:::::RIO DE JANEIRO - 17 DE SETEMBRO DE 2006 :::::

 

O Globo
17/09/2006
Ancelmo Góis

 

 

Tribuna da Imprensa
15/09/06 - Coluna: Pedro Porfírio
Varig: a CPI e a sorte da corporação

"No exercício de suas atribuições, poderão as Comissões Parlamentares de Inquérito determinar as diligências que reputarem necessárias e requerer a convocação de ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de repartições públicas e autárquicas informações e documentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença". (Art. 2º da Lei Federal 1579/52, que regulamenta o funcionamento de CPIs)

A ausência do chinês Lap Chan da primeira audiência da CPI criada há dez dias para investigar a compra da Varig não me surpreendeu. Disse isso a um dos mais atuantes e mais dignos pilotos da empresa e a uma comissária com quem converso mais freqüentemente.

Ele não ia no dia 13 e dificilmente irá na próxima semana. Há muitos subterfúgios e expedientes para protelar um depoimento. Além disso, instalada no último mês da campanha eleitoral, a CPI só trará algum resultado se seus membros tiverem apoio da mídia e uma determinação férrea.

O instituto das comissões parlamentares de inquérito no Rio está muito desgastado. A imprensa dá muito pouca atenção à Alerj e à Câmara Municipal do Rio de Janeiro. E sem cobertura de imprensa, sem mobilização da opinião pública, fica difícil levar adiante qualquer investigação.

Porque para a maioria dos observadores (eu não penso assim) as CPIs tendem a se tornarem palanques eleitorais, quando não enveredam por caminhos mais abomináveis.
Por isso, fazer uma CPI às vésperas do pleito é um ato de coragem com os riscos inerentes. No caso da Varig, a novela se arrasta há muito tempo.

Disse na minha última coluna, ao relatar um diálogo com um comissário, que a criação da CPI agora, embora na fogueira de uma reeleição que será disputada por todos os seus membros, poderia ter bons resultados.

Mas isso dependeria de certas situações. Eu, que já presidi algumas CPIs na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, não começaria convocando logo o chinês Lap Chan. Ele estaria sendo convocado como quê? Réu? Testemunha?

E a fita reveladora?

Uma CPI é regulada por Lei Federal pelas constituições estaduais e pelos regimentos internos das casas legislativas. Ela tem poder investigatório ilimitado, valendo-se, inclusive, do Código Penal.

Se a CPI destina-se a investigar irregularidades na venda da Varig para ex-subsidiária VarigLog, primeiro eu procederia ao levantamento documental e a oitiva de testemunhas que formulem as peças de acusação.

Há profissionais da empresa que conhecem os subterrâneos de todo esse processo covarde que vitimou aeronautas e aeroviários e acabou por oferecer de bandeja a marca da mais tradicional aérea brasileira a um grupo financiado por um fundo norte-americano, que é, de fato, quem controla tudo, numa ostensiva violação das leis brasileiras.

Se eu estivesse nessa CPI, a primeira coisa que faria seria requisitar alguns documentos e peças, como uma fita que está acautelada na 5ª Delegacia Policial, de cujo conteúdo muito se fala. Antes de chamar aquele que aparece como o grande vilão da história, por ser o representante do fundo Matlin Patterson, eu trataria de montar o dossiê com o histórico de todo esse complô, que envolve "altos companheiros" do governo federal.

Chamaria a ministra Dilma Rousseff, que já no início do ano cantou a pedra. Dona Dilma "abriu" sem nenhuma cerimônia a verdadeira disposição do presidente Lula de deixar que o "mercado" devorasse a Varig.

Há muitos vilões nessa tragédia - desde os cabeças da Fundação Rubem Berta, que contribuíram irresponsavelmente para o descalabro que levou à insolvência da Varig e à liquidação do fundo de pensão Aerus, até os "altos companheiros", inclusive o sr. José Dirceu, que não escondiam suas ligações com uma certa concorrente.

A Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro tem mais do que direito - tem obrigação de intervir nessa novela, porque o Estado do Rio é o mais prejudicado com o desmonte de uma empresa que, embora tenha origem no Sul, aqui fincou seus principais alicerces.

Hoje é muito comum na propaganda eleitoral aparecerem os pais da implantação de indústrias automobilísticas e navais em terras fluminenses. Mas o que esses mesmos políticos fizeram de concreto para impedir que detonassem a Varig?

O que fizeram pelos funcionários altamente competentes, parte dos quais já está dependendo de cestas básicas, por conta dessa incrível condução da Lei de Recuperação de Empresas, que salva a empresa à custa do desrespeito a elementares direitos trabalhistas?

Antes que eu esqueça: quando da degola da Panair, o então governador Carlos Lacerda foi em socorro dos seus funcionários e absorveu parte deles na máquina do Estado, melhorando serviços como o do Detran.

Levantar a cabeça

Claro que não é isso que se quer. Mas quem tem poder e representação precisa agir rápido, o quanto antes, para evitar que a perversa crise social que vitima profissionais que não se clonam se transforme numa patética crise existencial de desesperança irremediável.

Conversando com uma admirável guerreira que trabalhou vinte anos na Varig, alertei: está na hora de pensarmos em ações afirmativas. Há um plantel de alto nível técnico e profissional que não pode ser depreciado ou transformado em vultos sem rumos e sem perspectivas.

Rigorosamente, digo com pureza d'alma: não são esses experientes aeronautas e aeroviários que precisam das empresas que querem ocupar no tapa os ares da Varig. São, sim, inegavelmente, esses piratas modernos que precisam dos conhecimentos da mais preparada corporação aérea brasileira. Pois o que acumularam em conhecimentos vale mais do que muitas aeronaves.

É preciso levantar a cabeça. E evitar bater cabeças entre colegas. E é preciso entender cada coisa como cada coisa é. A CPI da Alerj vale pela intenção dos parlamentares que a criaram. Mas se não tiver um rumo seguro e o apoio da opinião pública, será mais uma frustração incorporada à coleção de decepções que faz de cada variguiano - da ativa ou aposentado - um ser perdido no tempo e no espaço.