:::::RIO DE JANEIRO - 20 DE AGOSTO DE 2006 :::::

 
Zero Hora
20/08/06
"É hora de reconstruir a Varig"
Entrevista: Luiz Roberto Ayoub, Juiz responsável pelo processo de recuperação judicial
ALEXANDRE DE SANTI

A cada revés, surgia a caneta de Luiz Roberto Ayoub. Uma, duas, incontáveis vezes, o titular da 8ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio de Janeiro encontrava na nova Lei de Falências algum instrumento que permitia a continuidade da Varig – algumas delas em desacordo com a corrente que via a falência como desfecho natural da novela.

O empenho transformou Ayoub, 46 anos, o magistrado responsável pelo processo de recuperação judicial da companhia, no personagem mais destacado da crise da empresa nos últimos quatro meses, quando a aérea chegou à beira da falência em razão da severa debilidade financeira.

Como recompensa, o juiz carioca ganhou carinho dos variguianos presentes no leilão realizado em 20 de julho. Ayoub foi aplaudido de pé quando entrou no hangar do Aeroporto Santos Dumont e, levemente hesitante, cumprimentou funcionários que portavam cartazes com os dizeres “L. R. Ayoub é 100% Justiça”. A homenagem digna de herói contrastou com a personalidade reservada apresentada ao longo da crise. Os funcionários do TJ fluminense, por exemplo, estão proibidos de divulgar dados pessoais dele, embora se saiba que é casado e pai de uma filha, além de torcedor do Botafogo, tenista nas horas vagas e juiz há 13 anos.

Um mês depois do pregão que definiu a venda da Varig para a Varig Log, o juiz segue no batente em nome da companhia. Na sexta-feira, esteve em Porto Alegre para tratar com o governador Germano Rigotto a respeito da dívida do Estado com a empresa em créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A idéia é transformar os créditos em recursos que serão usados no pagamento da rescisão contratual dos 5,5 mil funcionários demitidos pelos novos controladores da companhia aérea. Se não teve a garantia de pagamento da dívida, ao menos saiu do Piratini com a notícia de que ganhará a medalha Mérito Rio-Grandense, honraria criada no governo Rigotto para destacar pessoas por atos realizados em benefício do Estado. Logo depois, Ayoub foi para o  Salgado Filho, onde conversou com ZH sobre a sua atuação no processo. Terminada a entrevista, comprou chocolates e embarcou num vôo da TAM para São Paulo.

Zero Hora – Qual o balanço que o senhor faz da sua atuação no processo de recuperação da Varig passado o leilão?

Luiz Roberto Ayoub –
Sou realista. O processo não está terminado, ainda temos vários obstáculos a superar. Há questões que têm de ser enfrentadas: pagamento de rescisões, crescimento da Nordeste (que faz parte da Varig antiga), o sucesso da nova Varig, que cada vez se aproxima mais, na medida em que já é de conhecimento do público a contratação entre compra e leasing de 50 aeronaves. Isso vai resultar em contratações – ou recontratações – daqueles funcionários da Varig que não foram aproveitados no primeiro momento. Hoje são 2,1 mil e virão mais 6 mil em breve. Temos um projeto para a Nordeste, estamos nos empenhando para o crescimento desta empresa.

ZH – O trabalho na 8ª Vara Empresarial reduziu? Passou o furacão ou segue intenso?

Ayoub –
O trabalho é intenso, pois existem outros milhares de processos. Este ainda não terminou, ainda há muitas arestas a serem superadas, mas, evidentemente, no processo da Varig, houve agora uma redução em relação ao que passamos nos últimos seis meses. Era uma verdadeira tempestade. Com muita propriedade diz o presidente da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), Milton Zuanazzi, foi um tsunami que passou. Agora, está na hora de reconstruir.

ZH – No leilão que definiu a venda da Varig para a Varig Log, o senhor recebeu muitas manifestações de apoio e carinho. O que passou na sua cabeça naquele momento – um magistrado tratado como herói?

Ayoub –
É muito gratificante. Agora, é bom esclarecer bem: o papel do Judiciário moderno e comprometido com os fins sociais não é se preocupar com a Varig. Mas com qualquer empresa que passe por dificuldade e se mostre viável, cuja reorganização seja possível. O Judiciário tem de se empenhar nestes casos, como de fato se empenhou. Para mim, foi muito gratificante ver a reação deste pessoal, que é maravilhoso. Olha, os funcionários da Varig são fantásticos, são pessoas de altíssima qualidade. E o nosso trabalho se volta todo agora para, de alguma forma, contribuir a fim de que todos reconquistem seus empregos.

ZH – Durante o tsunami,  houve reflexos físicos na sua saúde? O senhor dormia bem? Chegou a emagrecer?

Ayoub –
Foi um período difícil, mas nada que a gente não consiga recuperar. A gente tem de fazer o nosso papel e o nosso papel foi feito. O presidente do Tribunal de Justiça, há um ano, quando recebeu o processo, ou plano de recuperação, disse que o Judiciário não faltaria em momento algum. Então, nós tomamos isto como uma missão. Não faltou e não faltará. Dentro dos limites legais, o Judiciário fará tudo o que for possível para salvar a Varig, a padaria da esquina, o botequim, desde que sejam empresas viáveis e gerem riquezas, empregos, enfim, que atendam à finalidade social das empresas.

ZH – O esforço do Judiciário será sempre assim em casos de recuperação judicial, ou este caso foi particular porque a Varig é grande e conhecida?

Ayoub –
Eu sempre digo e repito quantas vezes for necessário: independentemente do tamanho da empresa, se ela for viável e interesse à nação brasileira, o Judiciário tem de fazer o seu papel. Foi com base neste espírito que o tribunal trabalhou.

ZH – É preciso reformar a Lei de Falências?

Ayoub –
Com certeza. Mas isso o tempo vai mostrar. É uma lei nova, que merece amadurecimento. É uma lei que vai passar necessariamente pelo crivo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), vai nos orientar melhor. Até hoje, os acertos e desacertos decorrem de decisões monocráticas. A lei ainda não é conhecida por todos. Quando o STJ formar sua jurisprudência, teremos menor dificuldade para julgar causas complexas como o processo da Varig.

ZH – O senhor se sente aliviado agora após a tempestade?

Ayoub –
Não passou. Ainda tem muitos obstáculos. Muita coisa ainda deve ser feita. Não posso entender que esteja tudo resolvido. Temos de ser responsáveis. Pés no chão. Vamos continuar trabalhando em busca de uma solução que melhor atenda aos interesses da nação.

ZH – Pessoalmente, o senhor ficou decepcionado com o primeiro leilão?

Ayoub –
Esta é uma questão de mercado. Eu posso te responder como homem. Como juiz, não. O papel da lei foi alcançado e mostrou a que veio na medida em que conseguimos levar a empresa até o leilão mesmo com todas as dificuldades que vinha passando há décadas, se agravando a cada dia. A partir daí, é uma questão de mercado. Como homem, lógico, qualquer brasileiro que goste da Varig se sentiria um pouco frustrado. Agora, como juiz, estou completamente satisfeito com a condição do processo até o momento do leilão. É bom sempre registrar: acertos e desacertos decorrem de uma lei nova. A jurisprudência vai ser responsável no futuro por dizer se agimos corretamente.

ZH – O caso tem alguma lição especial para o senhor, como juiz e pessoa?

Ayoub –
Qualquer caso amadurece um juiz. Este caso também amadureceu muita coisa em mim. Vai contribuir para o meu currículo pessoal em sentido de amadurecimento. Só isso. Agora, qualquer causa é importante e o juiz tem de ter a devida atenção, independentemente dos valores envolvidos. O juiz deve resolver conflitos de interesse pouco importando se é uma empresa do tamanho da Varig ou não.

 

 

Gazeta de Alagoas
20/08/06
Demitidos da Varig lutam agora por seus direitos

Ex-funcionários da Varig, em Maceió, relatam situação vivenciada desde abril, quando os salários começaram a atrasar
CARLOS ALBERTO JR.

Abandono. Medo. Desespero. Essas três palavras traduzem, em parte, os sentimentos dos 18 funcionários demitidos do escritório da Varig em Maceió, desde o último dia 31 de julho. O comunicado foi feito por meio de carta assinada pelo gerente-geral do escritório de Maceió, Gilberto Sabino.

“Ficamos e estamos chocados pela forma como fomos demitidos. Sabíamos da crise da empresa, mas não esperávamos que fosse desse jeito”, diz Jaqueline Peixoto, que trabalhava há cerca de 20 anos no atendimento e venda aos clientes no guichê da empresa localizado no Aeroporto Zumbi dos Palmares.

Empresa mantém só dois funcionários
O escritório de atendimento da Varig, localizado no Aeroporto Internacional Zumbi dos Palmares, funciona, hoje, com apenas dois empregados, das 4h às 10h. O gerente-geral, Gilberto Sabino, confirmou que a nova empresa está realmente fechando sua representação na capital alagoana. “Caso ela seja reaberta, a Varig deverá priorizar os ex-funcionários”, diz.
Segundo o ex-funcionário do escritório de Maceió, Marcos Nunes, há rumores de que a nova empresa estaria recontratando ex-funcionários em outros estados com vencimentos 30% menores. “Eu não aceitaria essa proposta. Basta o sofrimento pelo qual estamos passando. Só quero receber o que tenho direito”, ponderou.

Justiça deve pôr fim à drama nesta semana
A situação difícil dos milhares de ex-funcionários da Varig pode chegar ao fim esta semana, segundo o presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores em Aviação Civil, Celso Klafke. Isso porque, segundo ele, o Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro deve julgar até a próxima quarta-feira uma ação civil pública movida pelos ex-funcionários da empresa.
Dependendo da Justiça, que sinaliza para ser favorável aos ex-aeroviários da Varig, todos os demitidos poderão ter as respectivas demissões homologadas devendo, assim, receber o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), entre outros direitos trabalhistas.

 

 

O Dia
19/8/2006 21:45:00
Ex-comissária de bordo enfrenta agora fortes turbulências na vida pessoal

Por Silvana Caminiti



RIO - A vida da comissária de bordo Gláucia de Carvalho Moreira virou pelo avesso desde que a Varig entrou em pane, nos últimos meses. Aos 40 anos de idade, 19 dedicados ao maior símbolo da aviação comercial do País, ela se tornou hipertensa. O marido, James Nelson Tims, também comissário, teve que ser operado de câncer no rim esquerdo e parte da bexiga. As doenças vieram a reboque do estresse causado pelas turbulências que quebraram a companhia.

Ela foi demitida, e ele, licenciado, depende de auxílio do INSS. Os gastos com remédios aumentaram justo quando as despesas com alimentos tiveram que diminuir. A sobrevivência só é possível graças ao socorro dos pais do casal, que chegaram a se encarregar das compras. Confortos tiveram que ser cortados para a família se encaixar no orçamento apertado. Diante de tanto medo, revolta e frustração, uma das mágoas ela sente com mais sofrimento: “Trabalhar duro, se dedicar tanto e, apesar de tudo, ter que dizer não para as minhas duas filhas, quando pedem isso ou aquilo... é muito doloroso”.

O drama de Gláucia é também o de 5.500 colegas que, como ela, perderam o emprego e a rota pessoal. Desde o começo das demissões em massa, há um mês, os novos controladores da Varig, agora sob o manche da Variglog, não homologaram as demissões para as devidas liberações do FGTS e das carteiras de trabalho. O desafio agora é o pouso forçado ou o salto sem pára-quedas nos tribunais:

— Marido e mulher, funcionários da Varig, sobrevivendo aos destroços da empresa, já com a saúde abalada. O que mais te revolta?

— Coloquei dinheiro do meu bolso para trabalhar, deixando marido doente e duas filhas em casa. Isso sem saber se estaria empregada no dia seguinte. Tudo para manter a Varig viva, e depois ser demitida da chamada “Nova Varig”, sem meus direitos.

— Como foi a descoberta da doença no meio da turbulência da companhia em que os dois trabalhavam?

— Em fevereiro, ele começou a apresentar sintomas, como sangue na urina. Fez exames e constataram o câncer. Foram momentos terríveis. Além da situação caótica, da falta de salários e das incertezas quanto ao futuro do emprego, tivemos que enfrentar a dor e o medo de ter que lidar com a doença. Muitas vezes, saí para trabalhar com ele doente, no hospital ou em casa. E trabalhar nessas condições não é fácil, principalmente quando você tem que mostrar o famoso sorriso de aeromoça, a cordialidade e dedicação de sempre, porque o passageiro não tem nada a ver com os nossos problemas, e o bom atendimento era uma das normas e tradição da Varig.

— E como ele está hoje?

— Está em casa, pelo INSS. Graças a Deus, recebendo pelo INSS, porque, senão, não teríamos dinheiro nem para os remédios. A Varig não nos paga desde abril.

— E quando ele for liberado para voltar à Varig?

— Não sei como vai ser. Pelo menos do INSS ele recebe. Pela lei, ele não pode ser demitido, por enquanto. O fato é que, na situação de emergência que vivemos, o dinheiro do INSS vai fazer falta, porque é o único que está entrando. No início, mesmo com o salário saindo atrasado, ainda podíamos usar parte da diária recebida no exterior para trazer para a casa.

— E como faziam para comer, se usavam a diária?

— Comíamos qualquer coisa, para economizar. Quando voltávamos, era só trocar euro ou dólar por real. Daí sobrava algum. Mas a diária também foi se reduzindo e, depois, cortada. Até março, a empresa vinha pagando o salário parcelado, um pouco ali, outro lá. Não tinha mais data nem quantia certa. Isso sem falar no 13º e nas férias, que não recebemos nos últimos três anos.

— O padrão de vida da família foi muito afetado?

— Com certeza. Meu salário era cerca de R$ 5 mil. Meu marido ganhava outro tanto. No começo, ainda conseguimos segurar as pontas, tínhamos economias, mas que foram acabando. Chegou uma hora em que meu pai passou a fazer as compras do mês para nós, e ainda assumiu a escola e o curso de inglês da minha filha mais nova. A mais velha é do meu primeiro casamento, e o pai arca com os estudos. Mas todo o resto, como natação, academia, empregada e passeios, tivemos que cortar. Também cancelamos a TV a cabo e, agora, estamos tentando vender o carro.

— Que outros confortos foram deixados de lado?

— Cortamos passeios, viagens, jantares, lazer... Também acabaram roupas novas, para estar na moda, academias, para cuidar da saúde e da forma, essas coisas.

— Suas filhas se mostram ressentidas com toda a mudança no padrão de vida?

— Acho que sim, mas eu é que sofro mais, por não poder atender a um pedido ou outro, como comprar uma roupa nova para uma festa. Crianças às vezes não entendem as dificuldades pelas quais passam os adultos. Aí você releva se elas reclamam por não ter um desejo atendido. Mas saber que você está fazendo o melhor que pode, trabalhando com boa vontade e dedicação para, apesar de tudo, ter que dizer não às filhas... é muito doloroso. Como dói!

— Mesmo com os pais ajudando, ainda é difícil?

— Mesmo com os meus pais e os pais de meu marido ajudando, ainda é difícil. Estamos procurando viver dentro dessa nova realidade. Quando vou ao mercado, passo longe das prateleiras com biscoitos, iogurtes, essas coisas. Só compro o básico: arroz, feijão, óleo... Acabei com os supérfluos. Estamos vivendo da ajuda dos outros e não podemos nos dar ao luxo de gastar com nada que não seja necessário.

— Como você foi informada de sua demissão?

— Fui avisada da dispensa por telegrama, e só. Meu último vôo foi Nova York—Rio. Era para chegarmos numa quinta-feira, mas, por falta de aeronaves, acabamos ficando lá mais uns dias e chegamos em um domingo.

—Em algum vôo houve problemas para vocês funcionários, como falta de dinheiro para hospedagem?

— Sim. Muitos colegas passaram pelo constrangimento de chegar ao hotel onde sempre ficávamos hospedados no exterior, entre a ida e a volta, e ser informados que não haveria acomodações porque a empresa estava devendo. Também houve vezes em que não havia a diária para alimentação. Quem tinha dinheiro no bolso comia, quem não tinha pedia emprestado ou passava a pão e cafezinho. Tudo isso longe de casa, da família, num país estranho, e você ali, uniformizada, representando uma grande empresa, como a Varig. É muito desgastante.

— E como faziam para dormir, se o hotel não os aceitava como hóspedes?

— Quem estava com o cartão de crédito estourado ou sem talão de cheque para arcar com a hospedagem, pedia emprestado para os poucos colegas que podiam ajudar. Em geral, todos se viravam.

— Com os passageiros, você passou por situação de grave constrangimento?

— Sim. Para cortar verbas, a empresa reduziu a variedade e a quantidade de bebidas e alimentos. E os passageiros reclamavam, claro, pois pagaram o preço cobrado pela passagem e queriam tudo o que tinham direito. Como muitos não entendiam que a culpa não era nossa, não era da tripulação, nós acabávamos mesmo ouvindo alguns desaforos. E sem poder perder a calma ou deixar de sorrir. Afinal, a excelência no atendimento ao passageiro era a principal marca da “Velha Varig”.

— E o futuro, Gláucia?

— O futuro a Deus pertence. Meu marido vai continuar pelo INSS até setembro, outubro. Depois, não sabemos. Quanto a mim, penso em mudar de atividade. Estou mandando currículos para diversas empresas de recolocação. Algumas aéreas estão contratando, mas no meu caso, com a minha idade, acho que será difícil. Até porque, eu tinha um salário, que vejo agora, era alto para o mercado. O piso é de R$ 1.100, e as concorrentes da Varig pagam a metade. Mas não desisto. Alguma porta vai se abrir. Quero olhar para a frente, seguir em frente.