Folha de São Paulo
13/05/2007
Gravação revela insegurança
de pilotos
Transcrição da
caixa-preta do Legacy mostra desconhecimento em relação
ao equipamento antes do acidente com o Boeing da Gol
Lepore e Paladino ficaram meia hora calculando peso do
jato; transponder ficou inoperante e alteração
de altitude não foi feita
LEILA SUWWAN DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Demonstrando incertezas sobre o pouso e a decolagem na
escala prevista em Manaus, os pilotos do Legacy da ExcelAire,
Joe Lepore e Jan Paladino, passaram cerca de 30 minutos
concentrados com cálculos de peso do avião
em um laptop depois de sobrevoar Brasília.
Foi neste período que ocorreram dois fatores que
contribuíram para a colisão: o transponder
ficou inoperante e a mudança de altitude do plano
de vôo não foi feita.
A transcrição original em inglês da
caixa-preta do Legacy mostra que Lepore e Paladino não
estavam confiantes no vôo inaugural do jato. Expressaram
falta de familiaridade com equipamentos, "medo"
de cometer erros e desconhecimento de informações
operacionais do vôo em diversos momentos do diálogo
que antecedeu o acidente do dia 29 de setembro de 2006,
que deixou 154 mortos.
No relatório parcial da investigação
aeronáutica do acidente, o Cenipa (Centro de Investigação
e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos)
anunciou como um dos próximos quatro pontos focais
de apuração o "conhecimento e preparo
previstos aos pilotos do N600XL [nome do Legacy] para
a realização do vôo no Brasil".
O treinamento dos pilotos para operar o Legacy era uma
obrigação contratual da Embraer. Ambos passaram
pela academia americana FlightSafety no mês de agosto,
em que obtiveram proficiência. E receberam instrução
adicional da Embraer em setembro em São José
dos Campos (SP) -inclusive no uso de um software instalado
no laptop de Lepore para cálculos de desempenho
de vôo, como peso e equilíbrio.
Quando o transponder parou de funcionar, às 16h02
(horário de Brasília), estavam justamente
fazendo esses cálculos. Não se sabe ainda
o que levou o transponder a ficar inativo, mas há
consenso de que não foi proposital. Sem ele, os
controladores não sabiam a altitude real do avião,
e o TCAS (alerta anticolisão) não funciona.
O aviso na cabine de inoperância dessa linha de
transponder também foi considerado precário,
e o FAA (Administração Federal de Aviação,
na sigla em inglês) nos Estados Unidos já
recebeu recomendação de segurança
da NTSB (National Transportation Safety Board, a agência
de segurança de vôo dos EUA) para alertar
todos os pilotos sobre isso e pedir mudanças no
aparelho.
Ambos os pilotos são licenciados para voar em aeronaves
Embraer-145 e já afirmaram -em entrevista à
Folha em dezembro do ano passado- que estavam familiarizados
com o avião. Mas, nesse vôo, expressaram
dificuldades com: cálculo do centro de gravidade,
o uso do FMS (Flight Management System, gerenciador de
dados de vôo), acesso a dados meteorológicos
e cálculos de peso e queima de combustível
do avião. Falam várias vezes sobre "ler
o livro" ou ter o livro, referências a manuais
técnicos.
São justamente essas questões que dominam
a conversa na cabine durante praticamente todo o período
no qual ficaram sem se comunicar por rádio com
o centro de Brasília.
Em fevereiro, a Folha publicou reportagem com trechos
da tradução dos diálogos dos pilotos
que foi entregue à Polícia Federal e revelou
que os pilotos tiveram problemas com equipamentos, como
o FMS .
A Folha obteve agora a íntegra da transcrição
original em inglês feita pelo NTSB, que identifica
de quem são as vozes citadas como Hot-1 e Hot-2
e mostra que há imprecisões na tradução
já realizada.
A transcrição foi realizada por investigadores
do NTSB e FAA, com participação da ExcelAire.
Na capa, um aviso de que trechos isolados ou fora de contexto
podem induzir a conclusões equivocadas.
Folha de São Paulo
13/05/2007
"Vai ser um pouso difícil",
alerta co-piloto
Depois da colisão com
Boeing, Paladino comenta com colega que jato havia sido
"esquecido" pelos controladores de vôo
Só após o choque com o avião da Gol,
comandante percebe, perplexo, que o sistema anticolisão
do Legacy estava desligado
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Dois minutos depois da colisão com o Boeing da
Gol, o co-piloto Jan Paladino -mais experiente em jatos
semelhantes ao Legacy e demonstrando mais controle da
situação dramática na cabine- assume
o comando do avião para fazer o pouso na base militar
na Serra do Cachimbo com o seguinte aviso: "Coloquem
os cintos. Vai ser um pouso difícil".
O comandante, Joe Lepore, recém-certificado para
pilotar esse tipo de avião, ficou, ao que indica
a caixa-preta, em choque ou perplexo, especialmente depois
de constatar em voz alta que o TCAS (sistema anticolisão)
estava mesmo desligado.
Durante os 26 minutos entre a colisão e o pouso
de emergência, Lepore comentava que "bateram
em algo".
Pragmático, Paladino já havia localizado
o aeroporto mais próximo, iniciou a descida atento
a outros aviões, deu instruções a
Lepore e aos passageiros que vieram à cabine e
tentava controlar a aceleração excessiva
durante a descida.
Seis minutos antes de pousar, a tensão começa
a subir na cabine porque o avião começa
a dar sinais sonoros (três apitos) e uma voz mecânica
pede o acionamento do trem de pouso. Isso acontece 26
vezes em três minutos. Paladino diz: "Foda-se
a buzina, não se preocupe". Ele opta pelo
acionamento no último momento.
Em seguida, comenta de forma retórica: "...
o problema é que eles perderam a porra do radar"
-indicação de que pode ter compreendido
que o TCAS desligado significava que o transponder estava
desligado e, portanto, o controle de tráfego aéreo
não tinha dados precisos de radar na tela.
Segundos antes do pouso, Lepore volta a comentar: "Nós
batemos em algo, cara. Nós batemos em outro avião.
Eu não sei de onde da porra ele veio".
Ao tocar o solo, Paladino dá gargalhadas e exclama:
"Porra, estamos vivos".
Os cinco passageiros aplaudem e Paladino começa
um dos vários pedidos de desculpas ao colega por
tomar o comando. "Desculpa, cara. Eu não tive
a intenção de fazer isso contigo."
Quando estão quase estacionados, Paladino traça
o cenário de que foram "esquecidos" pelos
controladores. "Eles provavelmente estavam tentando
fazer com que a gente descesse. Mas provavelmente a gente
não estava no radar. Ou eles fizeram merda ou simplesmente
não..", prossegue.
"Eu tentei pegar eles. Isto não está
certo. Eu não falei com ninguém por um longo
tempo", disse Paladino. Posteriormente, foi verificado
que nem o Legacy nem Brasília tentaram contato
por rádio por 35 minutos. "Mas eu estou preocupado
com o outro avião. Se nós batemos em outro
avião...", conclui Lepore. (LS)
Folha de São Paulo
13/05/2007
"Conversa demonstra prudência"
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O advogado de Joe Lepore e Jan Paladino no Brasil, Theo
Dias, disse que a discussão na cabine sobre cálculos
de peso e a escala em Manaus é uma demonstração
de "prudência e responsabilidade" dos
dois pilotos porque eles aproveitaram a normalidade do
vôo para planejar o próximo. Também
afirmou que o uso de laptops na cabine é "absolutamente
normal".
Dias afirmou que o treinamento dos pilotos para aeronaves
da linha Embraer-145, feito um mês antes do vôo,
não implica falta de familiaridade com o jato.
"Eles foram devidamente treinados, certificados e
autorizados, conforme dita a lei."
"Não houve nenhuma falha no uso de equipamentos
que pode ser associada a despreparo ou desconhecimento
da aeronave", disse Dias.
A reportagem não obteve resposta da assessoria
de imprensa da academia FlightSafety nos Estados Unidos.
E a Embraer não respondeu à série
de questionamentos sobre o avião e o treinamento
fornecido aos pilotos, inclusive pelos pilotos e engenheiros
da empresa em São José dos Campos. "Não
vamos comentar", informou.
Para Theo Dias, os pilotos estão sendo usados como
bode expiatório do acidente. "Escolheram os
pilotos americanos como bode expiatório. É
a pizza perfeita para o processo", disse, em referência
às conclusões da Polícia Federal,
que indiciou apenas Lepore e Paladino.
No caso dos controladores, a PF avaliou que não
poderia indiciar militares. As falhas do controle de vôo
fazem parte da investigação do acidente,
prevista para ser concluída até o fim deste
ano.
Segundo o advogado, não houve indicação
de falha de transponder para os pilotos e não havia
razão para suspeitar de falha de comunicação
porque estavam ouvindo no vôo falas em português
no rádio.
Folha de São Paulo
13/05/2007
Fazer pouso em Manaus foi a 1ª
preocupação
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os norte-americanos saíram de São José
dos Campos rumo aos EUA e fariam uma escala em Manaus.
A questão do pouso na cidade surge por volta das
15h43, e o assunto é retomado de forma mais intensa
pelos pilotos às 15h54.
"Conseguiremos, seremos capazes de pousar lá",
diz o piloto Joe Lepore às 15h54.
"Vamos somente nos preocupar com a decolagem primeiro.
Quero dizer, vamos ver se vamos conseguir fazer uma decolagem,
já que vamos estar lá mesmo", diz o
comandante.
O co-piloto Jan Paladino responde: "Precisa pousar
primeiro". Daí os pilotos iniciam os cálculos
de peso e comentam não conhecer "as máximas".
"Eu preciso memorizar essas máximas",
diz Paladino. "Precisamos fazer uma cola para nós,
sabe", responde Lepore. Neste exato minuto, 16h02,
o transponder fica inoperante -não há indicação
de que isso é percebido nas falas.
Pouco depois, Lepore diz: "Ei, nós vamos fazer
o que for preciso. Precisamos sair do chão, certo?".
Ao que o co-piloto diz algo sobre "ter segurança"
num "país estrangeiro no meio da porra da
Amazônia".
Dez minutos mais tarde, em tom mais descontraído,
o piloto diz: "Podemos fazer o pouso, sem problema.
Só precisamos pegar uma coisa. Nada como dar umas
batidas no maldito avião no seu primeiro vôo".
O co-piloto brinca: "É. Você vai ficar
preso numa porra de lugar no meio da Amazônia, desconhecida
e bela".
A preocupação com a escala em Manaus pode
ter sido causada por um problema na decolagem de São
José.
MONITOR MERCANTIL
07/05/2007 - 18:27
Futuro comprometido
Roberto Mohamed - Advogado
e Comentarista Político
O Sistema de Previdência Complementar no Brasil,
integrado, de um lado pelos fundos de pensão e
de outro, pelas seguradoras e bancos, sofre do mesmo mal
que acomete todo e qualquer projeto de longo prazo neste
país: a falta de planejamento e a impunidade dos
maus administradores. O denominado sistema aberto, integrado
por seguradoras e bancos, regulamentado e fiscalizado
pela Superintendência de Seguros Privados (Susep)
ainda merece crédito, pelo menos aqueles geridos
por empresas sólidas e com credibilidade no mercado.
Não é a toa que a maior operadora de planos
de previdência privada do país pertence a
um dos três maiores bancos nacionais, o Bradesco.
A fiscalização da Susep deixa a desejar,
mas sem dúvida é muito mais eficiente do
aquela feita pela Secretaria de Previdência Complementar
(SPC) que regula e fiscaliza os fundos de pensão.
Além disso, o sistema aberto é fiscalizado
de perto pelo mercado e qualquer possibilidade de má
gestão é logo percebida e tornada pública.
De outro lado, o sistema fechado é hoje sinônimo
de impunidade, irresponsabilidade e tráfico de
influências políticas ou financeiras. Até
os fundos patrocinados por empresas privadas apresentam
problemas, como é o caso do Aerus, integrado pelos
funcionários do Grupo Varig. Sucessões de
intervenções desastrosas e diretorias desonestas
levaram a insegurança a se tornar cotidiana na
vida de milhares de aposentados que dependem desses fundos
para seu sustento e de suas famílias. Mas quem
é o grande responsável por isso?
Desastres administrativos
O Portus, fundo de pensão dos empregados das companhias
Docas, quase todas estatais controladas pela União,
é o maior exemplo da irresponsabilidade coletiva
na administração do patrimônio popular.
Administrado por uma mesma diretoria por oito anos, o
fundo foi alvo de duas auditorias da SPC. Na última,
os auditores expressamente pediram o afastamento da diretoria
após detectar mais de R$ 250 milhões desviados
do patrimônio da entidade.
E o que fez a SPC? Advertiu a diretoria pelo Diário
Oficial. Foi preciso a denúncia dos sindicatos
e da imprensa para que a diretoria fosse afastada e um
interventor nomeado. Descobriu-se que o rombo chegava
a mais de R$ 400 milhões em investimentos mais
que suspeitos. A penalidade aplicada aos diretores? Multas
de R$ 6 mil para cada um. O Ministério Público
Federal, instado a abrir inquérito para apuração
de responsabilidades, manifestou-se em dúvida se
haveria dano ao patrimônio público e o inquérito
encontra-se parado aguardando o julgamento dos recursos
administrativos dos ex-diretores na SPC.
É difícil entender como lesar o patrimônio
de quase 15 mil portuários e suas famílias,
cidadãos que confiaram no sistema de previdência
complementar fiscalizado pelo governo, não é
considerado crime contra a economia popular pelo MP. Ou
será que o Ministério Público não
defende mais os interesses difusos e coletivos? Mas o
que importa é que, com essa omissão e com
a lentidão da SPC, quem vem pagando a conta são
os trabalhadores portuários aposentados.
O caso Aerus
Os aposentados da Varig passam hoje pelo desespero de
aguardar a qualquer momento a liquidação
de seu fundo de pensão. Mas onde estava a SPC durante
mais de uma década de ataques da Fundação
Rubem Berta ao patrimônio do Aerus? Quem é
o responsável pela omissão do órgão
público encarregado da fiscalização
do patrimônio popular? O governo leiloa o cargo
de ministro da Previdência. O ministro escolhido
nomeia o responsável pela Secretaria de Previdência
Complementar. Este, responsável por fiscalizar
os fundos de pensão, tem como obrigação
manter a credibilidade do sistema sob pena de quebrá-lo.
Mas quando essa fiscalização é omissa,
quando não conivente, com a má administração
e a desonestidade, quem paga a conta? Aqueles que não
podem exercer seus direitos, mas que sempre ficam com
todas as responsabilidades? Me parece que chegou a hora
de dar um basta a essa situação e o Ministério
Público é importantíssimo nessa reação.
Sindicatos e associações de classe devem
se manter independentes e responsabilizar aqueles que
são os verdadeiros culpados pela situação
destes fundos.
Patrocinadores, diretores e o governo devem ser responsabilizados
e manter a segurança daqueles que contribuíram
durante anos, mediante a promessa de tranqüilidade
após a sua aposentadoria. Mas quando federações
de trabalhadores passam a indicar nomes para as diretorias
dos fundos, quando o mesmo grupo político controla
a patrocinadora, os sindicatos e o órgão
fiscalizador, o perigo aumenta vertiginosamente.
Até mesmo pessoas honestas acabam corrompidas
pelo poder sem fiscalização. Por isso o
participante, ativo ou aposentado, não pode se
acomodar esperando que alguém faça algo
por ele. Como disse o nosso "Grande Líder"
em um de seus arroubos verbais, chegou a hora de levantar
da poltrona e ir à luta. Pelo menos nisso ele está
certo.