globo
23/04/206
Varig, Varig, Varig - Ancelmo Gois


Como cidadãos contribuintes, 60% dos cariocas ouvidos pelo DataGois/Painel de Leitores do GLOBO são contra o governo socorrer a nossa Varig.

Mas, como consumidores, 62% acham que uma eventual paralisação da empresa pioraria o transporte aéreo no país e encareceria as passagens.

PS: a vinheta “Varig, Varig, Varig” foi criada na década de 60 pelo então publicitário Boni, o laureado homem de TV.


O Globo
23/04/2006
Procon: agência de aviação se omite sobre os riscos do usuário do Smiles

Geralda Doca

BRASÍLIA. Os órgãos de defesa do consumidor acusam a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) de ter se omitido na crise da Varig e em relação às conseqüências para os milhões de usuários que têm direito a milhas pelo Smiles, caso a empresa pare de voar. A diretora de Programas Especiais da Fundação Procon, Marli Aparecida de Souza, afirma que a agência está assistindo, sem nada fazer, a uma corrida aos balcões da empresa para trocar as milhas por bilhetes, o que acaba prejudicando inclusive a companhia.

Segundo ela, uma manifestação do órgão regulador seria importante neste momento, não só para os usuários, mas também para os próprios Procons, que “estão perdidos”, sem saber como orientar os consumidores.

— Diante da crise, está faltando uma orientação da Anac. Se a Varig parar, cerca de cinco milhões de consumidores poderão ser prejudicados — afirmou Marli, acrescentando que representantes do Procon tentam há dias se reunir com diretores da agência, sem êxito.

— A Anac está sendo omissa — disse o advogado Marcos Diegues, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).

Para Marli, o medo de perder as milhas está levando consumidores a trocarem os pontos e fazerem viagens não programadas, que podem resultar em problemas financeiros mais tarde. Ela diz que a Anac, órgão regulador que tem entre suas prioridades proteger interesses dos usuários, precisa informar que tentará um acordo com as concorrentes da Varig para que, se necessário, elas honrem, pelo menos em parte, as milhas.

A analista de sistemas Daniela Alves Domingues está entre os clientes do Smiles que já têm milhas suficientes para trocar por passagens. Preocupada com as notícias sobre a Varig, ela se antecipou e transformou parte delas em uma viagem no próximo mês:

— Tive problemas para obter o bilhete. Não sei o que vai acontecer com o restante das minhas milhas. Devo perdê-las. A situação da Varig está muito complicada — avalia.

De acordo com o Procon-SP, as milhas são uma promessa de direito. Pelo Código Civil, isso significa que, na hora de comprar um bilhete, ele faz um contrato principal e, em contrapartida, tem direito a um acessório, que são as milhas, explicou a diretora. Ou seja, o usuário só ganha se optar por aquela empresa e por aquele cartão. De certa forma, paga pelo benefício que colherá adiante.

Por isso, a Anac teria que exigir o cumprimento da promessa das empresas que herdarem rotas e os slots (espaços nos aeroportos) que eventualmente forem deixados pela Varig. Embora não trate sobre milhagens, o Código de Defesa do Consumidor determina que toda oferta e todo contrato têm que ser honrados numa relação de consumo.

Apesar da orientação do Idec de que o consumidor deve converter logo suas milhas em passagens, isso não garante que a viagem será feita se a Varig quebrar. É apenas um passo a mais do que, simplesmente, ter as milhas nas mãos, disse Diegues. Ele também defende que o Judiciário busque uma solução que permita às associadas da parceria Star Alliance, a qual a Varig integra, reconhecer as milhas da Varig.

A Anac preferiu não se manifestar oficialmente sobre as acusações. Diretores da agência disseram, no entanto, que as milhagens ainda não estão em pauta e que cabe aos próprios Procons e à Justiça tratarem do assunto. Segundo uma fonte do órgão, o entendimento é que a milhagem é um contrato particular entre a companhia e o usuário e que o ativo existe enquanto a empresa estiver voando. Por essa lógica, o “mico” ficaria com o consumidor.


O GLOBO
23/04/2006
A farra das milhas

Geralda Doca

A milhagem, uma idéia que começou a ser explorada pelas companhias aéreas para cativar a clientela, virou uma estratégia de negócio em vários segmentos da economia no Brasil e no mundo e, hoje, não são as pessoas que viajam de avião as que mais se beneficiam, mas os consumidores.

Estimativas apontam que mais da metade de todas as milhas é originada pelas compras pagas com cartão de crédito cuja bandeira é conveniada aos programas das companhias aéreas. Em seguida estão empresas telefônicas, hotéis, postos de combustíveis, restaurantes, locadores de automóveis, agentes imobiliários, seguradoras e lojas. Em 2005, as milhas renderam à Varig e à TAM R$ 235,8 milhões — valor pago pelos cerca de 300 parceiros que oferecem esse tipo de compensação aos seus clientes.

Mesmo com o agravamento da crise, só em março, o Smiles gerou para a Varig receita de R$ 19,2 milhões. O programa tem 5,6 milhões de clientes cadastrados. Já o Fidelidade TAM tem outros três milhões de inscritos e uma receita média mensal de R$ 7 milhões para a companhia.

É um negócio que, se for bem administrado, gera ganhos para todos, diz o sócio da empresa de consultoria do setor aéreo Bain & Company, André Castellini. Segundo ele, o programa funciona como um canal de vendas para as companhias aéreas, que, na prática, vendem frações de uma passagem, e para o parceiro comercial, que vende mais ao oferecer milhas como recompensa.

Só 35% das milhas são resgatadas

Venâncio de Castro, diretor de Produtos da rede Mastercard, diz que a bandeira orienta os bancos a adotarem programas de milhas porque essa estratégia oferece vantagens competitivas ao produto. Segundo dados do setor, apenas 35% das milhas são de fato resgatadas, o que é levado em conta durante a negociação do valor da milha entre o banco e a companhia aérea. Além disso, os cartões atrelados aos programas de milhagem vendem três vezes mais do que um cartão comum.

— O cartão com milhas é uma ferramenta para venda, ativação (no caso de cartões enviados à revelia do cliente) e retenção (manutenção do cliente na sua carteira) para o banco — afirma Castro, acrescentando que a classe média é o principal alvo dos cartões.

— Cerca de 80% dos nossos clientes trocam seus pontos por milhas — diz o vice-presidente de Produtos do American Express, Cesário Nakamura.

O diretor de Marketing da rede Atlantica Hotels Internacional, Marcelo Bicudo, informou que as milhas geram um incremento de receitas para a marca de 15%. O faturamento no Brasil está em torno de R$ 200 milhões por ano. Quem se hospeda nos hotéis do grupo pode trocar seus pontos por milhas do Smiles, mas já está em fase adiantada de negociação uma parceria com a TAM. O investimento (valor pago pelo hotel por milha) é pequeno e equivale a um desconto de 5% do valor da diária, explicou.

— As milhas são uma ferramenta de relacionamento valiosa. É como colocar um chip no cliente, que permite identificar o hóspede habitual do esporádico e dar um tratamento especial ao primeiro — diz Bicudo.

Segundo o diretor-presidente da rede Hilton Corporation, Luis Perillo, as milhas representam quase 70% das receitas do hotel do Morumbi, em São Paulo. O grupo tem parceria com o Smiles e também está negociando com a TAM. Na rede Sofitel, cada R$ 30 gastos geram dez pontos fidelidade TAM.

A ferramenta atraiu também a gigante Petrobras, que em outubro de 2005 lançou o cartão BR em todas as distribuidoras. Quem abastece no posto da estatal ganha milhas da Varig e concorre a um prêmio que garante um ano grátis de combustível.

Analista alerta para riscos do modelo

Foi este atrativo que levou o técnico em teleprocessamento Fabrício Lucas Correia a adquirir o cartão verde da BR.

— Procuro abastecer só no cartão para ganhar pontos — afirma Correia, que ainda não acumulou milhas suficientes para fazer uma viagem.

As milhas ganharam adeptos em vários segmentos, de telefonia a restaurantes, passando por saúde e beleza. Na rede TGI Friday’s, a cada real gasto na refeição o cliente acumula dois pontos que podem ser convertidos em milhas da TAM. O mesmo acontece com o Boticário, que tem um cartão fidelidade que acumula pontos e podem ser trocados por milhas ou produtos da loja. Na Avis, qualquer locação de veículo dá direito a 500 milhas pela Varig. Até corretoras oferecem milhas na compra de um apartamento em São Paulo.

O consultor Ulrich Michenhausen, da Active Marketing, alerta, porém, que o programa de milhas gera no futuro um passivo, que se mal administrado pode quebrar as empresas. Esse é um dos motivos pelos quais as companhias tentam dificultar ao máximo a conversão das milhas em bilhetes.

A vantagem dos programas brasileiros, diz o consultor, é que as milhas têm prazo de validade (dois anos na TAM e três anos na Varig), o que permite gerir melhor o negócio. Essa não é uma regra comum nos programas oferecidos pelas empresas estrangeiras.