Folha de São Paulo
21/08/2007
Fui enganada sobre Congonhas, diz
juíza
Cecília Marcondes, do
TRF, disse que recebeu de Denise Abreu, diretora da Anac,
documento com falsas medidas de segurança
Documento foi usado para convencer a Justiça a
liberar as operações no aeroporto, que estavam
restritas para alguns tipos de aviões
ROGÉRIO PAGNAN DA REPORTAGEM LOCAL
LEILA SUWWAN DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A juíza do TRF (Tribunal Regional Federal) Cecília
Marcondes disse ontem que recebeu das mãos da própria
diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação
Civil) Denise Abreu o documento com as falsas medidas
de segurança para pousos de aviões em pista
molhada no aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
O documento foi utilizado para convencer a Justiça
a liberar, no início do ano, as operações
no aeroporto, que estavam restritas para alguns tipos
de aviões. O problema é que a tal norma
em questão, a IS-RBHA 121-189, não estava
em vigor.
A "norma" que constava do recurso ao TRF (3ª
Região) vedava às empresas o uso de aviões
com um reverso inoperante em pistas molhadas.
Se estivesse sendo aplicada, o acidente com o vôo
3054 da TAM (199 mortes) teria sido evitado -naquele dia,
a aeronave estava com o reversor direito inoperante, e
a pista, molhada.
Na última quinta-feira, em depoimento na CPI do
Apagão Aéreo do Senado, Denise disse que
o documento não tem valor legal por se tratar de
um "estudo interno", publicado no site de internet
da agência por "falha da área de informática".
"Ela [Denise] estava presente, tinha ciência
absoluta da existência daquele documento que estava
sendo apresentado para mim. Até porque todos falavam
a respeito dele", disse ontem a juíza. "Ou
mentiram na CPI ou agiram com improbidade pelo fato de
não terem aplicado as regras estabelecidas por
aquele documento."
Segundo a juíza, o documento foi entregue por Denise
no dia 22 de fevereiro.
A juíza disse que a diretora da Anac foi auxiliada
por dois técnicos que explicaram detalhadamente
que as normas publicadas pela agência, contidas
no documento, garantiriam a segurança dos vôos.
Convencida pela comitiva, composta por mais duas pessoas,
a juíza suspendeu a restrição.
A diretora da Anac, ainda segundo Cecília, demonstrava
muita pressa na liberação do aeroporto para
todos os tipos de avião. A decisão da Justiça
foi assinada horas depois.
A juíza afirmou que recebeu a declarações
de Denise com "espanto muito grande" e "revolta".
"Não é só a pessoa da juíza
que está sendo enganada. Está sendo enganada
uma instituição, está sendo enganado
um Poder do Estado e por um órgão que está
também inserido dentro do Poder do Estado. Isso
é o mais grave de tudo."
E continuou: "Se nós não podemos confiar
nas agências que fiscalizam, não temos em
quem confiar. É uma situação muito
desagradável. É uma coisa extremamente séria,
estamos mexendo com vidas. Parece uma brincadeira isso
aqui".
A juíza disse que, mesmo com a alegação
da Anac, da não-validade do documento, a direção
da agência não está isenta de responsabilidade
porque, para a Justiça, a norma está em
vigor. "Por isso que deixei claro que caberia responsabilidade
criminal e administrativa para aqueles que não
cumprissem aquilo que estava escrito lá. Deixei
ressaltado para evitar esquecimentos."
Investigação
O Ministério Público Federal de São
Paulo irá pedir que a Anac seja investigada por
improbidade administrativa e falsidade ideológica.
Para a Procuradoria-Geral da Anac, subordinada à
AGU (Advocacia-Geral da União), a sindicância
aberta ontem deve investigar o grupo de técnicos
que subsidiou a estratégia de defesa e "quem
mandou".
"É preciso investigar se não houve
crime de falsidade ideológica e de improbidade
administrativa", disse a procuradora federal Fernanda
Taubemblatt, que moveu a ação inicial pedindo
o fechamento da pista.
Dentro da Anac, o procurador-geral João Ilídio
de Lima Filho considera que os procuradores de São
Paulo são responsáveis pela parte jurídica
do processo, não pelos anexos técnicos.
"A peça jurídica está primorosa.
No mérito, está perfeita. Agora, se alguém
anexa um documento para subsidiar a tese da defesa, então
tem que ser apurado o motivo, por que os técnicos
utilizaram o estudo e por ordem de quem", disse.
As CPIs do Apagão Aéreo também irão
examinar o caso.
Folha de São Paulo
21/08/2007
Piloto da TAM admite ter feito procedimento
não-recomendado
DA REPORTAGEM LOCAL
O piloto Marco Aurélio Incerti de Lima admitiu
ontem, em depoimento no 27º DP (Campo Belo), ter
executado um procedimento não-recomendado para
pousar o Airbus-A320 da TAM no aeroporto de Congonhas
no dia 17 de julho, horas antes de a mesma aeronave se
chocar contra um prédio e matar 199 pessoas.
Incerti de Lima comandou a aeronave no trecho entre Congonhas
e Confins-MG (vôo 3214), e na volta a São
Paulo (vôo 3219). Ele foi o último a pilotar
o Airbus antes de Kleyber Lima e Henrique Stephanini di
Sacco assumirem a aeronave. Os dois morreram no acidente.
Segundo o depoimento de Incerti de Lima, em razão
de a pista de Congonhas ser restrita e estar molhada e
escorregadia, ele considerou mais seguro deixar o manete
da turbina direita -aquela que tinha o reversor inoperante-
no ponto morto ("idle") após pousar.
A norma da Airbus, em vigor há cerca de um ano,
é para acionar os dois reversores após tocar
o solo, inclusive o que está inoperante.
"Nas condições em que a pista se encontrava
[o procedimento] apresentava mais segurança para
o pouso", disse ele. O piloto ressaltou que não
teve problemas com a manobra. Incerti de Lima é
piloto da empresa aérea TAM desde 1995.
No pouso que resultou na tragédia, a caixa-preta
de dados do Airbus-A320 registra que o manete da turbina
direita não se movimentou nem sequer um grau para
o ponto morto, permanecendo em alta aceleração.
Isso levou o computador a desativar o acionamento automático
dos freios aerodinâmicos das asas, impediu a frenagem,
manteve a aceleração e fez o avião
ultrapassar a pista.
De acordo com o promotor Mário Luiz Sarrubbo, que
acompanha o caso, nos depoimentos há a informação
de que, com o procedimento não-recomendado adotado
por Incerti de Lima, a expectativa era que o avião
"ganharia" cerca de 50 metros de pista.
Depois que soube da falha, a TAM chamou o piloto e solicitou
que ele seguisse o manual.
Para o promotor, fica a dúvida se a tripulação
seguinte também considerou que seria mais seguro
pousar desobedecendo o manual. "Parece que eles [pilotos]
não sabem bem o que fazer nesses casos", afirmou.
Mais problemas
Ao passar o comando da aeronave para Kleyber Lima e Henrique
Stephanini di Sacco, o piloto Incerti de Lima e o co-piloto
Daniel Alves da Silva informaram que havia alguns problemas
no avião.
Além do reverso pinado (travado), segundo o promotor,
houve um superaquecimento de uma das turbinas. Os problemas,
exceto o reverso pinado, teriam sido consertados.
Stephanini teria feito uma brincadeira depois que o co-piloto
informou das falhas. Ele perguntou a Silva se o avião
ainda tinha "asas e motor".
A reportagem não conseguiu ouvir a TAM sobre o
depoimento. (AFRA BALAZINA)
O Estado de São Paulo
21/08/2007
Varig antiga vai alugar imóveis
Após arrecadar cerca de R$ 1,5 milhão
com leilão de obras de arte em junho, a Varig antiga
espera agora obter uma receita mensal de até R$
250 mil com o aluguel de 57 lotes de imóveis que
serão leiloados no dia 27. Até ontem, o
site de leilões do Ministério da Justiça
registrava cerca de 11,2 mil visitas de pessoas interessadas
nas lojas, salas e casas, que não podem ser vendidas,
já que a empresa está em recuperação
judicial.
O Estado de São Paulo
21/08/2007
Denise levou norma do reverso ao
TRF
Desembargadora recebeu documento
que levou à desinterdição de Congonhas
das mãos da diretora da Anac
Eduardo Reina e Luciana Nunes Leal
A diretora da Agência Nacional de Aviação
Civil (Anac) Denise Abreu apresentou pessoalmente à
desembargadora Cecília Marcondes, do Tribunal Regional
Federal, a Instrução Suplementar ISRBH 121-189,
que proibia o pouso de aviões com um reverso inoperante
em pistas molhadas, como garantia de que o Aeroporto de
Congonhas poderia ser liberado para operações
com segurança. No final da tarde de 22 de fevereiro,
Denise, um advogado da Anac e dois oficiais reformados
foram ao gabinete da desembargadora, no 20º andar
do prédio do TRF na Avenida Paulista.
“Ela estava presente e tinha ciência absoluta
daqueles documentos apresentados a mim”, disse Cecília.
Às 21h40 do mesmo dia, a desembargadora assinou
o despacho que autorizava o retorno do pouso de Fokker
100, Boeings 737-700 e 737-800, desde que observado o
peso máximo do equipamento. Em seu despacho, e
também ontem, Cecília destacou que, caso
as medidas propostas fossem desrespeitadas, caberia ações
civis e criminais aos responsáveis pela informações
prestadas, bem como pelo cumprimento da decisão.
Segundo Cecília, o documento tem validade legal,
apesar de haver o sentimento de ter sido enganada. “Em
primeiro lugar eu senti um espanto muito grande. Em segundo
lugar, revolta. Não é só a pessoa
da juíza que está sendo enganada, é
o poder do Estado.” No dia 17 de julho, um Airbus
da TAM pousou com o reverso inoperante em Congonhas, não
conseguiu parar e explodiu.
Para a desembargadora, ou a direção da
Anac agiu com improbidade administrativa, ou Denise Abreu
mentiu à CPI do Apagão Aéreo, em
Brasília, quando disse que o papel não tinha
validade de norma. “Se não podemos confiar
nas agências (reguladoras), não temos em
quem confiar. Estamos mexendo com vidas. Isso mostra que
não existe responsabilidade do Estado. Não
se trata de uma brincadeira, é uma coisa muito
séria”, afirmou Cecília, ao dizer
que todos na Anac tinham “bastante pressa”
para desinterditar Congonhas.
A procuradora Fernanda Taubemblat pedirá a abertura
de duas investigações para apurar o envio
do documento sem validade legal. Uma investigará
crime de falsidade ideológica e será dirigido
à área criminal do Ministério Público
Federal. Ela quer saber se a instrução foi
elaborada com a finalidade de obter na Justiça
a liberação total da pista e se os responsáveis
pelo recurso ao TRF usaram o documento por má-fé,
para fazer crer que se tratavam de normas de segurança
respeitadas pelas companhias aéreas.
A outra representação será de improbidade
administrativa, para apurar se houve desleixo por parte
dos responsáveis pelo recurso da Anac. “Os
fatos noticiados são muito graves. Se for verdade,
isso atenta contra a moralidade administrativa. Usar documentos
sem validade em um processo é crime.”
Ontem, o presidente da Anac, Milton Zuanazzi, e Denise
foram ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, dar explicações
sobre a confusão judicial. À noite, Denise
informou que esteve presente à entrega de dezenas
de páginas de documentos à desembargadora
Cecília Marcondes. E que “a impressão
de que teria entregue (à Justiça) isoladamente
o estudo IS, ou que tivesse conversado especificamente
sobre o assunto, é equivocada.”
O Estado de São Paulo
21/08/2007
Piloto diz que, em pouso, contrariou
recomendações
Rodrigo Brancatelli
O piloto Marco Aurélio Incerti de Lima, último
comandante do Airbus A320 da TAM antes de Kleyber Lima
e Henrique Di Sacco assumirem a aeronave que se chocou
em Congonhas, disse ontem à polícia que
não seguiu as recomendações da Airbus
para pousar com a aeronave e manteve o manete da turbina
direita na posição iddle (marcha lenta)
e não reverse (potência contrária).
Segundo o promotor de Justiça Mário Luiz
Sarrubbo, ele assumiu que mudou a configuração
na hora de acionar os reversos por achar “mais seguro
para pousar em uma pista molhada e escorregadia como a
de Congonhas”.
O Estado de São Paulo
21/08/2007
Airbus aterrissa sem autorização
e arremete para não bater em Boeing
Elder Ogliari, Nélia Marquez e Sandra
Hahn
O piloto do Airbus A-320 da TAM que fazia o vôo
3151 Guarulhos-Porto Alegre decidiu arremeter, na madrugada
de ontem, quando o avião estava próximo
de tocar a pista do Aeroporto Salgado Filho, na capital
gaúcha. Dez minutos depois, ele aterrissou e comunicou
que havia abortado o pouso ao perceber um Boeing 737 da
Gol na pista. Segundo o centro de comunicação
social da Aeronáutica, a torre de controle não
havia autorizado o pouso do avião da TAM, que levava
151 pessoas.
A Aeronáutica vai continuar levantando informações
mas, de acordo com os próprios militares, não
houve risco de colisão. “O Airbus arremeteu
a cerca de 500 pés (170 metros de altura), por
decisão do piloto. O pouso não havia sido
autorizado”, disse um militar. O vôo saiu
do Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, às 23h41
de domingo. Segundo a Aeronáutica, o trem de pouso
já havia sido acionado quando o piloto decidiu
arremeter. A TAM afirmou, em nota, que o avião
“vinha em aproximação normal, em condições
visuais plenas” e que o piloto “julgou não
haver separação adequada com outra aeronave
que estava na pista”, arremetendo para poder pousar
novamente.
Revista
Consultor Jurídico
20 de agosto de 2007
Autonomia corporativa
VarigLog não responde
por dívidas da Varig
por Lilian Matsuura
A
VarigLog não pode ser considerada sucessora da
velha Varig. Portanto, não cabe a ela o pagamento
de dívidas da companhia aérea. A decisão
é da 12ª Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro, que acolheu Agravo
de Instrumento apresentado pela VarigLog contra decisão
de primeira instância. O juiz entendeu que ela deveria
ser incluída no pólo passivo da ação
de cobrança.
De
acordo com a jurisprudência, citada no voto do desembargador
Binato de Castro, a substituição do pólo
passivo é feita nos casos de cisão, “em
que a empresa cindida passa parte de seus próprios
ativos a uma subsidiária. Nestes casos efetivamente
ocorre a sucessão e conseqüentemente a solidariedade
se evidencia”.
Para
os desembargadores da 12ª Câmara, a compra
da VarigLog, até então subsidiária
da Varig e maior empresa brasileira de transporte de cargas
aéreas, pela Volo Brasil, por U$S 48,2 milhões,
não configurou cisão.
“Houve
alienação do controle acionário de
empresa autônoma. O grupo Varig transferiu, por
alienação, à Volo do Brasil S.A.
todas as ações de sua propriedade, suficientes
ao controle da subsidiária Varig Logística,
sem aportar nesta qualquer valor patrimonial, muito ao
contrário, a Varig adicionou ao seu ativo líquido
o valor recebido pela venda do controle acionário
da subsidiária independente, logo inexistiu cisão”,
concluiu o relator, desembargador Binato de Castro.
Os
desembargadores da 12ª Turma suspenderam a decisão
que colocou a VarigLog no pólo passivo da dívida.
No recurso, a VarigLog, defendida pelo escritório
Teixeira Martins Advogados, alegava ilegitimidade passiva,
fundada no fato de ser empresa autônoma da aérea
e também por conta do crédito ter sido constituído
antes do deferimento da recuperação judicial.
Portanto, não teria responsabilidade sobre a dívida
da aérea.
O
escritório também sustentou que a sentença
não foi devidamente fundamentada e não atendeu
ao contraditório. O Tribunal concordou com a defesa.
Ressaltou que “a decisão recorrida efetivamente
pecou pela extrema concisão da fundamentação”.
Sobre
o autor
Lilian Matsuura: é repórter da revista Consultor
Jurídico