Valor Econômico
13/08/2007
Gol socorre 'nova' Varig em vôos
para a Argentina
Ana Paula Grabois
Impedida de operar em território
argentino pelo governo local, a Varig informou na sexta-feira
que vai reacomodar os passageiros em vôos da Gol
e em congêneres, de acordo com a disponibilidade
de assentos.
Na semana passada, o governo argentino
proibiu a "nova" Varig de operar no país
porque não reconhece a companhia como empresa de
transporte aéreo.
De acordo com a companhia aérea,
sua operação se dava em caráter provisório,
pois a empresa ainda não havia recebido a permissão
do governo argentino para operar vôos regulares
naquele país conforme o acordo bilateral vigente.
A permissão, ainda segundo a
empresa aérea, foi solicitada em 18 de dezembro
de 2006 pelo governo brasileiro.
A companhia aérea informou ainda
ter solicitado a intervenção do governo
brasileiro para restabelecer suas operações
na Argentina.
A nova Varig corresponde à parte
operacional da Varig, vendida em leilão em julho
do ano passado à VarigLog, que a revendeu para
a Gol neste ano. A chamada "velha" Varig permaneceu
em recuperação judicial, com uma dívida
de R$ 7 bilhões.
O Estado de São Paulo
13/08/2007
Governistas decidem convocar diretora
da Anac à CPI da Câmara
Postura de Denise Abreu, orientando
empresas a reagirem a medidas do Conac, foi gota d’água
para deputados
Luciana Nunes Leal, Brasília
Depois de derrubarem a convocação
de dois diretores da Agência Nacional de Aviação
Civil (Anac), na semana passada, os governistas da CPI
do Apagão Aéreo da Câmara terão
atitude oposta em relação à diretora
da agência Denise Abreu. Os deputados vão
aprovar, na quarta-feira, a convocação da
diretora. Denise já está convocada para
depor na CPI do Senado, na quinta-feira. O mais provável
é que preste dois depoimentos no mesmo dia.
Agota d’água para a convocação
de Denise à CPI da Câmara foi mais uma suspeita
de uso inadequado do cargo de comando na agência
reguladora do setor aéreo. Na edição
de ontem, o Estado publicou reportagem mostrando que Denise
orientou as companhias aéreas a reagirem às
medidas do Conselho de Aviação Civil (Conac)
para desafogar o Aeroporto de Congonhas. A diretora nega
que tenha orientado ou estimulado a reação
das empresas. Ontem a Assessoria de Imprensa contratada
por Denise divulgou nota (leia abaixo). Já o ministro
da Defesa, Nelson Jobim, anunciou que examinará
o caso hoje.
“O melhor é que ela vá
à CPI, onde terá oportunidade de defender
suas posições. Acho que ela deveria se colocar
à disposição até para defender
o trabalho da diretoria da Anac e sua própria atuação”,
disse ontem o relator da CPI na Câmara, deputado
Marco Maia (PT-RS). “O requerimento de convocação
de Denise Abreu será aprovado na quarta-feira e
vamos agendar para quinta-feira o depoimento. Não
se pode ficar sob suspeição dessa maneira.
O melhor é que se explique logo”, disse o
presidente interino da CPI, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Cunha e Maia ajudaram a evitar, na semana
passada, a convocação dos diretores Josef
Barat e Leur Lomanto. Foi aprovada só a convocação
do único técnico da diretoria, o coronel
aviador Jorge Luiz Velozo, que falará aos deputados
na quinta-feira. Presidente interino e relator ajudarão
a aprovar a convocação de Denise, mas evitarão
a votação do requerimento para quebra do
sigilo telefônico da diretora. Outros requerimentos,
de quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico
dos diretores e do presidente da Anac, Milton Zuanazzi,
devem ser retirados pelo autor dos pedidos, deputado Miguel
Martini (PHS-MG).
A convocação de Denise
no Senado foi motivada pela acusação do
brigadeiro José Carlos Pereira, ex-presidente da
Infraero, de que a diretora tentou favorecer um amigo,
Carlos Ernesto Campos, da Tead Terminais Aduaneiros, em
uma tentativa para transferir o serviço de transporte
de cargas dos Aeroportos de Congonhas e Viracopos, em
Campinas, para o de Ribeirão Preto. Agora, com
a denúncia de que Denise teria estimulado a reação
das empresas, os senadores cobrarão explicações.
O relator da CPI do Senado, Demóstenes Torres (DEM-GO),
quer saber os nomes dos outros participantes da reunião
do dia 26 para convocar pelo menos um à CPI.
“Temos que ouvir alguém
que confirme isso. Se for confirmado, fica estabelecido
que a Anac, em vez de regular, fiscalizar e primar pela
segurança, privilegia as empresas aéreas
em troca de alguma vantagem”, afirmou Demóstenes.
Os depoimentos de Denise ocorrerão
no momento em que a Anac está em xeque. A oposição
acusa a diretoria de ineficiência e omissão
diante do caos aéreo, além de investigar,
nas CPIs, o suposto favorecimento às companhias
aéreas. Já o ministro Nelson Jobim quer
definir melhor as atribuições da Anac, do
Conac e da Infraero, estatal que administra os aeroportos.
Um projeto de lei será encaminhado pelo Executivo
ao Congresso. Pela proposta, as diretrizes para a aviação
civil serão definidas só pelo Conac. À
Anac caberá fiscalizar o cumprimento das regras.
A agência não traçaria a política
do setor, ainda que implique o enfraquecimento da Anac.
O ministro, que está mudando a direção
da Infraero, quer soluções para evitar a
superposição de atribuições
entre os órgãos federais do setor.
Site Sidney Rezende
12.08.07
Varig: Advogados comentam o caso
dos nove mil
Isadora Marinho
Quem é o responsável pelas
dívidas da Varig, que demitiu 9000 funcionários
em 2006 sem lhes dar os respaldos previstos pela Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT)? Essas e outras questões
foram discutidas pelos professores e advogados José
Maurício Fariña, especialista em Direito
do Trabalho, e Fabrício Tanure, especialista em
Direito Empresarial. Fariña e Tanure discordam
sobre quem deveria arcar com as dívidas trabalhistas
da empresa – uma prova de que o caso da Varig não
inspira divergências apenas entre funcionários
e justiça.
SRZD - O juiz Luiz Roberto
Ayoub, da Vara Empresarial responsável pelo caso
da Varig, permitiu que apenas uma parte da empresa fosse
vendida – a parte boa, sem as dívidas. Uma
empresa pode ser separada de suas dívidas, quaisquer
que sejam (trabalhistas ou fiscais)?
Fabrício Tanure –
Direito Empresarial A nova lei de recuperação
judicial de empresas e falência permite sim que
se venda uma parte da empresa, de modo que o produto dessa
venda seja revertido para a sociedade em recuperação.
SRZD - Mas no caso da
Varig, os direitos trabalhistas não foram descumpridos
na transação?
Maurício Fariña
- Direito Trabalhista Sim, a divisão da
Varig em nova e antiga, como forma de separar uma parte
“boa” da “ruim”, não poderia
ter atingido as garantias protetivas do direito laboral,
que permitem a execução (cobrança)
das empresas que compõe o mesmo grupo econômico.
Vemos que os artigos 10 e 448 da CLT garantem aos empregados
a execução dos sucessores da atividade econômica
(aqueles que a compraram), posto que se assumiram o bônus
do empreendimento, e também devem arcar com o ônus.
Até porque o critério do edital do leilão,
em prestigiar as dívidas dos bilhetes emitidos
em detrimento das dívidas de verbas alimentares
constitui flagrante ilegalidade. Fere o artigo 9º
da CLT, que considera nulo o ato que visar impedir a aplicação
dos direitos esculpidos na Consolidação
Trabalhista, ou seja, a aplicação da sucessão
empresarial.
SRZD - Nesse caso, com
quem fica a responsabilidade de acertar as contas com
os
trabalhadores?
Fabrício Tanure
- A responsabilidade pelo pagamento dos trabalhadores
continua a ser da empresa em recuperação,
que poderá utilizar os recursos arrecadados na
venda dos seus ativos para pagamento dos credores, inclusive
os trabalhistas.
Maurício Fariña
- Os empregados devem acionar diretamente a VarigLog
e pleitear suas verbas rescisórias, com base no
mencionado acima. Nosso entendimento não é
unânime. O Superior Tribunal de Justiça deu
a competência exclusiva à Primeira Vara Empresarial,
que realizou a venda Unidade Produtiva Varig, ou seja,
a Vara decide qualquer questão inerente a essa
venda, inclusive as de débito trabalhista.
SRZD - Os funcionários
foram informados de que há um “Conflito de
Competência” entre a Justiça do Trabalho
e a Vara Empresarial. Eles questionam: a Vara Empresarial
pode conflitar com a Justiça Trabalhista?
Fabrício Tanure
- A Vara Empresarial não pode conflitar com a Justiça
Trabalhista. Entretanto, não me parece que isto
tenha ocorrido. Caso, de fato, o juiz da Vara Empresarial
tenha deixado de tomar alguma atitude em relação
ao não cumprimento pela Varig de seus compromissos
trabalhistas, caberá aos funcionários da
Varig procurar os meios cabíveis, à sua
disposição, para fazer valer os seus direitos.
SRZD - A lei de recuperação
judicial diz que a empresa, caso seja
mantida em funcionamento, não pode fazer mais dívidas
durante a recuperação.
Caso isso aconteça, fica provada a incapacidade
de recuperação da empresa e ela vai à
falência. A Varig manteve seus funcionários
trabalhando, mas não os pagou conforme a lei. Também
não foi à falência por causa disso.
Como isso foi possível?
Maurício Fariña
- Temos que considerar que há dois juízos
e dois entendimentos para se buscar a satisfação
dos créditos trabalhistas. Ou seja, se considerarmos
que houve sucessão da VarigLog então a justiça
do trabalho julga e executa (cobra). Mas se considerarmos
a execução da Varig antiga, temos que requerer
a falência, por terem sido esgotados os prazos para
a recuperação de uma empresa sem aviões,
logo aparentemente sem possibilidades de realizar receita.
E após a falência, e obtido o título
executivo na justiça do trabalho, os empregados
poderão se habilitar para receber, por rateio e
pela ordem de preferência.
Fabrício Tanure
- A lei determina que, em caso de descumprimento da lei
e do que fora estabelecido no plano de recuperação
judicial, a empresa pode ter a sua falência decretada.
A Varig, no caso, não honrou os compromissos com
seus empregados, no prazo legal, o que, em tese, representa
uma violação legal. Há que se verificar,
entretanto, em que circunstâncias isto se deu e
qual interpretação o juiz deu a lei, para
se verificar se a Varig teve algum motivo legítimo
e plausível que justifique o não cumprimento
da obrigação, no prazo estipulado.
SRZD - Não deveria
ter sido instaurado um inquérito para verificar
o por quê dessa desobediência que também
foi ignorada pela justiça/governo?
Fabrício Tanure
- Há dois tipos de inquérito: o instaurado
pelo Ministério Público, como um procedimento
administrativo de investigação de uma ação
na Justiça e o inquérito policial, instaurado
para investigar delitos penais. A meu ver, não
se trata de hipótese de desobediência de
norma penal, não havendo a necessidade de instauração
de inquérito penal. Por outro lado, caso seja feita
uma representação ao Ministério Público
do Trabalho, este poderá achar necessário
a instauração de um inquérito civil,
antes de propor a ação civil pública.
SRZD - Funcionários
alegam que o juiz legislou ao invés de julgar,
se aproveitando da falta de jurisprudência da lei
de recuperação para favorecer a empresa
em detrimento do direito dos trabalhadores. Concorda?
Fabrício Tanure
- A lei de recuperação é muito recente,
de modo que há pouca ou quase nenhuma decisão
de tribunal a respeito. Assim, tem sido muito comum os
juízes de primeira instância fazerem as suas
próprias interpretações dessa lei,
muitas das vezes no sentido de assegurar que a empresa
consiga efetivamente recuperar-se economicamente. No entanto,
não é possível afirmar que isto tem
sido feito para simplesmente favorecer a empresa em relação
aos trabalhadores.
SRZD - Os funcionários
reclamam que o governo não questiona o descumprimento
da lei citado acima, tampouco age a favor do pagamento
das dívidas trabalhistas. Existe algo que ele poderia
fazer, uma vez que a Varig também era uma prestadora
de serviços?
Maurício Fariña
- A Varig tinha um contrato de concessão para explorar
o serviço de transporte aeronáutico e pleiteia
uma indenização da união pela quebra
do equilíbrio econômico-financeiro desse
contrato de concessão. O Superior Tribunal de Justiça
(STJ) reconheceu no dia 25 de abril desse ano o direito
a indenização pleiteada referente ao congelamento
das tarifas aéreas durante o governo Sarney. O
montante da indenização em 1992 era de R$
3 bilhões. Tal valor será atualizado, porém
aguardando possível recurso ao Supremo Tribunal
Federal (STF), por parte da União. Desse valor,
70% serão destinados ao fundo de pensão
AERUS, e o restante para pagar outros credores da companhia,
como fornecedores de bens e serviços e funcionários
demitidos recentemente sem indenização.
Fabrício Tanure
- Certamente essa soma bilionária seria mais do
que suficiente para pagar os seus ex-empregados. Entretanto,
o processo ainda não terminou, fazendo com que
a solução, que daí poderia advir,
ainda demore um pouco.
SRZD - Muitas famílias faliram
devido a essa demissão sem acerto de contas. Os
funcionários podem entrar com um processo de perdas
e danos? Nesse caso,
contra quem?
Maurício Fariña
- O processo do trabalho com a reforma preconizada
na emenda 45, admite a competência da justiça
laboral para julgar os danos materiais e morais decorrentes
da relação de emprego, conseqüentemente
o dano pelo não pagamento das verbas. Este deve
ser buscado nessa justiça especializada, independentemente
da execução se processar contra a VarigLog
ou contra a Varig antiga, pois a competência para
a formação do título para execução
é inquestionavelmente da justiça do trabalho.
SRZD - Para atender
corretamente aos direitos dos 9000 funcionários,
como a Varig, a justiça e os novos donos deveriam
ter agido?
Maurício Fariña
- Deveria ter sido programado o parcelamento das rescisões
junto ao sindicato da categoria, através de comissões
de conciliação prévia, e no caso
de não cumprimento a execução de
tais termos de conciliação seria imediatamente
executada pela Justiça do Trabalho.
Fabrício Tanure
- Os 9000 funcionários foram demitidos pela Varig
e não pelos novos donos (Nova Varig). Assim, entendo
que os “novos donos” nada poderiam fazer,
porque não tem qualquer ingerência na empresa
Varig (e sim na Nova Varig). Em relação
à Justiça (Vara empresarial), ela deverá
verificar em que circunstâncias as demissões
ocorreram, para se verificar se a Varig teve algum motivo
legítimo e plausível que justifique o não
cumprimento da obrigação, no prazo estipulado.
SRZD - Alguns funcionários
querem que a Gol seja responsabilizada. Ela, por ter comprado
a Nova Varig já após o leilão, não
ficaria isenta de responsabilidades passadas? Se ela fosse
responsabilizada, como desejam alguns funcionários,
não teria o direito de entrar na justiça,
já que poderia alegar que, nessas condições,
o negócio não seria de interesse dela?
Maurício Fariña
- Tudo depende da interpretação da sucessão
trabalhista, se o entendimento do juízo trabalhista
considerar que a VarigLog é sucessora, entendimento
esse que defendo, conseqüentemente a Gol ao adquirir
a VarigLog seria responsável pelo passivo, porém
esse não tem sido o entendimento do Superior Tribunal
de Justiça.
Fabrício Tanure
- Não vejo possibilidade de responsabilização
da Gol. Ela comprou a Nova Varig que, por sua vez, não
se confunde com a Varig em recuperação judicial.
São pessoas jurídicas distintas.
Revista Época
12/08/2007
Vôo cego? Parte 1
As perguntas que ficaram sem resposta
depois da venda da Varig
Eduardo Vieira
Tudo de ruim parece acontecer com o
empresário Marco Antonio Audi, o novo dono da Varig.
Na Justiça, ele responde a mais de 20 processos.
É acusado de ter dado calote em empregados, ex-sócios
e na Previdência Social. Procuradores paulistas
o investigam pela suposta falsificação da
assinatura de uma pessoa morta. No Tribunal de Contas
do Estado de São Paulo (TCE), seu nome aparece
numa investigação de fraude em licitação
pública. Até no aeroporto ele é malvisto.
A Infraero tenta expulsá-lo de um hangar no Campo
de Marte por supostas irregularidades num contrato de
concessão. Com a compra da Varig, em julho, Audi
esperava passar uma borracha nessa história confusa
e começar a ser visto como um empresário
arrojado. Mas sua estratégia começou a ruir
quando ele deparou com TAM e Gol em seu caminho.
O Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias
(Snea) montou um dossiê sobre a vida empresarial
de Audi e o entregou à Procuradoria-Geral da República.
Embora represente as empresas de aviação
em seu conjunto, o sindicato é fortemente influenciado
pela TAM e pela Gol, principais concorrentes da Varig.
Além das acusações sobre o passado
de Audi, a papelada lança suspeita sobre a origem
do dinheiro usado na compra da Varig. ÉPOCA obteve
uma cópia do dossiê. Com base nele, o Ministério
Público Federal começou a investigar Audi
por lavagem de dinheiro. Semanas atrás, o sindicato
das empresas aéreas levou suas denúncias
à Controladoria-Geral da União (CGU). "Quem
me investiga são meus inimigos", diz Audi.
"A concorrência é feroz, mas é
preciso ter limites. Eles (a TAM e a Gol) passaram do
limite. Querem me atacar."
O objetivo da TAM e da Gol é tomar
o espaço da Varig nos aeroportos. Entendem que,
se a concorrente encolheu, ela deveria perder privilégios.
Nos últimos quatro anos, a Varig diminuiu dramaticamente
de tamanho. Tinha 118 aviões, hoje são apenas
nove. Sua participação de mercado caiu de
40% para pouco mais de 3%. Mesmo assim, a empresa continua
com o maior número de guichês, hangares e
com os melhores horários de vôo. Tudo herança
do passado nobre.
No Aeroporto de Guarulhos, a Varig tem
54 balcões, mas opera somente cinco vôos
por dia. A TAM opera 58 vôos, mas tem 36 guichês
para atender a freguesia. "É uma reserva de
mercado", afirma André Castellini, sócio
especializado em aviação da consultoria
Bain & Company. "Quem realmente opera e gera
lucro deveria ter mais espaço." O único
assunto sobre o qual a TAM se manifestou foi a divisão
de espaço nos aeroportos. "Se a Infraero tem
dúvidas sobre o assunto, que tire a concessão
de todas as companhias e redistribua o espaço por
quem tem mais vôos", afirmou Marco Antonio
Bologna, presidente da TAM. Procurada por ÉPOCA,
a Gol não deu entrevistas.
Ao lançar a suspeita de que Audi
esteja envolvido em delinqüências financeiras,
a TAM e a Gol tocaram num ponto sensível. No Banco
Central, elas descobriram que o dinheiro usado para comprar
a Varig veio quase todo do exterior, do fundo americano
Matlin Patterson. O fundo, especializado em comprar empresas
à beira da falência, recuperá-las
e revendê-las, é visto pela maioria dos especialistas
como o dono de fato da Varig.
O leilão de julho sacramentou
a divisão da Varig em duas empresas. Os problemas
ficaram com a Varig antiga, controlada pela Fundação
Ruben Berta e por credores que têm R$ 7,5 bilhões
a receber. Eles ficaram com as dívidas. A nova
Varig foi comprada por Audi, pelo Matlin Patterson e por
dois outros sócios menos conhecidos - o economista
Marcos Haftel e o operador do mercado financeiro Luiz
Eduardo Gallo. Eles ficaram com a marca, as rotas e a
concessão dos espaços nos aeroportos. Por
esse pacote, pagaram US$ 20 milhões à vista.
Assumiram, também, o compromisso de investir outros
US$ 485 milhões nos próximos dez anos.
Até agora, de acordo com documentos
do Banco Central obtidos por ÉPOCA, o Matlin Patterson
enviou ao Brasil US$ 83,9 milhões entre março
e junho. A lei brasileira não impõe regras
para a origem do dinheiro. Mas limita a participação
de estrangeiros a 20% do capital votante de uma companhia
aérea brasileira. O Matlin Patterson respeita essa
determinação no papel, mas não na
essência. De acordo com os contratos, os três
sócios brasileiros são donos de 80% da nova
Varig, e os americanos possuem 20%. Na prática,
quem manda são os americanos. "Sessenta por
cento do capital total da empresa é do Matlin Patterson",
afirma Audi. "Eles têm o dinheiro e decidem
os investimentos."
Uma das suspeitas do Ministério
Público Federal é que os três sócios
brasileiros tenham um contrato de gaveta assinado com
o Matlin Patterson. Por esse acordo, eles seriam subordinados
aos americanos e sofreriam ingerência econômica
do fundo. Estariam lá apenas para fazer figuração
e atender às exigências da legislação
brasileira. No mundo dos negócios, esse tipo de
personagem é chamado de testa-de-ferro. "Prefiro
chamá-los de sócios de ocasião",
afirma Anchieta Hélcias, diretor do sindicato das
empresas aéreas e consultor da TAM. Foi ele quem
denunciou Audi ao Ministério Público e à
Controladoria-Geral da União.
Dentro do governo, no entanto, Audi tem
um aliado poderoso. Ele contratou o advogado Roberto Teixeira
da Costa, compadre do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva. A especialidade de Teixeira são empresas
aéreas. Segundo executivos do setor, Teixeira costuma
aparecer sempre que elas estão em dificuldade,
com pleitos para o governo federal. Ele trabalhou para
a Transbrasil e a Vasp. Acompanha a crise da Varig de
perto há quase dois anos.
De acordo com representantes dos órgãos
federais de aviação, Teixeira teria usado
sua ligação com o presidente Lula em tom
ameaçador nas reuniões. A oposição
também suspeita que Teixeira tenha trânsito
livre com assessores da Casa Civil e em diretorias da
Infraero e da Agência Nacional de Aviação
Civil (Anac). "A Anac era contra a venda da Varig
por causa das dúvidas em relação
à origem do capital", afirma o senador José
Agripino, líder do PFL no Senado. "Mas, curiosamente,
mudou de opinião depois que o advogado de Audi
passou a ser Roberto Teixeira. Ele fez lobby na Casa Civil
para aprovar a venda. É uma história que
precisa ser explicada."
Vôo cego? Parte 2
O REI DO PEDAÇO
Teixeira é amigo do presidente Lula há 25
anos. Em 1988, emprestou uma casa de sua propriedade em
São Bernardo do Campo, São Paulo, em que
Lula morou. Teixeira também é padrinho de
Luiz Cláudio da Silva, filho caçula do presidente.
E Lula é padrinho de Valeska, filha de Teixeira.
Apesar da estreita ligação com Lula, o advogado
afirma que nunca foi beneficiado pelo s fato de o amigo
ter se tornado presidente da República. A Casa
Civil, a Infraero e a Anac negam ter sido influenciadas
por Teixeira. Procurado por ÉPOCA, Teixeira negou
ter pressionado órgãos do governo e as demais
acusações.
Na semana passada, Audi entrou com um pedido de empréstimo
no valor de US$ 1,7 bilhão no Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O dinheiro
seria usado para comprar 50 aeronaves da Embraer. Segundo
Audi, os aviões serão utilizados pela nova
Varig até o fim do ano. "Isso é estranho,
pois a Embraer está com toda a produção
vendida até 2008", diz o consultor Castellini.
A empresa não teria como entregar as aeronaves
no prazo desejado por Audi. Por meio de sua assessoria,
a Embraer afirmou que não comenta sobre a Varig.
Os concorrentes da Varig acham que a
história é outra. Suspeitam que parte da
Varig já tenha sido vendida à companhia
Air Canada, ligada indiretamente ao Matlin Patterson.
E a Air Canada está na fila para receber aviões
da Embraer nos próximos meses. "O negócio
entre o Matlin e a Air Canada já foi fechado. Eles
compraram 10%", diz o presidente de uma empresa do
ramo de aviação. As empresas não
negam nem confirmam a informação.
Com ou sem Air Canada, fica difícil
entender como Audi poderia conseguir um empréstimo
bilionário no BNDES. Seu histórico como
empresário é confuso e ele já teve
problemas recentes. Precisou quitar às pressas
uma dívida de R$ 838.800 com o INSS, condição
necessária para participar do leilão da
Varig. As acusações mais sérias contra
Audi, no entanto, são de natureza criminal. Corre
no TCE um processo em que ele é acusado de fraudar
uma licitação da Polícia Civil de
São Paulo. Segundo um parecer do Tribunal, Audi
teria usado documentos irregulares para vencer uma concorrência
para abrigar helicópteros da polícia em
seu hangar do Campo de Marte, em São Paulo.
Audi é acusado de não ter
respeitado as regras de concessão no Aeroporto
Campo de Marte, em São Paulo, onde fica seu hangar
de helicópteros. Segundo documentos da Infraero,
Audi estaria utilizando o espaço para "assuntos
não relacionados à aviação".
Ele é sócio de uma empresa de produtos químicos
cuja sede fica no aeroporto. A Infraero tentou expulsá-lo
de lá, mas Audi conseguiu uma liminar para manter
suas operações. O processo corre na Justiça
paulista.
Audi também é acusado de
ter falsificado, em 1999, a assinatura de uma pessoa morta.
Ao tentar alterar o contrato social de uma de suas empresas,
Audi entregou um documento à Junta Comercial em
que constava a assinatura de um de seus sócios,
o administrador Palmarino Landi Netto. Landi havia falecido
em agosto de 1995. "Ele me deixou um papel assinado
em branco antes de morrer", afirma Audi. Em entrevista
a ÉPOCA, ele negou todas as outras acusações
e se disse vítima de um complô da concorrência.
Mais um fato chama a atenção.
Audi foi perdoado de uma dívida bancária.
Um documento que consta do dossiê montado por seus
adversários mostra que, em 1995, ele foi excluído
de uma dívida com o banco francês CCF, mais
tarde adquirido no Brasil pelo HSBC. Na oportunidade,
segundo o documento, Audi encontrava-se "em local
incerto e não-sabido" e havia dificuldades
em "identificar bens de sua propriedade que possam
ser penhorados". Procurado por ÉPOCA, o advogado
do CCF na ocasião, Alexandre Wald, confirmou o
perdão. Audi diz não saber o que aconteceu.
"É um mistério ele ter conseguido comprar
a Varig", diz Jefferson Araújo de Almeida,
ex-sócio de Audi num hangar do Campo de Marte.
"Rico ou pobre, ele é muito pequeno para um
negócio desse porte. É um salto maior que
a perna dele."
Duas empresas, um só
problema
A recuperação judicial da Varig criou duas
companhias, uma saudável e outra na pior. Mas nenhuma
delas quer assumir a responsabilidade sobre os 3.500 funcionários
que estão trabalhando.
VARIG
VELHA |
Razão
social |
Viação
Aérea Rio-Grandense S.A. |
Donos |
Credores e Fundação
Ruben Berta |
Patrimônio |
Dívidas de R$ 7,5 bilhões; créditos
judiciais a receber de R$ 4,5 bilhões; imóveis
e instalações |
|
VARIG
NOVA |
Razão social |
VRG Linhas Aéreas
S.A. |
Donos |
Matlin Patterson, Marco Audi
e outros dois sócios |
Patrimônio |
Marca "Varig";
Rotas nacionais e internacionais; Programa de milhagens
Smiles |