:::::RIO DE JANEIRO - 10 DE SETEMBRO DE 2006 :::::

 

Folha de São Paulo
10/09/06
Oferta de vôos ao exterior cai 45% sem Varig
DA REPORTAGEM LOCAL

A dificuldade atual de viajar para a Europa reflete a queda de oferta de assentos decorrente da saída da Varig de vários destinos internacionais. Em julho, a oferta de vôos ao exterior pelas companhias aéreas brasileiras caiu cerca de 45% ante o mesmo mês do ano passado.
Só a oferta da Varig caiu 76%. Segundo especialistas, a demanda cresceu em relação ao ano passado, mas acabou sendo restringida pela falta de assentos disponíveis. Dessa forma, muita gente não conseguiu viajar ao exterior em julho.
Foi o mês em que a Varig anunciou que suspenderia a operação da maior parte de seus vôos internacionais -atualmente, a aérea voa apenas para Buenos Aires, Frankfurt e Caracas. Com isso, os vôos para algumas cidades européias passaram a ser operados por apenas uma companhia, sem aumento de freqüências. Para a Itália, por exemplo, depois que a Varig parou de operar, apenas a Alitalia voa atualmente.
No caso dos vôos para os EUA, o problema não foi tão grande, apesar de também apresentarem altas taxas de ocupação. As aéreas americanas têm direito a 105 vôos ao Brasil e as brasileiras têm direito à mesma quantidade de vôos, mas atualmente só a TAM voa para os EUA.
Na avaliação de agências de viagem e especialistas, entretanto, a dificuldade de obter lugar em vôos internacionais deve ser amenizada em outubro e novembro, a partir de quando algumas companhias aéreas devem aumentar a quantidade de vôos. A TAM, por exemplo, começará a operar um vôo diário para Londres a partir de 28 de outubro.
Mesmo assim, o impacto da saída da Varig desses vôos deve ser só amenizado, e não totalmente compensado.
O atual impasse entre a Justiça do Rio, que proibiu a redistribuição imediata das freqüências internacionais que a Varig deixou de operar, e a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), que regula o setor, complicou ainda mais o cenário. (MP)

 

 

Valor Econômico
08/09/2006
Quando era permitido voar em paz
Por Pedro Augusto Leite Costa, para o Valor


Numa ensolarada - e rara - manhã em uma choupana em Hood Canal, a leste de Seattle, o engenheiro Joe Sutter foi acordado pelo vizinho, que, aflito, dizia que a direção da Boeing estava lhe chamando ao telefone. Sonolento, Sutter colocou as botas, andou alguns minutos, atendeu o telefone e aceitou a maior missão de sua vida: construir o maior avião fabricado até então, o Boeing 747, o popular Jumbo, uma exigência da hoje extinta Pan Am, a maior companhia aérea do mundo na época, que preconizava uma forte demanda no transporte intercontinental já no fim da década de 60.


Jumbo 747 exibe números que impressionam: em quase 40 anos, levou 3,5 bilhões
de passageiros e percorreu mais de 56 bilhões de quilômetros

Viajar de avião, até aquele momento, era coisa de rico. O 747, feito em menos de quatro anos por 4.500 técnicos, equipe apelidada de "Os Incríveis", voou pela primeira vez em 1969 - mesmo ano que Neil Armstrong pôs os pés na Lua - e, desde então, carregou 3,5 bilhões de passageiros (o equivalente a metade da população mundial) e viajou mais de 56 bilhões de quilômetros - ou 75 mil viagens de ida e volta à, mesma, Lua. Mais do que tudo, os quase 1.500 Jumbos construídos até hoje foram responsáveis pela metade do transporte aéreo internacional de cargas - como flores, frutas e milhares de produtos perecíveis ou de alto valor agregado.

Para Joe Sutter, hoje um respeitável vovô de 85 anos que vive em Seattle, só há duas maneiras de se economizar no transporte aéreo: ou se aumenta a capacidade de carregar passageiros e cargas - o Jumbo diminuiu o custo por passageiro em mais de 30% - ou se aumenta a velocidade dos aviões, fazendo com que a aeronave faça mais viagens em menos tempo. O Boeing 747, diz ele em sua recém-lançada biografia "Creating the World's First Jumbo and other Adventures from a Life in Aviation" (literalmente, criando o primeiro Jumbo do mundo e outras aventuras da vida na aviação), atende esses dois requisitos, embora quase tenha sido ferido de morte quando os árabes aumentaram o preço do petróleo na década seguinte ao seu lançamento.

O avião, chamado até hoje de "rainha dos ares", é um prodígio tecnológico que deixaria de joelhos nosso Pai da Aviação, Santos Dumont, ou os Irmãos Wright, como os americanos chamam os inventores do avião (na verdade, diz quem conhece essa eterna pendenga, tanto Dumont quanto os irmãos podem receber o título - a única diferença é que o brasileiro fez o maior estardalhaço com seu 14 Bis, que voou há exatos cem anos, enquanto o feito dos americanos ficou circunscrito, durante um bom tempo, a uma fazenda na Carolina do Norte).

O 747, cujo maior charme, além do tamanho (pesa 439 toneladas), é o segundo andar, reservado para a classe executiva e a cabine de pilotagem, mede o equivalente a um prédio de seis andares. Sua asa, de mais de 500 metros, poderia carregar 45 automóveis. Seu tanque de 240,3 mil litros faz com que ele possa ir de Nova York a Hong Kong, na China, sem escalas (ou o equivalente a 1/3 de uma volta completa na Terra), pousando suavemente com seus 16 pneus, mas não em qualquer aeroporto.

Embora não seja o maior avião do mundo - ainda perde para soviético Antonov An-225 e vai perder para o Airbus A380, que foi testado na segunda-feira -, o Jumbo pode carregar de 413 a 524 passageiros, dependendo da configuração da cabine, o que o tornou um dos produtos de maior sucesso da Boeing, especialmente na área do Pacífico asiático, onde é utilizado especialmente para rotas nacionais.

No livro do engenheiro Joe Sutter se destaca a figura de Juan Trippe, o todo-poderoso chefão da Pan Am, que encomendou as 25 unidades do 747 por mais de US$ 500 milhões. Muita gente, segundo Sutter, desconfiava de uma provável crise do petróleo, mas, mesmo assim, acreditava-se no potencial do avião gigante para o transporte de carga. Sendo assim, diz ele, a Boeing manteve o projeto e construiu o maior (não o mais alto) edifício até hoje construído, em 3 milhões de metros quadrados na cidade de Everett, ao norte de Seattle.

Batizado em 1970 pela primeira-dama Pat Nixon no Washington Dulles International Airport, o 747 sofreria o primeiro revés três anos depois. Com a crise do petróleo aliada à estagnação econômica dos Estados Unidos, ficou difícil encher de passageiros essa jamanta do ar.

Num ato de desespero, a American Airlines chegou a trocar as cadeiras do segundo andar por um piano-bar, na tentativa de atrair mais clientes. Mas, logo em seguida, a American acompanharia a Continental, Air Canada, SAS e TAP, entre outras, desistindo do 747. No entanto, o sucesso permaneceu na Ásia, especialmente na Japan Airlines, que ainda tem 78 aeronaves desse tipo.

Mesmo com esses reveses, a Boeing adora o 747, como de resto o povo americano. Não só porque o 747 é o transporte oficial do presidente dos Estados Unidos - o Air Force One -, mas também representa todo o poderio econômico-militar do país, sendo até motivo de selo comemorativo e de dezenas de filmes em Hollywood, como o horripilante thriller "Serpentes a Bordo", de David R. Ellis, que estréia no Brasil neste fim de semana. É também o avião contra o qual foi realizado um dos maiores ataques até hoje desfechados contra os EUA, quando explodiu em Lockerbie, na Escócia, matando 270 pessoas de 21 países.

Em 2005, a Boeing anunciou o 747-8, ou 848 Advanced, um avião mais econômico, para competir com o Airbus A380. Desde o início da década, a Boeing promove uma política de globalização da construção da aeronave, que tem seis milhões de peças fabricadas em 33 diferentes países. Mesmo assim, o 747 é um gasólatra. Consome, em média, quatro litros de combustível a cada segundo, o que representa 150 mil litros numa viagem de dez horas. O suficiente para você encher o tanque do seu automóvel por muitas gerações.

"Creating the World's First Jumbo and other Adventures from a Life in Aviation" - De Joe Sutter. Smithsonian Books/Harper Collins