:::::RIO DE JANEIRO - 13 DE AGOSTO DE 2006 :::::

 

Revista Época
14/08/06
Os aeroportos são seguros?
E os aviões? E as cidades? O sucesso da polícia ao evitar um ataque em Londres mostra avanços. Dá para controlar o terrorismo?
Marcelo Musa Cavallari


A idéia é apavorante. Nove ou dez aviões de passageiros lotados, todos partindo do mesmo lugar, todos rumo aos Estados Unidos, explodindo no ar. Cerca de 2.700 pessoas teriam morrido.

Desta vez, porém, tudo não passou de um susto. A polícia britânica prendeu 24 suspeitos de planejar o que seria o mais mortal e espetacular atentado terrorista desde o 11 de setembro. Os aeroportos de Londres se transformaram num caos e o nível máximo de alerta foi instaurado no Reino Unido. Medidas de segurança foram elevadas no mundo todo, incluindo o Brasil. Em função das regras mais rigorosas para revista e checagem de passageiros, a Infraero decidiu exigir que os passageiros se apresentem três horas antes dos vôos internacionais, em vez de duas. Em vôos para o Reino Unido, realizados hoje apenas pela British Airways, os passageiros que partiam do Brasil só podiam levar documentos essenciais para a viagem, sem bagagem de mão. Foram permitidos a bordo apenas carteira, documentos, remédios, óculos de grau sem estojo e lentes de contato, sem garrafas de soro. O aumento na segurança acarretou atrasos em alguns vôos.

A primeira reação à notícia das prisões dos suspeitos de Londres foi de pânico. O plano desbaratado seria um claro sinal de que o terror ainda está vivo e operante, cinco anos depois de ter atacado em território americano e ter desencadeado a guerra ao terror.

Evidentemente o terrorismo islâmico continua sendo uma das maiores ameaças à segurança no mundo. Mas há motivos para algum otimismo. As prisões, feitas ao longo da madrugada da quarta-feira 9 para a quinta-feira 10 e que frustraram os planos dos terroristas, foram o resultado de meses de investigação. Estiveram envolvidos o MI5, serviço secreto britânico, a Scotland Yard, espécie de polícia federal do Reino Unido, e os serviços de Inteligência dos EUA. E, como disse Michael Jackson, vice-secretário de Segurança Interna dos EUA, "nós não tiramos ninguém de dentro de aviões". O plano, dizem as autoridades, era para ser executado logo, mas não era iminente. Talvez estivesse marcado para coincidir com o quinto aniversário do ataque às torres gêmeas de Nova York, no dia 11 do mês que vem. Mas foi percebido e evitado a tempo. E ele foi frustrado porque os serviços de Segurança e Inteligência conseguiram rastrear os envolvidos, escutar suas comunicações e entender o que planejavam.

A idéia dos suspeitos presos em Londres era usar explosivo líquido levado para dentro dos aviões em bagagens de mão dentro de embalagens de coisas tão inocentes quanto garrafas plásticas ou frascos de soro para lentes de contato. O truque é conhecido desde 1994. Foi imaginado por Ramzi Yousef, preso depois no Paquistão por seu envolvimento na primeira tentativa de derrubar o World Trade Center, ocorrida em 1993.

E os aviões? E as cidades? O sucesso da polícia ao evitar um ataque em Londres mostra avanços. Dá para controlar o terrorismo?

NO CHÃO
Aviões parados em Heathrow (à esq.), que ficou sob severa vigilância. Ataque atingiria até dez aviões com destino aos EUA e poderia matar 2.700 pessoas a bordo

As forças de segurança parecem, finalmente, estar um passo à frente dos terroristas. E a efetividade dos ataques está diminuindo. Embora os americanos ressaltem que não há evidências claras de que a Al Qaeda esteja por trás do plano descoberto em Londres, ele tem as marcas registradas do grupo liderado por Osama Bin Laden: ataques a alvos simultâneos, terroristas suicidas, número massivo de mortos.

O grupo parece estar perdendo poder de impacto. Como observou um documento da Stratfor, uma agência de análise de Inteligência dos EUA, "o 11 de setembro mudou o mundo em 2001, o ataque ao trem em Madri em 2003 mudou um governo, o ataque frustrado em Londres conseguiu apenas fechar um aeroporto temporariamente".

O sucesso na operação policial mostra que a capacidade da Al Qaeda de planejar e executar atentados sem ser detectada pelos serviços de Inteligência foi severamente afetada. A segurança interna dos grupos ligados a Al Qaeda sempre foi um dos segredos da organização. Isso parece ter acabado.

A prevenção do ataque em Londres mostra que a estratégia policial de combate ao terrorismo dá resultado. Logo depois do 11 de setembro, o presidente americano, George W. Bush, engajou-se na idéia de uma guerra ao terrorismo. A primeira batalha foi no Afeganistão. A derrubada do Taleban, grupo radical islâmico que chegara ao poder no país e dava guarida à Al Qaeda, foi eficaz em desalojar o grupo. Ficou mais difícil para o grupo de Osama Bin Laden planejar ataques e treinar seus quadros. Houve resultados, mas a estratégia tem limites claros. É muito difícil acabar com um grupo móvel atacando alvos fixos.

O diretor do Instituto do Programa de Segurança Global e professor de Relações Internacionais do Watson Institute, na Universidade Brown nos EUA, James Der Derian, acha que os países exageram em sua reação ao terrorismo. "Os governos reagem como se fossem aquelas empresas tradicionais. Alguém nos atacou? Vamos contra-atacar", disse em entrevista a ÉPOCA uma semana antes de vir ao Brasil para uma palestra. "Mas os núcleos terroristas não são um Estado, não formam um exército regular, não lutam dentro das regras militares. É como uma empresa de departamentos tradicional enfrentando a concorrência do site e-bay." Assim, mesmo ataques terroristas menores, que passariam despercebidos numa guerra tradicional, ganham uma dimensão gigantesca quando levados para os sites e as redes de TV do mundo ä todo. "Está claro que os governos tradicionais ainda não sabem como reagir a esse tipo de guerrilha na mídia", diz Der Derian.

Contra a idéia de uma guerra ao terror, países como a França adotaram, já nos anos 1980, uma abordagem policial. "Uma guerra se vence ou se perde e ela acaba", diz Jean Louis Bruguière, que durante 20 anos chefiou o combate ao terrorismo na França, "o crime se combate dia a dia". Para Bruguière, a diferença no enfoque deu à França resultados excelentes. Como na luta contra roubos, tráfico de drogas, exploração de prostituição, o que conta é o conhecimento do submundo em que o terrorismo vive. É preciso ter informantes, agentes infiltrados, delação dos elementos presos. Foi isso que fez a diferença em Londres agora.

No outro pólo da luta contra o terror, a guerra parece estar produzindo o resultado inverso. Se os analistas estiverem corretos e o fracasso de Londres for mesmo um sinal de fraqueza da Al Qaeda, fica claro que o comando do terrorismo internacional está mudando de mãos. Dos sunitas da Al Qaeda, a liderança está passando para as mãos do grupo xiita libanês Hezbollah e seu principal patrocinador, o Irã. Tendo atacado Israel e provocado uma reação vista quase no mundo inteiro como exagerada, o Hezbollah parece estar vencendo a guerra pelos corações e mentes do mundo islâmico.

Os suspeitos pretendiam embarcar em alguns dos 123 vôos diários da Inglaterra para os Estados Unidos e explodiriam os aviões no ar
Origem (Inglaterra)
Destino (EUA)
QUANTOS ERAM
24 suspeitos foram presos. Outros cinco participariam diretamente da ação. O grupo todo envolveria cerca de 50 pessoas
COMO AGIRIAM
Durante o vôo eles detonariam explosivos líquidos, levados em suas bagagens de mão
QUAIS ERAM OS ALVOS
Aviões de três companhias aéreas americanas (American Airlines, Continental, United Airlines) e uma britânica (British Airways)
QUANTAS VÍTIMAS FARIAM
A polícia inglesa calcula que 2.700 poderiam morrer, quase o mesmo número de vítimas dos atentados de 11 de setembro de 2001
COMO FORAM PRESOS
A polícia e o serviço secreto inglês investigavam o grupo havia meses. Há duas semanas, quando o bando começou a agir, foi fechado o cerco
QUEM SÃO OS ENVOLVIDOS
19 dos 24 suspeitos são britânicos de segunda ou terceira geração, com origem paquistanesa. As idades variam de 17 a 35 anos

 

DESTRUIÇÃO
Khiam, no Líbano, sob ataque. Apesar das baixas, o Hezbollah ganha prestígio
Na tentativa de parar terroristas com ação militar, o país faz crescer o prestígio do Hezbollah

Israel invadiu o Líbano, como parte de sua operação contra o Hezbollah. E mantém cerca de 10 mil homens no território que é controlado pelo grupo radical islâmico. A tarefa dos soldados é basicamente gastar toda a munição de seus tanques e voltar para Israel. Essas operações duram dois dias ou três. Os soldados não saem dos tanques, para evitar baixas. De volta a Israel, além de reabastecer seus tanques e receber nova munição, os soldados ganham dias de licença em resorts na costa norte de Israel, abandonados por causa da guerra.

Isso está prestes a mudar. Na quarta-feira 9, o governo israelense autorizou um avanço até o Rio Litani, 27 quilômetros além da fronteira. Os tanques não conseguirão voltar direto para Israel. Terão de ser montadas bases em território libanês. O número de baixas crescerá inevitavelmente. E a situação estará de volta ao estado em que estava em 2006, quando Israel abandonou a porção de território libanês que ocupava desde 1982.

Os israelenses comparam o período que passaram no Líbano ao que os americanos viveram no Vietnã: uma guerra deflagrada por iniciativa de Israel e que dividiu o país. Voltar ao atoleiro do Líbano é um retrocesso doloroso.

Para o Hezbollah, porém é uma vitória. O grupo é, militarmente, muito inferior às Forças de Defesa de Israel. Gerou uma resposta de Israel que está destruindo tudo o que o Líbano conseguiu reconstruir desde 1990, quando acabou a guerra civil no país. Há mais de 1 milhão de desabrigados e os mortos civis se contam às centenas.

Mesmo assim, o Hezbollah conseguiu aumentar muito seu prestígio no mundo islâmico. O grupo e seu líder, o xeque Hassan Nasrallah, são vistos como heróis, por resistirem a Israel e seu principal aliado, os EUA. Criado como milícia com apoio e financiamento do Irã durante a guerra civil, o Hezbollah se transformou. Tornou-se um grupo assistencialista que acabou por substituir o Estado no sul do Líbano. Transformou-se em partido e, nas eleições do ano passado, conseguiu representação no Parlamento suficiente para nomear dois ministros. Mas é como grupo armado que constrói seu prestígio.

No combate a Israel, atua no limite nebuloso que separa a guerrilha do terror. Ataca com armas militares a partir de suas posições no Líbano. Mas seus alvos são cidades de Israel onde vivem civis e que não têm significado militar. Israel, ao atacar, acaba pagando o preço de quem move a guerra contra o terror pela via militar. Quanto mais bate, mais fortalece o inimigo.

 

 

Revista Consultor Jurídico
12 de agosto de 2006
Bilionária destruição
Recuperação judicial da Varig foi uma liquidação judicial
por Jorge Queiroz

Aparentemente, chega ao final uma das mais intrincadas e polêmicas novelas da história empresarial brasileira, a da Varig, que deixa indubitavelmente inúmeras lições a todos os seus stakeholders e muitos outros — funcionários, acionistas, credores, fornecedores, clientes, governo, judiciário, acadêmicos e opinião pública em geral — em aspectos como (i) atos de gestão e momentos de decisão; (ii) a questão da substância versus a forma; (iii) efeitos e resultados concretos; (iv) responsabilidades. Desfecho que pode trazer danos à credibilidade do novo diploma legal de recuperação de empresas por parte dos agentes mencionados.

Todos os que acompanham o setor aeronáutico, inclusive boa parte dos funcionários, sindicatos, fundos de pensão, fornecedores e credores da Varig, reconhecem que esta vem de um ininterrupto processo econômico-financeiro degenerativo há mais de uma década, mais acentuadamente nos últimos cinco anos, sem lograr reverter o dramático quadro que atingiu seu apogeu recentemente quando, pasmos, assistimos sua quase paralisação geral — falência geral de seus órgãos.

A principal causa recai sobre a questão de gestão e governança. Os esforços empreendidos não devolveram a saúde econômico-financeira da empresa apesar do vultoso volume de recursos despendido com um sem-número de consultorias nacionais e internacionais anos a fio (Alvarez and Marsal como a última empresa de reestruturação e a Deloitte como administrador judicial) e das várias alterações em sua diretoria (mais de 10).

O que teria faltado para que se concluísse em tempo hábil, há vários anos, que a melhor opção seria a alienação da empresa ou atração de novos investidores? Seus balanços financeiros demonstravam claramente que a empresa encontrava-se em queda livre com uma acelerada dilaceração de valor (patrimônio líquido negativo estimado de R$ 7,2 bilhões, endividamento de R$ 7,9 bilhões, receita líquida de R$ 6,6 bilhões e prejuízos de R$ 1,5 bilhões em 2005).

Por que razão deixar que se chegasse a uma recuperação liquidatória, com todas as características de uma falência, uma vez que já não detinha forças ou credibilidade suficientes para realizar uma recuperação real? O fato de haver apenas uma única parte interessada com algum capital para arrematar seus resquícios a valor residual, significativamente inferior ao preço mínimo estipulado de US$ 860 milhões não deixa dúvidas quanto aos erros estratégicos cometidos.

O segundo aspecto é a questão universal do direito da substância versus a forma. A estrutura de Varig Nova e Varig Velha desenhada foi a forma encontrada para permitir a liquidação do negócio principal da empresa na tentativa de evitar os efeitos sucessórios trabalhistas e fiscais e a formalização da falência cujos componentes já se encontravam factualmente caracterizados e as respectivas cominações legais.

Denominar os ativos reais e legítimos dos credores de “ativos podres” deixou todos atônitos, pois constitui uma violação aos direitos dos mesmos e confirma o temor dos investidores quanto à questão da segurança jurídica e os respectivos direitos dos credores nem sempre praticados no Brasil. Além disso, declarar que se a Varig quebrasse seria culpa de um de seus credores, argumento comumente adotado pelos dirigentes de empresas em fim de linha, é tentar de maneira inútil e malograda eximir-se de responsabilidade.

É inegável que o tratamento dado aos stakeholders da Varig não observou alguns dos principais ditames da Lei 11.101/05, nova Lei de Falências.

O enorme lapso de tempo desperdiçado prejudicou a um grande contingente de stakeholders. A frota ficou reduzida à quantidade mínima de 13 aeronaves. As rotas ficaram restritas inicialmente a ponte aérea Rio-São Paulo. O prestígio da empresa junto aos clientes ficou seriamente abalado. A participação de mercado foi drasticamente reduzida tanto no mercado nacional quanto internacional. Os milhares de funcionários — pilotos, tripulação, mecânicos, administração — que vinham fazendo todo o tipo de sacrifício pela empresa para que a mesma recuperasse seu vigor financeiro e que acreditaram nas promessas da administração, em sua grande maioria, perderão seus empregos. Os credores receberão seus créditos em 20 anos.

Estes dados sintetizam o que foi batizado de recuperação judicial (liquidação judicial seria o título mais apropriado)! É lastimável, pois essa bilionária destruição de valor poderia ter sido evitada.

Por último, mas não menos importante, há um aspecto de extrema relevância sobre o qual não vimos qualquer menção e que não pode ser olvidado, que é o da aferição e imputação de responsabilidades, inclusive de realização de um trabalho forense para aferir eventuais irregularidades para a tomada das medidas legais cabíveis.

Da mesma sorte, deve-se utilizar todo o material levantado e eventuais irregularidades praticadas para se realizar os ajustes regulatórios e legislativos apropriados para evitar que tragédias empresariais como esta voltem a ocorrer em nosso país. O Judiciário nacional deve igualmente fazer uma reflexão quanto aos eventuais erros cometidos nesse emblemático caso, em sua qualidade de peça central e imparcial do processo recuperatório judicial.