::::: RIO DE JANEIRO - 13 DE AGOSTO DE 2007 :::::

 

Valor Econômico
13/08/2007
Gol socorre 'nova' Varig em vôos para a Argentina
Ana Paula Grabois

Impedida de operar em território argentino pelo governo local, a Varig informou na sexta-feira que vai reacomodar os passageiros em vôos da Gol e em congêneres, de acordo com a disponibilidade de assentos.

Na semana passada, o governo argentino proibiu a "nova" Varig de operar no país porque não reconhece a companhia como empresa de transporte aéreo.

De acordo com a companhia aérea, sua operação se dava em caráter provisório, pois a empresa ainda não havia recebido a permissão do governo argentino para operar vôos regulares naquele país conforme o acordo bilateral vigente.

A permissão, ainda segundo a empresa aérea, foi solicitada em 18 de dezembro de 2006 pelo governo brasileiro.

A companhia aérea informou ainda ter solicitado a intervenção do governo brasileiro para restabelecer suas operações na Argentina.

A nova Varig corresponde à parte operacional da Varig, vendida em leilão em julho do ano passado à VarigLog, que a revendeu para a Gol neste ano. A chamada "velha" Varig permaneceu em recuperação judicial, com uma dívida de R$ 7 bilhões.

 

 

O Estado de São Paulo
13/08/2007
Governistas decidem convocar diretora da Anac à CPI da Câmara
Postura de Denise Abreu, orientando empresas a reagirem a medidas do Conac, foi gota d’água para deputados
Luciana Nunes Leal, Brasília

Depois de derrubarem a convocação de dois diretores da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), na semana passada, os governistas da CPI do Apagão Aéreo da Câmara terão atitude oposta em relação à diretora da agência Denise Abreu. Os deputados vão aprovar, na quarta-feira, a convocação da diretora. Denise já está convocada para depor na CPI do Senado, na quinta-feira. O mais provável é que preste dois depoimentos no mesmo dia.

Agota d’água para a convocação de Denise à CPI da Câmara foi mais uma suspeita de uso inadequado do cargo de comando na agência reguladora do setor aéreo. Na edição de ontem, o Estado publicou reportagem mostrando que Denise orientou as companhias aéreas a reagirem às medidas do Conselho de Aviação Civil (Conac) para desafogar o Aeroporto de Congonhas. A diretora nega que tenha orientado ou estimulado a reação das empresas. Ontem a Assessoria de Imprensa contratada por Denise divulgou nota (leia abaixo). Já o ministro da Defesa, Nelson Jobim, anunciou que examinará o caso hoje.

“O melhor é que ela vá à CPI, onde terá oportunidade de defender suas posições. Acho que ela deveria se colocar à disposição até para defender o trabalho da diretoria da Anac e sua própria atuação”, disse ontem o relator da CPI na Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS). “O requerimento de convocação de Denise Abreu será aprovado na quarta-feira e vamos agendar para quinta-feira o depoimento. Não se pode ficar sob suspeição dessa maneira. O melhor é que se explique logo”, disse o presidente interino da CPI, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Cunha e Maia ajudaram a evitar, na semana passada, a convocação dos diretores Josef Barat e Leur Lomanto. Foi aprovada só a convocação do único técnico da diretoria, o coronel aviador Jorge Luiz Velozo, que falará aos deputados na quinta-feira. Presidente interino e relator ajudarão a aprovar a convocação de Denise, mas evitarão a votação do requerimento para quebra do sigilo telefônico da diretora. Outros requerimentos, de quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico dos diretores e do presidente da Anac, Milton Zuanazzi, devem ser retirados pelo autor dos pedidos, deputado Miguel Martini (PHS-MG).

A convocação de Denise no Senado foi motivada pela acusação do brigadeiro José Carlos Pereira, ex-presidente da Infraero, de que a diretora tentou favorecer um amigo, Carlos Ernesto Campos, da Tead Terminais Aduaneiros, em uma tentativa para transferir o serviço de transporte de cargas dos Aeroportos de Congonhas e Viracopos, em Campinas, para o de Ribeirão Preto. Agora, com a denúncia de que Denise teria estimulado a reação das empresas, os senadores cobrarão explicações. O relator da CPI do Senado, Demóstenes Torres (DEM-GO), quer saber os nomes dos outros participantes da reunião do dia 26 para convocar pelo menos um à CPI.

“Temos que ouvir alguém que confirme isso. Se for confirmado, fica estabelecido que a Anac, em vez de regular, fiscalizar e primar pela segurança, privilegia as empresas aéreas em troca de alguma vantagem”, afirmou Demóstenes.

Os depoimentos de Denise ocorrerão no momento em que a Anac está em xeque. A oposição acusa a diretoria de ineficiência e omissão diante do caos aéreo, além de investigar, nas CPIs, o suposto favorecimento às companhias aéreas. Já o ministro Nelson Jobim quer definir melhor as atribuições da Anac, do Conac e da Infraero, estatal que administra os aeroportos. Um projeto de lei será encaminhado pelo Executivo ao Congresso. Pela proposta, as diretrizes para a aviação civil serão definidas só pelo Conac. À Anac caberá fiscalizar o cumprimento das regras. A agência não traçaria a política do setor, ainda que implique o enfraquecimento da Anac. O ministro, que está mudando a direção da Infraero, quer soluções para evitar a superposição de atribuições entre os órgãos federais do setor.

 

 

Site Sidney Rezende
12.08.07
Varig: Advogados comentam o caso dos nove mil
Isadora Marinho

Quem é o responsável pelas dívidas da Varig, que demitiu 9000 funcionários em 2006 sem lhes dar os respaldos previstos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)? Essas e outras questões foram discutidas pelos professores e advogados José Maurício Fariña, especialista em Direito do Trabalho, e Fabrício Tanure, especialista em Direito Empresarial. Fariña e Tanure discordam sobre quem deveria arcar com as dívidas trabalhistas da empresa – uma prova de que o caso da Varig não inspira divergências apenas entre funcionários e justiça.

SRZD - O juiz Luiz Roberto Ayoub, da Vara Empresarial responsável pelo caso da Varig, permitiu que apenas uma parte da empresa fosse vendida – a parte boa, sem as dívidas. Uma empresa pode ser separada de suas dívidas, quaisquer que sejam (trabalhistas ou fiscais)?

Fabrício Tanure – Direito Empresarial A nova lei de recuperação judicial de empresas e falência permite sim que se venda uma parte da empresa, de modo que o produto dessa venda seja revertido para a sociedade em recuperação.

SRZD - Mas no caso da Varig, os direitos trabalhistas não foram descumpridos na transação?

Maurício Fariña - Direito Trabalhista Sim, a divisão da Varig em nova e antiga, como forma de separar uma parte “boa” da “ruim”, não poderia ter atingido as garantias protetivas do direito laboral, que permitem a execução (cobrança) das empresas que compõe o mesmo grupo econômico. Vemos que os artigos 10 e 448 da CLT garantem aos empregados a execução dos sucessores da atividade econômica (aqueles que a compraram), posto que se assumiram o bônus do empreendimento, e também devem arcar com o ônus. Até porque o critério do edital do leilão, em prestigiar as dívidas dos bilhetes emitidos em detrimento das dívidas de verbas alimentares constitui flagrante ilegalidade. Fere o artigo 9º da CLT, que considera nulo o ato que visar impedir a aplicação dos direitos esculpidos na Consolidação Trabalhista, ou seja, a aplicação da sucessão empresarial.

SRZD - Nesse caso, com quem fica a responsabilidade de acertar as contas com os
trabalhadores?

Fabrício Tanure - A responsabilidade pelo pagamento dos trabalhadores continua a ser da empresa em recuperação, que poderá utilizar os recursos arrecadados na venda dos seus ativos para pagamento dos credores, inclusive os trabalhistas.

Maurício Fariña - Os empregados devem acionar diretamente a VarigLog e pleitear suas verbas rescisórias, com base no mencionado acima. Nosso entendimento não é unânime. O Superior Tribunal de Justiça deu a competência exclusiva à Primeira Vara Empresarial, que realizou a venda Unidade Produtiva Varig, ou seja, a Vara decide qualquer questão inerente a essa venda, inclusive as de débito trabalhista.

SRZD - Os funcionários foram informados de que há um “Conflito de Competência” entre a Justiça do Trabalho e a Vara Empresarial. Eles questionam: a Vara Empresarial pode conflitar com a Justiça Trabalhista?

Fabrício Tanure - A Vara Empresarial não pode conflitar com a Justiça Trabalhista. Entretanto, não me parece que isto tenha ocorrido. Caso, de fato, o juiz da Vara Empresarial tenha deixado de tomar alguma atitude em relação ao não cumprimento pela Varig de seus compromissos trabalhistas, caberá aos funcionários da Varig procurar os meios cabíveis, à sua disposição, para fazer valer os seus direitos.

SRZD - A lei de recuperação judicial diz que a empresa, caso seja
mantida em funcionamento, não pode fazer mais dívidas durante a recuperação.
Caso isso aconteça, fica provada a incapacidade de recuperação da empresa e ela vai à falência. A Varig manteve seus funcionários trabalhando, mas não os pagou conforme a lei. Também não foi à falência por causa disso. Como isso foi possível?

Maurício Fariña - Temos que considerar que há dois juízos e dois entendimentos para se buscar a satisfação dos créditos trabalhistas. Ou seja, se considerarmos que houve sucessão da VarigLog então a justiça do trabalho julga e executa (cobra). Mas se considerarmos a execução da Varig antiga, temos que requerer a falência, por terem sido esgotados os prazos para a recuperação de uma empresa sem aviões, logo aparentemente sem possibilidades de realizar receita. E após a falência, e obtido o título executivo na justiça do trabalho, os empregados poderão se habilitar para receber, por rateio e pela ordem de preferência.

Fabrício Tanure - A lei determina que, em caso de descumprimento da lei e do que fora estabelecido no plano de recuperação judicial, a empresa pode ter a sua falência decretada. A Varig, no caso, não honrou os compromissos com seus empregados, no prazo legal, o que, em tese, representa uma violação legal. Há que se verificar, entretanto, em que circunstâncias isto se deu e qual interpretação o juiz deu a lei, para se verificar se a Varig teve algum motivo legítimo e plausível que justifique o não cumprimento da obrigação, no prazo estipulado.

SRZD - Não deveria ter sido instaurado um inquérito para verificar o por quê dessa desobediência que também foi ignorada pela justiça/governo?

Fabrício Tanure - Há dois tipos de inquérito: o instaurado pelo Ministério Público, como um procedimento administrativo de investigação de uma ação na Justiça e o inquérito policial, instaurado para investigar delitos penais. A meu ver, não se trata de hipótese de desobediência de norma penal, não havendo a necessidade de instauração de inquérito penal. Por outro lado, caso seja feita uma representação ao Ministério Público do Trabalho, este poderá achar necessário a instauração de um inquérito civil, antes de propor a ação civil pública.

SRZD - Funcionários alegam que o juiz legislou ao invés de julgar, se aproveitando da falta de jurisprudência da lei de recuperação para favorecer a empresa em detrimento do direito dos trabalhadores. Concorda?

Fabrício Tanure - A lei de recuperação é muito recente, de modo que há pouca ou quase nenhuma decisão de tribunal a respeito. Assim, tem sido muito comum os juízes de primeira instância fazerem as suas próprias interpretações dessa lei, muitas das vezes no sentido de assegurar que a empresa consiga efetivamente recuperar-se economicamente. No entanto, não é possível afirmar que isto tem sido feito para simplesmente favorecer a empresa em relação aos trabalhadores.

SRZD - Os funcionários reclamam que o governo não questiona o descumprimento da lei citado acima, tampouco age a favor do pagamento das dívidas trabalhistas. Existe algo que ele poderia fazer, uma vez que a Varig também era uma prestadora de serviços?

Maurício Fariña - A Varig tinha um contrato de concessão para explorar o serviço de transporte aeronáutico e pleiteia uma indenização da união pela quebra do equilíbrio econômico-financeiro desse contrato de concessão. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu no dia 25 de abril desse ano o direito a indenização pleiteada referente ao congelamento das tarifas aéreas durante o governo Sarney. O montante da indenização em 1992 era de R$ 3 bilhões. Tal valor será atualizado, porém aguardando possível recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), por parte da União. Desse valor, 70% serão destinados ao fundo de pensão AERUS, e o restante para pagar outros credores da companhia, como fornecedores de bens e serviços e funcionários demitidos recentemente sem indenização.

Fabrício Tanure - Certamente essa soma bilionária seria mais do que suficiente para pagar os seus ex-empregados. Entretanto, o processo ainda não terminou, fazendo com que a solução, que daí poderia advir, ainda demore um pouco.


SRZD - Muitas famílias faliram devido a essa demissão sem acerto de contas. Os funcionários podem entrar com um processo de perdas e danos? Nesse caso,
contra quem?

Maurício Fariña - O processo do trabalho com a reforma preconizada na emenda 45, admite a competência da justiça laboral para julgar os danos materiais e morais decorrentes da relação de emprego, conseqüentemente o dano pelo não pagamento das verbas. Este deve ser buscado nessa justiça especializada, independentemente da execução se processar contra a VarigLog ou contra a Varig antiga, pois a competência para a formação do título para execução é inquestionavelmente da justiça do trabalho.

SRZD - Para atender corretamente aos direitos dos 9000 funcionários, como a Varig, a justiça e os novos donos deveriam ter agido?

Maurício Fariña - Deveria ter sido programado o parcelamento das rescisões junto ao sindicato da categoria, através de comissões de conciliação prévia, e no caso de não cumprimento a execução de tais termos de conciliação seria imediatamente executada pela Justiça do Trabalho.

Fabrício Tanure - Os 9000 funcionários foram demitidos pela Varig e não pelos novos donos (Nova Varig). Assim, entendo que os “novos donos” nada poderiam fazer, porque não tem qualquer ingerência na empresa Varig (e sim na Nova Varig). Em relação à Justiça (Vara empresarial), ela deverá verificar em que circunstâncias as demissões ocorreram, para se verificar se a Varig teve algum motivo legítimo e plausível que justifique o não cumprimento da obrigação, no prazo estipulado.

SRZD - Alguns funcionários querem que a Gol seja responsabilizada. Ela, por ter comprado a Nova Varig já após o leilão, não ficaria isenta de responsabilidades passadas? Se ela fosse responsabilizada, como desejam alguns funcionários, não teria o direito de entrar na justiça, já que poderia alegar que, nessas condições, o negócio não seria de interesse dela?

Maurício Fariña - Tudo depende da interpretação da sucessão trabalhista, se o entendimento do juízo trabalhista considerar que a VarigLog é sucessora, entendimento esse que defendo, conseqüentemente a Gol ao adquirir a VarigLog seria responsável pelo passivo, porém esse não tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Fabrício Tanure - Não vejo possibilidade de responsabilização da Gol. Ela comprou a Nova Varig que, por sua vez, não se confunde com a Varig em recuperação judicial. São pessoas jurídicas distintas.

 

 

Revista Época
12/08/2007
Vôo cego? Parte 1
As perguntas que ficaram sem resposta depois da venda da Varig
Eduardo Vieira

Tudo de ruim parece acontecer com o empresário Marco Antonio Audi, o novo dono da Varig. Na Justiça, ele responde a mais de 20 processos. É acusado de ter dado calote em empregados, ex-sócios e na Previdência Social. Procuradores paulistas o investigam pela suposta falsificação da assinatura de uma pessoa morta. No Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE), seu nome aparece numa investigação de fraude em licitação pública. Até no aeroporto ele é malvisto. A Infraero tenta expulsá-lo de um hangar no Campo de Marte por supostas irregularidades num contrato de concessão. Com a compra da Varig, em julho, Audi esperava passar uma borracha nessa história confusa e começar a ser visto como um empresário arrojado. Mas sua estratégia começou a ruir quando ele deparou com TAM e Gol em seu caminho.

O Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea) montou um dossiê sobre a vida empresarial de Audi e o entregou à Procuradoria-Geral da República. Embora represente as empresas de aviação em seu conjunto, o sindicato é fortemente influenciado pela TAM e pela Gol, principais concorrentes da Varig. Além das acusações sobre o passado de Audi, a papelada lança suspeita sobre a origem do dinheiro usado na compra da Varig. ÉPOCA obteve uma cópia do dossiê. Com base nele, o Ministério Público Federal começou a investigar Audi por lavagem de dinheiro. Semanas atrás, o sindicato das empresas aéreas levou suas denúncias à Controladoria-Geral da União (CGU). "Quem me investiga são meus inimigos", diz Audi. "A concorrência é feroz, mas é preciso ter limites. Eles (a TAM e a Gol) passaram do limite. Querem me atacar."

O objetivo da TAM e da Gol é tomar o espaço da Varig nos aeroportos. Entendem que, se a concorrente encolheu, ela deveria perder privilégios. Nos últimos quatro anos, a Varig diminuiu dramaticamente de tamanho. Tinha 118 aviões, hoje são apenas nove. Sua participação de mercado caiu de 40% para pouco mais de 3%. Mesmo assim, a empresa continua com o maior número de guichês, hangares e com os melhores horários de vôo. Tudo herança do passado nobre.

No Aeroporto de Guarulhos, a Varig tem 54 balcões, mas opera somente cinco vôos por dia. A TAM opera 58 vôos, mas tem 36 guichês para atender a freguesia. "É uma reserva de mercado", afirma André Castellini, sócio especializado em aviação da consultoria Bain & Company. "Quem realmente opera e gera lucro deveria ter mais espaço." O único assunto sobre o qual a TAM se manifestou foi a divisão de espaço nos aeroportos. "Se a Infraero tem dúvidas sobre o assunto, que tire a concessão de todas as companhias e redistribua o espaço por quem tem mais vôos", afirmou Marco Antonio Bologna, presidente da TAM. Procurada por ÉPOCA, a Gol não deu entrevistas.

Ao lançar a suspeita de que Audi esteja envolvido em delinqüências financeiras, a TAM e a Gol tocaram num ponto sensível. No Banco Central, elas descobriram que o dinheiro usado para comprar a Varig veio quase todo do exterior, do fundo americano Matlin Patterson. O fundo, especializado em comprar empresas à beira da falência, recuperá-las e revendê-las, é visto pela maioria dos especialistas como o dono de fato da Varig.

O leilão de julho sacramentou a divisão da Varig em duas empresas. Os problemas ficaram com a Varig antiga, controlada pela Fundação Ruben Berta e por credores que têm R$ 7,5 bilhões a receber. Eles ficaram com as dívidas. A nova Varig foi comprada por Audi, pelo Matlin Patterson e por dois outros sócios menos conhecidos - o economista Marcos Haftel e o operador do mercado financeiro Luiz Eduardo Gallo. Eles ficaram com a marca, as rotas e a concessão dos espaços nos aeroportos. Por esse pacote, pagaram US$ 20 milhões à vista. Assumiram, também, o compromisso de investir outros US$ 485 milhões nos próximos dez anos.

Até agora, de acordo com documentos do Banco Central obtidos por ÉPOCA, o Matlin Patterson enviou ao Brasil US$ 83,9 milhões entre março e junho. A lei brasileira não impõe regras para a origem do dinheiro. Mas limita a participação de estrangeiros a 20% do capital votante de uma companhia aérea brasileira. O Matlin Patterson respeita essa determinação no papel, mas não na essência. De acordo com os contratos, os três sócios brasileiros são donos de 80% da nova Varig, e os americanos possuem 20%. Na prática, quem manda são os americanos. "Sessenta por cento do capital total da empresa é do Matlin Patterson", afirma Audi. "Eles têm o dinheiro e decidem os investimentos."

Uma das suspeitas do Ministério Público Federal é que os três sócios brasileiros tenham um contrato de gaveta assinado com o Matlin Patterson. Por esse acordo, eles seriam subordinados aos americanos e sofreriam ingerência econômica do fundo. Estariam lá apenas para fazer figuração e atender às exigências da legislação brasileira. No mundo dos negócios, esse tipo de personagem é chamado de testa-de-ferro. "Prefiro chamá-los de sócios de ocasião", afirma Anchieta Hélcias, diretor do sindicato das empresas aéreas e consultor da TAM. Foi ele quem denunciou Audi ao Ministério Público e à Controladoria-Geral da União.

Dentro do governo, no entanto, Audi tem um aliado poderoso. Ele contratou o advogado Roberto Teixeira da Costa, compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A especialidade de Teixeira são empresas aéreas. Segundo executivos do setor, Teixeira costuma aparecer sempre que elas estão em dificuldade, com pleitos para o governo federal. Ele trabalhou para a Transbrasil e a Vasp. Acompanha a crise da Varig de perto há quase dois anos.

De acordo com representantes dos órgãos federais de aviação, Teixeira teria usado sua ligação com o presidente Lula em tom ameaçador nas reuniões. A oposição também suspeita que Teixeira tenha trânsito livre com assessores da Casa Civil e em diretorias da Infraero e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). "A Anac era contra a venda da Varig por causa das dúvidas em relação à origem do capital", afirma o senador José Agripino, líder do PFL no Senado. "Mas, curiosamente, mudou de opinião depois que o advogado de Audi passou a ser Roberto Teixeira. Ele fez lobby na Casa Civil para aprovar a venda. É uma história que precisa ser explicada."

Vôo cego? Parte 2
O REI DO PEDAÇO

Teixeira é amigo do presidente Lula há 25 anos. Em 1988, emprestou uma casa de sua propriedade em São Bernardo do Campo, São Paulo, em que Lula morou. Teixeira também é padrinho de Luiz Cláudio da Silva, filho caçula do presidente. E Lula é padrinho de Valeska, filha de Teixeira. Apesar da estreita ligação com Lula, o advogado afirma que nunca foi beneficiado pelo s fato de o amigo ter se tornado presidente da República. A Casa Civil, a Infraero e a Anac negam ter sido influenciadas por Teixeira. Procurado por ÉPOCA, Teixeira negou ter pressionado órgãos do governo e as demais acusações.

Na semana passada, Audi entrou com um pedido de empréstimo no valor de US$ 1,7 bilhão no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O dinheiro seria usado para comprar 50 aeronaves da Embraer. Segundo Audi, os aviões serão utilizados pela nova Varig até o fim do ano. "Isso é estranho, pois a Embraer está com toda a produção vendida até 2008", diz o consultor Castellini. A empresa não teria como entregar as aeronaves no prazo desejado por Audi. Por meio de sua assessoria, a Embraer afirmou que não comenta sobre a Varig.

Os concorrentes da Varig acham que a história é outra. Suspeitam que parte da Varig já tenha sido vendida à companhia Air Canada, ligada indiretamente ao Matlin Patterson. E a Air Canada está na fila para receber aviões da Embraer nos próximos meses. "O negócio entre o Matlin e a Air Canada já foi fechado. Eles compraram 10%", diz o presidente de uma empresa do ramo de aviação. As empresas não negam nem confirmam a informação.

Com ou sem Air Canada, fica difícil entender como Audi poderia conseguir um empréstimo bilionário no BNDES. Seu histórico como empresário é confuso e ele já teve problemas recentes. Precisou quitar às pressas uma dívida de R$ 838.800 com o INSS, condição necessária para participar do leilão da Varig. As acusações mais sérias contra Audi, no entanto, são de natureza criminal. Corre no TCE um processo em que ele é acusado de fraudar uma licitação da Polícia Civil de São Paulo. Segundo um parecer do Tribunal, Audi teria usado documentos irregulares para vencer uma concorrência para abrigar helicópteros da polícia em seu hangar do Campo de Marte, em São Paulo.

Audi é acusado de não ter respeitado as regras de concessão no Aeroporto Campo de Marte, em São Paulo, onde fica seu hangar de helicópteros. Segundo documentos da Infraero, Audi estaria utilizando o espaço para "assuntos não relacionados à aviação". Ele é sócio de uma empresa de produtos químicos cuja sede fica no aeroporto. A Infraero tentou expulsá-lo de lá, mas Audi conseguiu uma liminar para manter suas operações. O processo corre na Justiça paulista.

Audi também é acusado de ter falsificado, em 1999, a assinatura de uma pessoa morta. Ao tentar alterar o contrato social de uma de suas empresas, Audi entregou um documento à Junta Comercial em que constava a assinatura de um de seus sócios, o administrador Palmarino Landi Netto. Landi havia falecido em agosto de 1995. "Ele me deixou um papel assinado em branco antes de morrer", afirma Audi. Em entrevista a ÉPOCA, ele negou todas as outras acusações e se disse vítima de um complô da concorrência.

Mais um fato chama a atenção. Audi foi perdoado de uma dívida bancária. Um documento que consta do dossiê montado por seus adversários mostra que, em 1995, ele foi excluído de uma dívida com o banco francês CCF, mais tarde adquirido no Brasil pelo HSBC. Na oportunidade, segundo o documento, Audi encontrava-se "em local incerto e não-sabido" e havia dificuldades em "identificar bens de sua propriedade que possam ser penhorados". Procurado por ÉPOCA, o advogado do CCF na ocasião, Alexandre Wald, confirmou o perdão. Audi diz não saber o que aconteceu. "É um mistério ele ter conseguido comprar a Varig", diz Jefferson Araújo de Almeida, ex-sócio de Audi num hangar do Campo de Marte. "Rico ou pobre, ele é muito pequeno para um negócio desse porte. É um salto maior que a perna dele."

Duas empresas, um só problema
A recuperação judicial da Varig criou duas companhias, uma saudável e outra na pior. Mas nenhuma delas quer assumir a responsabilidade sobre os 3.500 funcionários que estão trabalhando.

VARIG VELHA
Razão social Viação Aérea Rio-Grandense S.A.
Donos Credores e Fundação Ruben Berta
Patrimônio
Dívidas de R$ 7,5 bilhões; créditos judiciais a receber de R$ 4,5 bilhões; imóveis e instalações
 
VARIG NOVA
Razão social VRG Linhas Aéreas S.A.
Donos Matlin Patterson, Marco Audi e outros dois sócios
Patrimônio Marca "Varig"; Rotas nacionais e internacionais; Programa de milhagens Smiles