O Estado de São Paulo
15/10/2007
Empresas aéreas
estrangeiras avançam no mercado brasileiro
Governo quer oferecer freqüências
extras a empresas americanas para tentar estimular o
turismo no País
Alberto Komatsu
Em apenas dez anos, as companhias aéreas estrangeiras
inverteram seu peso no transporte de passageiros entre
o Brasil e o exterior. No ano passado, elas conquistaram
a hegemonia nesse segmento, com 67% de participação.
São 20 pontos porcentuais a mais em relação
ao mercado que tinham em 1997, segundo dados da Agência
Nacional de Aviação Civil (Anac).
A participação de mercado das empresas
aéreas estrangeiras no fluxo de passageiros entre
o Brasil e o exterior, que este ano deve estar em torno
de 70%, segundo estimativas do mercado, pode subir mais.
Um plano do governo brasileiro, capitaneado pelo Ministério
do Turismo, quer oferecer freqüências extras
para companhias americanas estimularem o turismo entre
os Estados Unidos e, principalmente, a Região
Nordeste. American Airlines, United e Delta já
foram avisadas e mostraram interesse.
Os vôos terão de ser extras, pois o acordo
bilateral de transporte aéreo entre os EUA e
o Brasil estabelece cota de 105 freqüências
semanais que podem ser operadas por empresas aéreas
de cada país. No lado americano, o limite já
foi alcançado. Pelo Brasil, são 35 vôos
semanais aos EUA operados apenas pela TAM. A Varig tem
planos de voltar a voar para Miami e Nova York a partir
de 2008.
Levantamento da Multiplan Consultoria Aeronáutica,
com dados da Anac, mostra que os embarques e desembarques
de passageiros internacionais no Brasil cresceram 3,4%
no ano passado em relação a 2005. Apesar
desse resultado, o economista Paulo Sampaio, da Multiplan,
lembra que as empresas brasileiras foram as únicas
que perderam passageiros, com queda de 18,8% no transporte
entre o Brasil e o exterior. As companhias brasileiras
transportaram cerca de 800 mil passageiros a menos no
ano passado em relação ao anterior. “Mas
as empresas brasileiras devem recuperar espaço
em 2008, especialmente no segundo semestre”, avalia
Sampaio.
As estrangeiras mais beneficiadas pela crise da aviação
brasileira, que começou em 2006, foram as européias,
com aumento de 23,6% nos embarques e desembarques. As
companhias latino-americanas e caribenhas registraram
alta de 21,1%, seguidas pela expansão de 14%
das americanas e canadenses, conforme a Multiplan.
VISTO ATRAPALHA
A Delta Airlines, que usa atualmente 21 freqüências
semanais entre o Brasil e os EUA, aprova o plano do
governo brasileiro de aumentar os vôos entre o
Brasil e os EUA. A empresa opera vôos diários
a partir de São Paulo e Rio para Atlanta e entre
São Paulo e Nova York.
“A idéia (do governo brasileiro) é
basicamente desenvolver o turismo fora do eixo Rio-São
Paulo. Estudamos a possibilidade de passar a operar
em dez novas cidades”, diz o diretor-comercial
e de assuntos governamentais da Delta Airlines, Luiz
Henrique Teixeira. O executivo, porém, não
revelou quais seriam os novos mercados em que a Delta
pretende estrear.
“Sempre temos interesse em expandir nossos vôos
para qualquer parte do Brasil, que é chave na
nossa estratégia na América Latina”,
afirma o diretor-geral da United Airlines no Brasil,
Michael Guenther. O executivo, no entanto, diz que a
obrigatoriedade de os americanos terem visto para entrar
no País ou simplesmente passar pelo Brasil por
meio de conexões é um empecilho para o
desenvolvimento do plano do governo brasileiro. Segundo
Guenther, o custo do visto, de US$ 120, faz com que
muitas famílias americanas em férias troquem
as praias do Nordeste brasileiro pelo Caribe.
A American Airlines informou apenas que também
tem interesse em ampliar vôos no país.
A Continental não se pronunciou sobre o assunto.
Folha de São Paulo
15/10/2007
FAB oculta falha de rádio
em acidente da Gol
Das quatro freqüências
que os pilotos do Legacy poderiam ter usado, duas estavam
indisponíveis para o controlador e outra, inoperante
Procurada, a Aeronáutica informou que não
pode especular sobre "hipóteses" relativas
à investigação ainda em curso
LEILA SUWWAN DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ao culpar apenas um controlador brasileiro e os pilotos
norte-americanos pela falha de comunicações
que contribuiu para a colisão com o vôo
1907 da Gol, a FAB (Força Aérea Brasileira)
oculta deficiências no sistema de rádio
no Cindacta-1 que atrapalharam as tentativas de contato
entre o Legacy e o centro em Brasília no dia
do acidente, há um ano.
As transcrições completas das conversas
de rádio entre o controle e aviões na
região do acidente, obtidas e analisadas pela
Folha, provam também que o Cindacta-1 recebeu
e ignorou pelo menos três chamadas do Legacy antes
da batida.
O motivo está ligado às limitações
de equipamentos: das quatro opções de
freqüência que os pilotos americanos poderiam
ter usado, conforme a carta aeronáutica brasileira,
duas estavam indisponíveis para o controlador
e uma nem sequer estava em operação.
Em resumo, havia apenas uma freqüência possível
e os pilotos americanos nunca receberam instrução
para sintonizar nela, conforme já foi divulgado.
Esse erro, segundo Inquérito Policial Militar
da FAB sobre o comportamento de seus integrantes no
dia, é do controlador Jomarcelo dos Santos, denunciado
por homicídio às Justiças Civil
e Militar.
Mesmo assim, o Legacy tentou fazer chamadas nas freqüências
"corretas", mas as limitações
no Cindacta-1 prejudicaram suas chances.
Freqüências
A região do acidente se chama setor 7 no mapa
do espaço aéreo. Na carta aeronáutica,
são listadas as freqüências que devem
ser usadas na região: 123,30 MHz, 128,00 MHz,
133,05 MHz e 135,90 MHz. Cada setor tem sua lista própria.
Os pilotos devem ser informados pelo Cindacta qual delas
devem usar, enquanto os controladores escutam e transmitem
em até seis freqüências simultaneamente
em seu console (estação de trabalho).
Em 29 de setembro de 2006, porém, os controladores
do setor 7 só tinham à disposição
a freqüência 135,90 Mhz. As outras cinco
eram dos setores 8 e 9, que também vigiavam naquele
dia.
As revelações não eximem os controladores
de responsabilidade pelas falhas já comprovadas
nas investigações: autorizar altitude
em rota de colisão para o jato, negligenciar
o monitoramento do Legacy e não acionar procedimentos
previstos para falhas de comunicação que
poderiam ter evitado o acidente.
Nem tampouco tira a responsabilidade dos pilotos Joseph
Lepore e Jan Paladino por voar com o transponder (equipamento
que alimenta o sistema anticolisão) desligado.
Contudo, explicita que o funcionamento do sistema de
rádio da FAB -instrumento que é a base
do controle aéreo- tem falhas. Na época
do acidente, a cobertura de radar de parte do setor
7 não ia para Brasília, criando uma "zona
cega" de transição rumo a Manaus.
Esse problema já foi resolvido.
Procurada para esclarecer essas questões, a FAB
informou que não pode especular sobre "hipóteses"
relativas à investigação ainda
em curso.
As transcrições são assinadas pelo
major Fernando Siqueira, chefe do Sipacea (Seção
de Investigação e Prevenção
de Acidentes e Incidentes) e foram cruzadas pela reportagem
com laudos da Polícia Federal e com a caixa-preta
do Legacy.
Após sair de São José dos Campos,
o Legacy passou a ser monitorado pelo Cindacta-1, que
passaria as freqüências que deveriam ser
usadas em cada setor da rota. Nos dois primeiros setores,
os contatos ocorreram com sucesso. Quando o jato chega
ao setor 5, o controlador o orienta a alternar o rádio
para 125,05 MHz para falar com o próximo setor,
o 7. Ele não deu uma segunda opção,
conforme a praxe. O problema é que essa freqüência
é do setor 9 e seu alcance é insuficiente
no setor 7. Ou seja, o piloto recebeu uma freqüência
inútil após a saída da região
de Brasília.
A FAB culpa o controlador Jomarcelo dos Santos por não
instruir o avião em tempo a usar a freqüência
135,90 Mhz, específica do setor sob sua responsabilidade,
o 7. Mas não explica por que a freqüência
de outro setor era usada pelo jato.
O motivo, segundo controladores ouvidos pela Folha,
está ligado à qualidade das freqüências.
Eles consideram que, no setor 7, há dificuldades,
por ser o início da região amazônica.
A FAB nega. Segundo sargentos ouvidos, a prática
era escolher freqüências que, no dia e no
local, estivessem "melhores".
Os pilotos não sabiam do problema com a freqüência
que usavam. A caixa-preta mostra que falas de rádio
em português eram ouvidas, indicando falsa normalidade,
já que eles não podiam ser ouvidos.
Ainda assim, Jan Paladino diz ter percebido que ficaram
muito tempo sem falar. Daí, fez 12 chamadas para
Brasília, entre as 16h48 e as 16h52. Ao menos
três foram nas freqüências 123,30 MHz
e 133,05 MHz pois o Cindacta-1 conseguiu degravá-las,
ainda que o controlador não as tenha ouvido na
hora. Tentativas feitas na freqüência 128,00
Mhz não deixariam rastro, já que não
funcionava.
Às 16h53, tudo indica que o jato estava sintonizado
na 135,90 Mhz, porque escuta a última chamada,
"às cegas", de Brasília. Responde
imediatamente, mas na transcrição o Cindacta
registra: "N600XL não contesta". N600XL
é o código do jato. Mesmo sem anotar direito
as instruções, o piloto diz que entendeu
e tentou a combinação correta para Manaus,
126,45 MHz, entre outras tentativas -sem resposta. Às
16h56, colidem com o Boeing da Gol, e 154 pessoas morrem.
Folha de São Paulo
15/10/2007
Gravação mostra
nervosismo de controladores
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Do início da busca do Boeing desaparecido até
a confirmação da colisão com o
Legacy, o nervosismo e o desespero dos controladores
ficaram registrados na gravação de duas
horas e meia de conversas telefônicas do Cindacta-1.
Os controladores Lucivando de Alencar e Leandro Barros
trocaram ligações com o Cindacta-4 (Manaus)
progressivamente tensas a partir de 17h07, sem inicialmente
suspeitar do acidente. Primeiro, chega a informação
do pouso de emergência do Legacy na base da serra
do Cachimbo.
Só 26 minutos depois começa a busca pelo
vôo 1907. Brasília liga para os centros
de Manaus e Recife, porque ambos tinham visualização
no radar da região por onde o Boeing deveria
estar -nenhum enxerga o avião. Às 17h36,
o controlador Lucivando de Alencar conversa com o assistente
Leandro de Barros, que mostra a primeira suspeita de
colisão.
"E aquele gringo lá?", pergunta Lucivando.
"O quê?", responde Leandro.
"Não tem nada a ver com esse cara não,
né? O gringo lá que tava descendo em emergência?"
"Não..."
Brasília cobra de Manaus, com agressividade,
o vôo: "Meu camarada, é o seguinte,
vocês me passaram um tráfego aqui, Gol
1907 (...) e até agora nada, cara. Não
"tá no radar. E até agora não
me chamou. Esse cara "tá voando?"
Cinco minutos depois, Manaus ainda não sabe ao
certo a altitude do Legacy. "Um lá passou
perto dele, hein? Não, mas alguém "tava
no 380 ou era 360, é aí que "tá
minha dúvida". Ele se refere ao plano de
vôo do Legacy, mas o jato estava voando autorizado
em 370 (37 mil pés), em rota de colisão
com o Boeing. Às 17h44, é confirmado o
estado de "alerta" e a Gol é acionada.
Às 17h51, Manaus traz a notícia de que
o Legacy informou ter colidido com algo. Às 18h35,
os controladores são avisados de que a visualização
do radar e a escuta das freqüências estavam
sendo feitas para desvendar o acidente. (LS)
O Globo
15/10/2007
Ancelmo Góis
O Estado de São Paulo
14/10/2007
Aviões da Varig estão
de volta a Paris.
Sem champanhe e caviar Avião
é desconfortável, mas passageiros elogiam
atendimento e ficam satisfeitos com recuperação
da empresa
José Maria Mayrink
A Varig está renascendo. Os tripulantes repetem
a frase e os passageiros tentam acreditar, quando o
surrado Boeing 767-300 decola de São Paulo para
Roma, via Paris, às 23h58 do dia 5 de outubro,
uma sexta-feira movimentada em Guarulhos, rigorosamente
no horário. Os assentos são desconfortáveis,
o sistema de som falha, o equipamento de entretenimento
- música e cinema - não funciona, mas
o chefe da equipe de comissários, Alberto Unger,
28 anos de empresa, promete um vôo tranqüilo,
com jantar em seguida e café duas horas antes
da chegada. Serão 11 horas e 10 minutos de viagem
até o Aeroporto Charles de Gaulle, tempo bom
e temperatura agradável.
Há 184 pessoas a bordo, sem contar os tripulantes
- 4 pilotos e 12 comissários. O comandante master
Alayon Machado se reveza na cabine com os comandantes
Frateschi, Gallina e Luz, os dois últimos vindos
da Gol Transportes Aéreos, a dona da VRG Linhas
Aéreas, novo nome da Varig, para treinamento
nesse tipo de avião e reconhecimento de rota.
Pioneira entre as empresas brasileiras - ela foi fundada
em 7 de maio de 1927, no Rio Grande do Sul -, a Varig
está retomando seus vôos para Europa, Estados
Unidos e América Latina, onde concorreu, nos
últimos 40 anos, com as maiores companhias aéreas
do mundo.
Com exceção de Frankfurt, Buenos Aires,
Bogotá e Caracas, todas as rotas internacionais
foram interrompidas entre 2002 e 2006, quando a crise
financeira da Varig chegou ao auge. "A prioridade
agora é cumprir os prazos para restabelecimento
dos vôos", anuncia em São Paulo o
diretor comercial Lincoln Amano, preocupado com os problemas
enfrentados a bordo. Os dois Boeings 767 que fazem Paris
e Roma serão devolvidos à proprietária,
uma empresa de leasing portuguesa, depois que chegarem
11 aviões novos, sendo 6 Boeings 767-300 e 5
Boeings 737-800, para a reestruturação
da malha.
"Os assentos são muito apertados, mas o
serviço de bordo é excelente, a começar
pela acolhida que a gente recebe aqui", elogia
a gaúcha Rejane Rosa de Oliveira, de Caxias do
Sul, que viaja para a Itália em companhia do
marido, o empresário Bruno Segalla Filho. O radialista
Miguel Lopez e a arquiteta Lúcia, que embarcaram
com as filhas Júlia e Ana, para passear em Paris,
reforçam os elogios, lembrando que "a Varig
sempre foi destaque em serviço de bordo".
Gracinda, mãe de Lúcia, ajuda as netas
numa fileira de três assentos da classe econômica,
ao pedir o jantar.
Do outro lado do corredor, o engenheiro Sérgio
Carvalho, um carioca residente em Salvador que voa desde
os anos 70 na Varig, confere cada detalhe para checar
se a qualidade continua a mesma. O cardápio promete:
frango empanado ou tortelline ao molho vermelho com
purê de batata, cenoura sauté e torta de
chocolate. Para beber, vinho tinto chileno e vinho branco
da Califórnia, uísque escocês, cerveja,
sucos e refrigerantes. Na classe executiva, onde a passagem
custa quatro vezes mais, a variedade é maior:
filé, peru, massa e salmão, com vinhos
franceses e italianos.
O médico Luiz Edgar Tollini, diretor geral da
Central de Medicamentos de Alto Custo do governo de
Goiás, que viaja sempre a serviço e agora
tirou uns dias de folga para passear na Itália
com a mulher, Flávia Dayrell, fez questão
de escolher a Varig, quando soube da retomada dos vôos
para Roma. "Estou torcendo para que essa empresa
volte a ser o que era antes da crise." Satisfeito
com a acolhida da tripulação, ele elogia
a atenção dos comissários da classe
executiva e a transparência do comandante Machado.
"Falando em português e em inglês,
o comandante se apressou a tranqüilizar os passageiros,
explicando que o avião balançou de repente
porque entrou na turbulência de uma aeronave que
cruzou nossa rota, um incidente que não estava
previsto", disse Tollini, apoiando uma iniciativa
ousada que, provavelmente, não teria um piloto
de outra companhia. "O pessoal da Varig tem muita
experiência, é só ver o trabalho
do Alberto Unger, porque não é fácil
achar um comissário com 28 anos de casa",
emendou.
Outros dois passageiros, Luiz Carlos Louzano e Eduardo
Leduc, diretores da multinacional Basf, ficaram satisfeitos
com o serviço de bordo, especialmente a gentileza
dos comissários, mas se queixaram da falta de
conforto na classe executiva. "O avião está
desgastado e essas poltronas já são ultrapassadas",
observou Louzano, depois do café da manhã
- salada de frutas, chá, café com leite,
sucos, queijos e presunto com pães, bolos e tortas.
"Gestão Gol, qualidade Varig", insiste
o diretor comercial Lincoln Amano, garantindo, em resposta
a inevitáveis brincadeiras, que a sofisticação
da pioneira não será trocada por cereais
a bordo. Os serviços de qualidade continuarão
para quem quiser pagar por eles, embora não se
pense mais em servir caviar regado a champagne nem mesmo
na primeira classe, como se fazia no passado. Aliás,
seguindo uma tendência mundial de mercado, a Varig
aboliu a primeira classe, para ficar só com a
executiva e a econômica.
Acabou também o luxo das lojas suntuosas, como
era a agência da Avenida Champs Elysées.
Em Paris, haverá só um escritório
administrativo e um balcão de atendimento no
aeroporto, onde os funcionários se multiplicam
para atender os passageiros. "Aqui, a gente faz
de tudo", disse a gerente comercial Manuela Guerra,
ajudando no check-in para São Paulo. Quando o
sistema eletrônico caiu, ela percorreu a fila
de espera para explicar a cada passageiro que a culpa
não era da Varig, mas dos computadores dos terminais
de Roma e Paris, que não se entendiam.
Com a confusão, o economista Carlos Young e
sua mulher, a jornalista Priscila Steffen, perderam
a localização dos assentos que haviam
reservado para se sentarem juntos, mas não reclamaram,
pois acabaram indo para a classe executiva por cortesia
da Varig. O vôo, que já saiu atrasado de
Roma, decolou com mais de uma hora de atraso de Paris.
Estava lotado, peso máximo, com 241 pessoas a
bordo. Mais de 150 eram argentinos que estavam retidos
na Itália, por causa de uma greve na Aerolíneas
que deveria transportá-los a Buenos Aires.
De volta da Itália, onde jogou no Torino e no
Pescara nos anos 80, o ex-lateral Júnior - ou
Leovegildo Gama Junior, que foi também treinador
do Flamengo e agora é comentarista de futebol
- optou pela Varig, para saber se a qualidade continuava
a mesma. Embarcou irritado com a informação
de que teria de fazer conexão em Congonhas para
chegar ao Rio, mas acabou elogiando a cortesia e a simpatia
da tripulação, quando sua mulher, Heloísa,
não conseguiu o prato de entrada, salmão
defumado, que havia pedido: a comissária Ana
Klein abriu mão de sua bandeja para atendê-la.
O cardápio é variado, mas chega a bordo
em quantidades individuais bem controladas.
O jantar Paris-São Paulo serviu bife de filé,
pato, massa e peixe na executiva e três opções
na econômica: tortellini de queijo mascarpone,
beef bourguignone e frango au cresson. E, mais uma vez,
vinhos chileno, italiano, francês e americano.
Tribuna da Imprensa
Coluna Pedro Porfírio
12/10/2007
APERTEM OS CINTOS. OS NOSSOS PILOTOS
ESTÃO SUMINDO
Se era isso o que queriam, estão conseguindo:
nossos pilotos estão sumindo. Falo do plantel
mais experiente e mais treinado da aviação
comercial brasileira, os formados e provados na mais
tradicional companhia de nossa história - a Varig,
Varig, Varig.
Esse é um dos mais perversos e mais emblemáticos
efeitos da conspiração que pôs a
nossa aérea mais tradicional no chão e
abriu todos os céus do Brasil para suas concorrentes,
inclusive empresas estrangeiras, que ainda vão
acabar fazendo vôos domésticos, como já
consta de projeto no Senado Federal. Senado, ah, que
Senado nós temos: nem nos tempos de Brutus.
Ainda bem que estão conseguindo trabalho, diria
você. Trabalho? Isso para mim é exílio
puro, sem tirar nem pôr. Exílio "trabalhista",
digamos, já que no grande desastre da nossa aviação
comercial uma lei que fora corajosamente contestada
pelo PDT, transformou os mais elementares direitos trabalhistas
em cinzas.
É isso mesmo. Enquanto você fica aí
à espera do próximo bote da serpente,
ela já picou pelas beiradas, segundo os velhos
truques dos mágicos de plantão. A chamada
lei de Recuperação de empresas, a 11.101/05,
foi uma lança no coração de 60
anos de justiça social.
Graças a tal monstrengo jurídico, uma
Vara Empresarial passou a se superpor sobre a Justiça
do Trabalho, desconhecendo sem constrangimento até
pagamentos de salários atrasados. E, de quebra,
para a cristalização de uma perversa impunidade,
está contribuindo para o massacre dos aposentados
de um fundo de pensão que não cumpre com
suas obrigações mínimas, embora
seja credor de sua patrocinadora.
Fazendo as malas
Reportei-me ao sumiço dos nossos pilotos, ao
saber que ontem o comandante Marcelo Duarte fez as malas
e partiu para Hong Kong, onde vai trabalhar numa empresa
de aviação comercial de padrão
excepcional, a HKE que, por sinal, foi a primeira da
Ásia a comprar os modelos E-170 da Embraer.
Vice-presidente da Associação dos Pilotos
da Varig, e um dos mais aguerridos líderes da
categoria, ele, como seus colegas de entidade, pode
ser incluído na lista dos grandes perseguidos
políticos de nossos dias. Por conta de sua atuação
corajosa, foi demitido em 2002, antes mesmo do trágico
e trêfego leilão de 2006 e até hoje
não viu a cor de um centavo de suas verbas indenizatórias
E SEQUER CONSEGUIU SACAR O FUNDO DE GARANTIA. Quando
demitido, era instrutor da mais respeitada e mais bem
equipada escola de pilotos da América Latina,
da própria empresa.
Mesmo passando o maior sufoco, entregou-se por inteiro
à causa dos seus colegas, tendo uma atuação
marcante ao lado do deputado Paulo Ramos na CPI da Assembléia
Legislativa do Rio de Janeiro que mostrou os interesses
sórdidos que levaram à Varig a ser uma
miniatura de si mesmo.
Antes deles, outros pilotos pegaram o caminho do exílio
desde o leilão que teve como únicos arrematantes
os prepostos de um fundo "abutre" de investimento
dos Estados Unidos, que já haviam se apoderado
da Variglog. Ao todo, estima-se que 450 pilotos já
atravessaram a fronteira em busca de uma sobrevivência
digna.
Só no Qatar, na península arábica,
há MAIS 68 pilotos brasileiros, entre eles o
comandante Alexandre Pochain. Nenhum foi para lá
atrás de petrodólares. Antes, saíram
daqui porque, embora competentíssimos, entraram
numa estranha lista da intolerância, vigente nos
dias de hoje, apesar de todo esse ambiente dito democrático
e de todo esse discurso sobre direitos humanos.
O comandante Elnio Borges, uma das maiores autoridades
em aviação civil, que bem poderia estar
à frente de uma ANAC, refugiou-se na Índia,
fazendo vôos internacionais para a Europa. Para
não se distanciar totalmente dos seus colegas,
ele, presidente da Associação dos Pilotos
da Varig, ainda consegue organizar sua escala de modo
a vir uma vez por mês ao Brasil.
Outro grande esteio desse plantel de primeira linha,
o comandante Paulo Calazans, está pilotando na
Raynair Airlines, a maior companhia européia
de vôos de baixo custo (low cost), com registro
na Irlanda.
Melhor "sorte" não teve o comandante
Flávio de Souza, ex-presidente da APVAR, que
vive como uma espécie de ermitão em São
Gabriel - RS . Ele é um dos muitos profissionais
que permanecem inteiramente à margem dos "manches".
Pior para os comissários
Essa "diáspora" lembra os tempos da
ditadura, em que os grandes cientistas brasileiros,
principalmente os da Fundação Oswaldo
Cruz, foram compelidos a sair do país, onde contribuíram
com seus conhecimentos acumulados em outros centros
de excelência.
São faces da mesma moeda e acabam por revelar
que o poder discricionário é o mesmo,
em qualquer modelo político. Aliás, os
riscos de desvirtuamento das democracias já haviam
sido detectados desde seus primórdios, nas avaliações
de Montesquieu e Rousseau. Em qualquer regime que se
preze e que esteja comprometido com os interesses da
nação a preservação dos
seus quadros profissionais e de sua "inteligência"
é uma demonstração de pragmatismo
positivo.
Voltando ao desastre da Varig. Se os seus pilotos estão
indo para o exílio profissional, o que se diria
dos demais profissionais, como mecânicos de vôo,
comissários de bordo e aeroviários?
Os comissários são os mais sacrificados.
Os mais maduros, com vasta vivência no vôo,
são descartados de cara, Se este é o destino
trágico de quem perde emprego depois dos quarenta,
imagine entre os comissários de bordo.
Entre os mais jovens, a realidade também é
adversa. Aproveitando-se da situação de
desespero dos profissionais, as companhias brasileiras
estão oferecendo salários baixos, equivalentes
a 50% do que a Varig pagava.
Como pano de fundo dessa tragédia, as incríveis
coincidências. O antigo diretor operacional da
Varig, que comandou as demissões do pessoal,
e era o vice-presidente operacional da TAM na ocasião
do acidente que resultou centenas de mortes em Congonhas.Pelo
que se consta agora se encontra na TAM MERCOSUL NO PARAGUAI,
esperando a poeira abaixar. Seu dedo aparece nos eventuais
vetos aos profissionais que se habilitaram à
concorrente, que, embora não tenha se equipado
devidamente para ocupar o espaço deixado, opera
a seu modo, com as conseqüências conhecidas
de toda a sociedade brasileira.
Neste momento, só resta chamar à reflexão
para um projeto aeronáutico que una os países
vizinhos da América Latina, como se esboça
no caso do Banco do Sul. Mas esse é tema para
outro momento.