::::: RIO DE JANEIRO - 15 DE OUTUBRO DE 2007 :::::

 

O Estado de São Paulo
15/10/2007

Empresas aéreas estrangeiras avançam no mercado brasileiro
Governo quer oferecer freqüências extras a empresas americanas para tentar estimular o turismo no País
Alberto Komatsu

Em apenas dez anos, as companhias aéreas estrangeiras inverteram seu peso no transporte de passageiros entre o Brasil e o exterior. No ano passado, elas conquistaram a hegemonia nesse segmento, com 67% de participação. São 20 pontos porcentuais a mais em relação ao mercado que tinham em 1997, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

A participação de mercado das empresas aéreas estrangeiras no fluxo de passageiros entre o Brasil e o exterior, que este ano deve estar em torno de 70%, segundo estimativas do mercado, pode subir mais. Um plano do governo brasileiro, capitaneado pelo Ministério do Turismo, quer oferecer freqüências extras para companhias americanas estimularem o turismo entre os Estados Unidos e, principalmente, a Região Nordeste. American Airlines, United e Delta já foram avisadas e mostraram interesse.

Os vôos terão de ser extras, pois o acordo bilateral de transporte aéreo entre os EUA e o Brasil estabelece cota de 105 freqüências semanais que podem ser operadas por empresas aéreas de cada país. No lado americano, o limite já foi alcançado. Pelo Brasil, são 35 vôos semanais aos EUA operados apenas pela TAM. A Varig tem planos de voltar a voar para Miami e Nova York a partir de 2008.

Levantamento da Multiplan Consultoria Aeronáutica, com dados da Anac, mostra que os embarques e desembarques de passageiros internacionais no Brasil cresceram 3,4% no ano passado em relação a 2005. Apesar desse resultado, o economista Paulo Sampaio, da Multiplan, lembra que as empresas brasileiras foram as únicas que perderam passageiros, com queda de 18,8% no transporte entre o Brasil e o exterior. As companhias brasileiras transportaram cerca de 800 mil passageiros a menos no ano passado em relação ao anterior. “Mas as empresas brasileiras devem recuperar espaço em 2008, especialmente no segundo semestre”, avalia Sampaio.

As estrangeiras mais beneficiadas pela crise da aviação brasileira, que começou em 2006, foram as européias, com aumento de 23,6% nos embarques e desembarques. As companhias latino-americanas e caribenhas registraram alta de 21,1%, seguidas pela expansão de 14% das americanas e canadenses, conforme a Multiplan.

VISTO ATRAPALHA

A Delta Airlines, que usa atualmente 21 freqüências semanais entre o Brasil e os EUA, aprova o plano do governo brasileiro de aumentar os vôos entre o Brasil e os EUA. A empresa opera vôos diários a partir de São Paulo e Rio para Atlanta e entre São Paulo e Nova York.

“A idéia (do governo brasileiro) é basicamente desenvolver o turismo fora do eixo Rio-São Paulo. Estudamos a possibilidade de passar a operar em dez novas cidades”, diz o diretor-comercial e de assuntos governamentais da Delta Airlines, Luiz Henrique Teixeira. O executivo, porém, não revelou quais seriam os novos mercados em que a Delta pretende estrear.

“Sempre temos interesse em expandir nossos vôos para qualquer parte do Brasil, que é chave na nossa estratégia na América Latina”, afirma o diretor-geral da United Airlines no Brasil, Michael Guenther. O executivo, no entanto, diz que a obrigatoriedade de os americanos terem visto para entrar no País ou simplesmente passar pelo Brasil por meio de conexões é um empecilho para o desenvolvimento do plano do governo brasileiro. Segundo Guenther, o custo do visto, de US$ 120, faz com que muitas famílias americanas em férias troquem as praias do Nordeste brasileiro pelo Caribe.

A American Airlines informou apenas que também tem interesse em ampliar vôos no país. A Continental não se pronunciou sobre o assunto.

 

 

Folha de São Paulo
15/10/2007
FAB oculta falha de rádio em acidente da Gol
Das quatro freqüências que os pilotos do Legacy poderiam ter usado, duas estavam indisponíveis para o controlador e outra, inoperante
Procurada, a Aeronáutica informou que não pode especular sobre "hipóteses" relativas à investigação ainda em curso

LEILA SUWWAN DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ao culpar apenas um controlador brasileiro e os pilotos norte-americanos pela falha de comunicações que contribuiu para a colisão com o vôo 1907 da Gol, a FAB (Força Aérea Brasileira) oculta deficiências no sistema de rádio no Cindacta-1 que atrapalharam as tentativas de contato entre o Legacy e o centro em Brasília no dia do acidente, há um ano.
As transcrições completas das conversas de rádio entre o controle e aviões na região do acidente, obtidas e analisadas pela Folha, provam também que o Cindacta-1 recebeu e ignorou pelo menos três chamadas do Legacy antes da batida.

O motivo está ligado às limitações de equipamentos: das quatro opções de freqüência que os pilotos americanos poderiam ter usado, conforme a carta aeronáutica brasileira, duas estavam indisponíveis para o controlador e uma nem sequer estava em operação.

Em resumo, havia apenas uma freqüência possível e os pilotos americanos nunca receberam instrução para sintonizar nela, conforme já foi divulgado. Esse erro, segundo Inquérito Policial Militar da FAB sobre o comportamento de seus integrantes no dia, é do controlador Jomarcelo dos Santos, denunciado por homicídio às Justiças Civil e Militar.

Mesmo assim, o Legacy tentou fazer chamadas nas freqüências "corretas", mas as limitações no Cindacta-1 prejudicaram suas chances.

Freqüências

A região do acidente se chama setor 7 no mapa do espaço aéreo. Na carta aeronáutica, são listadas as freqüências que devem ser usadas na região: 123,30 MHz, 128,00 MHz, 133,05 MHz e 135,90 MHz. Cada setor tem sua lista própria.

Os pilotos devem ser informados pelo Cindacta qual delas devem usar, enquanto os controladores escutam e transmitem em até seis freqüências simultaneamente em seu console (estação de trabalho). Em 29 de setembro de 2006, porém, os controladores do setor 7 só tinham à disposição a freqüência 135,90 Mhz. As outras cinco eram dos setores 8 e 9, que também vigiavam naquele dia.

As revelações não eximem os controladores de responsabilidade pelas falhas já comprovadas nas investigações: autorizar altitude em rota de colisão para o jato, negligenciar o monitoramento do Legacy e não acionar procedimentos previstos para falhas de comunicação que poderiam ter evitado o acidente.

Nem tampouco tira a responsabilidade dos pilotos Joseph Lepore e Jan Paladino por voar com o transponder (equipamento que alimenta o sistema anticolisão) desligado.

Contudo, explicita que o funcionamento do sistema de rádio da FAB -instrumento que é a base do controle aéreo- tem falhas. Na época do acidente, a cobertura de radar de parte do setor 7 não ia para Brasília, criando uma "zona cega" de transição rumo a Manaus. Esse problema já foi resolvido.
Procurada para esclarecer essas questões, a FAB informou que não pode especular sobre "hipóteses" relativas à investigação ainda em curso.

As transcrições são assinadas pelo major Fernando Siqueira, chefe do Sipacea (Seção de Investigação e Prevenção de Acidentes e Incidentes) e foram cruzadas pela reportagem com laudos da Polícia Federal e com a caixa-preta do Legacy.

Após sair de São José dos Campos, o Legacy passou a ser monitorado pelo Cindacta-1, que passaria as freqüências que deveriam ser usadas em cada setor da rota. Nos dois primeiros setores, os contatos ocorreram com sucesso. Quando o jato chega ao setor 5, o controlador o orienta a alternar o rádio para 125,05 MHz para falar com o próximo setor, o 7. Ele não deu uma segunda opção, conforme a praxe. O problema é que essa freqüência é do setor 9 e seu alcance é insuficiente no setor 7. Ou seja, o piloto recebeu uma freqüência inútil após a saída da região de Brasília.

A FAB culpa o controlador Jomarcelo dos Santos por não instruir o avião em tempo a usar a freqüência 135,90 Mhz, específica do setor sob sua responsabilidade, o 7. Mas não explica por que a freqüência de outro setor era usada pelo jato.

O motivo, segundo controladores ouvidos pela Folha, está ligado à qualidade das freqüências. Eles consideram que, no setor 7, há dificuldades, por ser o início da região amazônica. A FAB nega. Segundo sargentos ouvidos, a prática era escolher freqüências que, no dia e no local, estivessem "melhores".

Os pilotos não sabiam do problema com a freqüência que usavam. A caixa-preta mostra que falas de rádio em português eram ouvidas, indicando falsa normalidade, já que eles não podiam ser ouvidos.

Ainda assim, Jan Paladino diz ter percebido que ficaram muito tempo sem falar. Daí, fez 12 chamadas para Brasília, entre as 16h48 e as 16h52. Ao menos três foram nas freqüências 123,30 MHz e 133,05 MHz pois o Cindacta-1 conseguiu degravá-las, ainda que o controlador não as tenha ouvido na hora. Tentativas feitas na freqüência 128,00 Mhz não deixariam rastro, já que não funcionava.

Às 16h53, tudo indica que o jato estava sintonizado na 135,90 Mhz, porque escuta a última chamada, "às cegas", de Brasília. Responde imediatamente, mas na transcrição o Cindacta registra: "N600XL não contesta". N600XL é o código do jato. Mesmo sem anotar direito as instruções, o piloto diz que entendeu e tentou a combinação correta para Manaus, 126,45 MHz, entre outras tentativas -sem resposta. Às 16h56, colidem com o Boeing da Gol, e 154 pessoas morrem.

 

 

Folha de São Paulo
15/10/2007
Gravação mostra nervosismo de controladores
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Do início da busca do Boeing desaparecido até a confirmação da colisão com o Legacy, o nervosismo e o desespero dos controladores ficaram registrados na gravação de duas horas e meia de conversas telefônicas do Cindacta-1.

Os controladores Lucivando de Alencar e Leandro Barros trocaram ligações com o Cindacta-4 (Manaus) progressivamente tensas a partir de 17h07, sem inicialmente suspeitar do acidente. Primeiro, chega a informação do pouso de emergência do Legacy na base da serra do Cachimbo.

Só 26 minutos depois começa a busca pelo vôo 1907. Brasília liga para os centros de Manaus e Recife, porque ambos tinham visualização no radar da região por onde o Boeing deveria estar -nenhum enxerga o avião. Às 17h36, o controlador Lucivando de Alencar conversa com o assistente Leandro de Barros, que mostra a primeira suspeita de colisão.
"E aquele gringo lá?", pergunta Lucivando.

"O quê?", responde Leandro.
"Não tem nada a ver com esse cara não, né? O gringo lá que tava descendo em emergência?"
"Não..."

Brasília cobra de Manaus, com agressividade, o vôo: "Meu camarada, é o seguinte, vocês me passaram um tráfego aqui, Gol 1907 (...) e até agora nada, cara. Não "tá no radar. E até agora não me chamou. Esse cara "tá voando?"

Cinco minutos depois, Manaus ainda não sabe ao certo a altitude do Legacy. "Um lá passou perto dele, hein? Não, mas alguém "tava no 380 ou era 360, é aí que "tá minha dúvida". Ele se refere ao plano de vôo do Legacy, mas o jato estava voando autorizado em 370 (37 mil pés), em rota de colisão com o Boeing. Às 17h44, é confirmado o estado de "alerta" e a Gol é acionada.

Às 17h51, Manaus traz a notícia de que o Legacy informou ter colidido com algo. Às 18h35, os controladores são avisados de que a visualização do radar e a escuta das freqüências estavam sendo feitas para desvendar o acidente. (LS)

 

 

O Globo
15/10/2007
Ancelmo Góis

 

 

O Estado de São Paulo
14/10/2007
Aviões da Varig estão de volta a Paris.
Sem champanhe e caviar Avião é desconfortável, mas passageiros elogiam atendimento e ficam satisfeitos com recuperação da empresa
José Maria Mayrink

A Varig está renascendo. Os tripulantes repetem a frase e os passageiros tentam acreditar, quando o surrado Boeing 767-300 decola de São Paulo para Roma, via Paris, às 23h58 do dia 5 de outubro, uma sexta-feira movimentada em Guarulhos, rigorosamente no horário. Os assentos são desconfortáveis, o sistema de som falha, o equipamento de entretenimento - música e cinema - não funciona, mas o chefe da equipe de comissários, Alberto Unger, 28 anos de empresa, promete um vôo tranqüilo, com jantar em seguida e café duas horas antes da chegada. Serão 11 horas e 10 minutos de viagem até o Aeroporto Charles de Gaulle, tempo bom e temperatura agradável.

Há 184 pessoas a bordo, sem contar os tripulantes - 4 pilotos e 12 comissários. O comandante master Alayon Machado se reveza na cabine com os comandantes Frateschi, Gallina e Luz, os dois últimos vindos da Gol Transportes Aéreos, a dona da VRG Linhas Aéreas, novo nome da Varig, para treinamento nesse tipo de avião e reconhecimento de rota. Pioneira entre as empresas brasileiras - ela foi fundada em 7 de maio de 1927, no Rio Grande do Sul -, a Varig está retomando seus vôos para Europa, Estados Unidos e América Latina, onde concorreu, nos últimos 40 anos, com as maiores companhias aéreas do mundo.

Com exceção de Frankfurt, Buenos Aires, Bogotá e Caracas, todas as rotas internacionais foram interrompidas entre 2002 e 2006, quando a crise financeira da Varig chegou ao auge. "A prioridade agora é cumprir os prazos para restabelecimento dos vôos", anuncia em São Paulo o diretor comercial Lincoln Amano, preocupado com os problemas enfrentados a bordo. Os dois Boeings 767 que fazem Paris e Roma serão devolvidos à proprietária, uma empresa de leasing portuguesa, depois que chegarem 11 aviões novos, sendo 6 Boeings 767-300 e 5 Boeings 737-800, para a reestruturação da malha.

"Os assentos são muito apertados, mas o serviço de bordo é excelente, a começar pela acolhida que a gente recebe aqui", elogia a gaúcha Rejane Rosa de Oliveira, de Caxias do Sul, que viaja para a Itália em companhia do marido, o empresário Bruno Segalla Filho. O radialista Miguel Lopez e a arquiteta Lúcia, que embarcaram com as filhas Júlia e Ana, para passear em Paris, reforçam os elogios, lembrando que "a Varig sempre foi destaque em serviço de bordo". Gracinda, mãe de Lúcia, ajuda as netas numa fileira de três assentos da classe econômica, ao pedir o jantar.

Do outro lado do corredor, o engenheiro Sérgio Carvalho, um carioca residente em Salvador que voa desde os anos 70 na Varig, confere cada detalhe para checar se a qualidade continua a mesma. O cardápio promete: frango empanado ou tortelline ao molho vermelho com purê de batata, cenoura sauté e torta de chocolate. Para beber, vinho tinto chileno e vinho branco da Califórnia, uísque escocês, cerveja, sucos e refrigerantes. Na classe executiva, onde a passagem custa quatro vezes mais, a variedade é maior: filé, peru, massa e salmão, com vinhos franceses e italianos.

O médico Luiz Edgar Tollini, diretor geral da Central de Medicamentos de Alto Custo do governo de Goiás, que viaja sempre a serviço e agora tirou uns dias de folga para passear na Itália com a mulher, Flávia Dayrell, fez questão de escolher a Varig, quando soube da retomada dos vôos para Roma. "Estou torcendo para que essa empresa volte a ser o que era antes da crise." Satisfeito com a acolhida da tripulação, ele elogia a atenção dos comissários da classe executiva e a transparência do comandante Machado.

"Falando em português e em inglês, o comandante se apressou a tranqüilizar os passageiros, explicando que o avião balançou de repente porque entrou na turbulência de uma aeronave que cruzou nossa rota, um incidente que não estava previsto", disse Tollini, apoiando uma iniciativa ousada que, provavelmente, não teria um piloto de outra companhia. "O pessoal da Varig tem muita experiência, é só ver o trabalho do Alberto Unger, porque não é fácil achar um comissário com 28 anos de casa", emendou.

Outros dois passageiros, Luiz Carlos Louzano e Eduardo Leduc, diretores da multinacional Basf, ficaram satisfeitos com o serviço de bordo, especialmente a gentileza dos comissários, mas se queixaram da falta de conforto na classe executiva. "O avião está desgastado e essas poltronas já são ultrapassadas", observou Louzano, depois do café da manhã - salada de frutas, chá, café com leite, sucos, queijos e presunto com pães, bolos e tortas.

"Gestão Gol, qualidade Varig", insiste o diretor comercial Lincoln Amano, garantindo, em resposta a inevitáveis brincadeiras, que a sofisticação da pioneira não será trocada por cereais a bordo. Os serviços de qualidade continuarão para quem quiser pagar por eles, embora não se pense mais em servir caviar regado a champagne nem mesmo na primeira classe, como se fazia no passado. Aliás, seguindo uma tendência mundial de mercado, a Varig aboliu a primeira classe, para ficar só com a executiva e a econômica.

Acabou também o luxo das lojas suntuosas, como era a agência da Avenida Champs Elysées. Em Paris, haverá só um escritório administrativo e um balcão de atendimento no aeroporto, onde os funcionários se multiplicam para atender os passageiros. "Aqui, a gente faz de tudo", disse a gerente comercial Manuela Guerra, ajudando no check-in para São Paulo. Quando o sistema eletrônico caiu, ela percorreu a fila de espera para explicar a cada passageiro que a culpa não era da Varig, mas dos computadores dos terminais de Roma e Paris, que não se entendiam.

Com a confusão, o economista Carlos Young e sua mulher, a jornalista Priscila Steffen, perderam a localização dos assentos que haviam reservado para se sentarem juntos, mas não reclamaram, pois acabaram indo para a classe executiva por cortesia da Varig. O vôo, que já saiu atrasado de Roma, decolou com mais de uma hora de atraso de Paris. Estava lotado, peso máximo, com 241 pessoas a bordo. Mais de 150 eram argentinos que estavam retidos na Itália, por causa de uma greve na Aerolíneas que deveria transportá-los a Buenos Aires.

De volta da Itália, onde jogou no Torino e no Pescara nos anos 80, o ex-lateral Júnior - ou Leovegildo Gama Junior, que foi também treinador do Flamengo e agora é comentarista de futebol - optou pela Varig, para saber se a qualidade continuava a mesma. Embarcou irritado com a informação de que teria de fazer conexão em Congonhas para chegar ao Rio, mas acabou elogiando a cortesia e a simpatia da tripulação, quando sua mulher, Heloísa, não conseguiu o prato de entrada, salmão defumado, que havia pedido: a comissária Ana Klein abriu mão de sua bandeja para atendê-la. O cardápio é variado, mas chega a bordo em quantidades individuais bem controladas.

O jantar Paris-São Paulo serviu bife de filé, pato, massa e peixe na executiva e três opções na econômica: tortellini de queijo mascarpone, beef bourguignone e frango au cresson. E, mais uma vez, vinhos chileno, italiano, francês e americano.

 

 

Tribuna da Imprensa
Coluna Pedro Porfírio
12/10/2007
APERTEM OS CINTOS. OS NOSSOS PILOTOS ESTÃO SUMINDO

Se era isso o que queriam, estão conseguindo: nossos pilotos estão sumindo. Falo do plantel mais experiente e mais treinado da aviação comercial brasileira, os formados e provados na mais tradicional companhia de nossa história - a Varig, Varig, Varig.

Esse é um dos mais perversos e mais emblemáticos efeitos da conspiração que pôs a nossa aérea mais tradicional no chão e abriu todos os céus do Brasil para suas concorrentes, inclusive empresas estrangeiras, que ainda vão acabar fazendo vôos domésticos, como já consta de projeto no Senado Federal. Senado, ah, que Senado nós temos: nem nos tempos de Brutus.

Ainda bem que estão conseguindo trabalho, diria você. Trabalho? Isso para mim é exílio puro, sem tirar nem pôr. Exílio "trabalhista", digamos, já que no grande desastre da nossa aviação comercial uma lei que fora corajosamente contestada pelo PDT, transformou os mais elementares direitos trabalhistas em cinzas.

É isso mesmo. Enquanto você fica aí à espera do próximo bote da serpente, ela já picou pelas beiradas, segundo os velhos truques dos mágicos de plantão. A chamada lei de Recuperação de empresas, a 11.101/05, foi uma lança no coração de 60 anos de justiça social.

Graças a tal monstrengo jurídico, uma Vara Empresarial passou a se superpor sobre a Justiça do Trabalho, desconhecendo sem constrangimento até pagamentos de salários atrasados. E, de quebra, para a cristalização de uma perversa impunidade, está contribuindo para o massacre dos aposentados de um fundo de pensão que não cumpre com suas obrigações mínimas, embora seja credor de sua patrocinadora.

Fazendo as malas

Reportei-me ao sumiço dos nossos pilotos, ao saber que ontem o comandante Marcelo Duarte fez as malas e partiu para Hong Kong, onde vai trabalhar numa empresa de aviação comercial de padrão excepcional, a HKE que, por sinal, foi a primeira da Ásia a comprar os modelos E-170 da Embraer.

Vice-presidente da Associação dos Pilotos da Varig, e um dos mais aguerridos líderes da categoria, ele, como seus colegas de entidade, pode ser incluído na lista dos grandes perseguidos políticos de nossos dias. Por conta de sua atuação corajosa, foi demitido em 2002, antes mesmo do trágico e trêfego leilão de 2006 e até hoje não viu a cor de um centavo de suas verbas indenizatórias E SEQUER CONSEGUIU SACAR O FUNDO DE GARANTIA. Quando demitido, era instrutor da mais respeitada e mais bem equipada escola de pilotos da América Latina, da própria empresa.

Mesmo passando o maior sufoco, entregou-se por inteiro à causa dos seus colegas, tendo uma atuação marcante ao lado do deputado Paulo Ramos na CPI da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro que mostrou os interesses sórdidos que levaram à Varig a ser uma miniatura de si mesmo.

Antes deles, outros pilotos pegaram o caminho do exílio desde o leilão que teve como únicos arrematantes os prepostos de um fundo "abutre" de investimento dos Estados Unidos, que já haviam se apoderado da Variglog. Ao todo, estima-se que 450 pilotos já atravessaram a fronteira em busca de uma sobrevivência digna.

Só no Qatar, na península arábica, há MAIS 68 pilotos brasileiros, entre eles o comandante Alexandre Pochain. Nenhum foi para lá atrás de petrodólares. Antes, saíram daqui porque, embora competentíssimos, entraram numa estranha lista da intolerância, vigente nos dias de hoje, apesar de todo esse ambiente dito democrático e de todo esse discurso sobre direitos humanos.

O comandante Elnio Borges, uma das maiores autoridades em aviação civil, que bem poderia estar à frente de uma ANAC, refugiou-se na Índia, fazendo vôos internacionais para a Europa. Para não se distanciar totalmente dos seus colegas, ele, presidente da Associação dos Pilotos da Varig, ainda consegue organizar sua escala de modo a vir uma vez por mês ao Brasil.
Outro grande esteio desse plantel de primeira linha, o comandante Paulo Calazans, está pilotando na Raynair Airlines, a maior companhia européia de vôos de baixo custo (low cost), com registro na Irlanda.
Melhor "sorte" não teve o comandante Flávio de Souza, ex-presidente da APVAR, que vive como uma espécie de ermitão em São Gabriel - RS . Ele é um dos muitos profissionais que permanecem inteiramente à margem dos "manches".

Pior para os comissários

Essa "diáspora" lembra os tempos da ditadura, em que os grandes cientistas brasileiros, principalmente os da Fundação Oswaldo Cruz, foram compelidos a sair do país, onde contribuíram com seus conhecimentos acumulados em outros centros de excelência.

São faces da mesma moeda e acabam por revelar que o poder discricionário é o mesmo, em qualquer modelo político. Aliás, os riscos de desvirtuamento das democracias já haviam sido detectados desde seus primórdios, nas avaliações de Montesquieu e Rousseau. Em qualquer regime que se preze e que esteja comprometido com os interesses da nação a preservação dos seus quadros profissionais e de sua "inteligência" é uma demonstração de pragmatismo positivo.

Voltando ao desastre da Varig. Se os seus pilotos estão indo para o exílio profissional, o que se diria dos demais profissionais, como mecânicos de vôo, comissários de bordo e aeroviários?

Os comissários são os mais sacrificados. Os mais maduros, com vasta vivência no vôo, são descartados de cara, Se este é o destino trágico de quem perde emprego depois dos quarenta, imagine entre os comissários de bordo.

Entre os mais jovens, a realidade também é adversa. Aproveitando-se da situação de desespero dos profissionais, as companhias brasileiras estão oferecendo salários baixos, equivalentes a 50% do que a Varig pagava.

Como pano de fundo dessa tragédia, as incríveis coincidências. O antigo diretor operacional da Varig, que comandou as demissões do pessoal, e era o vice-presidente operacional da TAM na ocasião do acidente que resultou centenas de mortes em Congonhas.Pelo que se consta agora se encontra na TAM MERCOSUL NO PARAGUAI, esperando a poeira abaixar. Seu dedo aparece nos eventuais vetos aos profissionais que se habilitaram à concorrente, que, embora não tenha se equipado devidamente para ocupar o espaço deixado, opera a seu modo, com as conseqüências conhecidas de toda a sociedade brasileira.

Neste momento, só resta chamar à reflexão para um projeto aeronáutico que una os países vizinhos da América Latina, como se esboça no caso do Banco do Sul. Mas esse é tema para outro momento.