Folha
de São Paulo
10/02/2008
Disputa entre os sócios
da VarigLog vira caso de polícia
Sócio brasileiro registra
boletim de ocorrência em que diz ter sido ameaçado
por advogados que trabalham para fundo americano
Escritório nega acusação e diz
que recebeu "proposta indecorosa" de representantes
brasileiros; empréstimos são origem de
disputa
MAELI PRADO DA REPORTAGEM LOCAL
JANAINA LAGE DA SUCURSAL DO RIO
A
disputa entre os sócios brasileiros da empresa
de carga VarigLog e o fundo de investimento americano
Matlin Patterson, que também tem participação
na companhia, chegou à polícia. Os primeiros
registraram um boletim de ocorrência dizendo que
foram ameaçados por advogados ligados ao fundo.
Estes, por sua vez, dizem que receberam uma proposta
"indecorosa" dos representantes no país
da empresa de carga.
Um dos sócios, Marcos Haftel, registrou boletim
de ocorrência na última quinta-feira dizendo
ter sido ameaçado pelos advogados Cristiano Martins
e Valeska Teixeira, que agora trabalham, segundo os
brasileiros, para o fundo.
O escritório dos advogados, o Teixeira, Martins
& Advogados, de Roberto Teixeira, compadre do presidente
Lula, assessorava a VarigLog desde 2006 e deixou de
prestar serviços à empresa neste ano.
Segundo o boletim de ocorrência, na quarta-feira
os dois advogados teriam ligado para o celular de Haftel
afirmando: "Agora vocês vão ver quem
pode mais, nós vamos usar a nossa força
no governo contra vocês."
Procurada, a assessoria de imprensa do escritório
nega o diálogo. Diz ainda que os sócios
brasileiros não pagam o escritório desde
julho de 2007 e que seus advogados receberam "proposta
indecorosa" dos representantes brasileiros da empresa.
Tal proposta envolveria, entre outros pontos, intermediar
com o fundo uma indenização aos executivos
e um pagamento de US$ 50 milhões para que os
sócios brasileiros "desistam" da VarigLog.
Os brasileiros negam ter feito a oferta.
O representante do fundo no Brasil, Lap Chan, afirma
que o escritório de Teixeira não o auxilia
na disputa societária.
As acusações de parte a parte se acumulam.
Chan diz que brasileiros nunca pagaram os empréstimos
feitos para a compra da Varig. Estes afirmam que eles
só têm que ser pagos em agosto de 2011
(leia nesta página entrevistas com Chan e com
Marco Antonio Audi, um dos três sócios
brasileiros).
O Matlin Patterson é o que se chama no mercado
de "fundo abutre": investe em empresas em
dificuldades, melhora a gestão e as revende com
lucro. Ele se associou a três brasileiros (Audi,
Haftel e Luiz Eduardo Gallo) para investir na Varig-
Log, ex-subsidiária de transporte aéreo
de cargas da Varig.
A associação com brasileiros era obrigatória
em razão da lei, que limita a participação
de estrangeiros em companhias aéreas a 20% do
capital votante. Com o agravamento da crise da Varig,
a VarigLog comprou as operações da empresa
aérea em leilão em 2006. Em 2007, a Varig
foi revendida à Gol.
Hoje, o fundo questiona na Justiça a devolução
dos recursos que investiu na empresa.
Há receio de que a disputa se reflita no desempenho
da empresa, que diz operar 19 aviões. A VarigLog
deixou de utilizar cinco Boeings-757, alvos de pedidos
de reintegração de posse da Wells Fargo,
ligada ao próprio Matlin. "A empresa agüenta.
Tem dificuldades de fluxo de caixa, mas hoje negociamos
empréstimos", afirma Audi.
Folha
de São Paulo
10/02/2008
Passaram a perna na gente, afirma
executivo de fundo
DA REPORTAGEM LOCAL
FOLHA - Qual é a situação
da VarigLog hoje?
LAP CHAN - A gente está fora
da operação. O que sei, pelo mercado,
é que a situação dela está
piorando a cada dia.
FOLHA
- E se essa briga se estender por dois ou três
anos na Justiça?
CHAN - A empresa não tem tanto
tempo para sobreviver. Infelizmente, com essa briga
e os títulos protestados, ela está com
um sério problema para pagar as contas.
FOLHA
- Quanto somam os empréstimos e investimentos
do fundo para Varig e VarigLog?
CHAN - O total soma US$ 400 milhões.
FOLHA
- Os sócios brasileiros dizem que vocês
anteciparam a data do pagamento dos empréstimos...
CHAN - Está errado. Ninguém
empresta US$ 400 milhões sem botar uma data específica
para receber. O fundo tem toda a documentação
atualizada e isso está no processo.
FOLHA
- Durante muito tempo comentou-se no mercado que o fundo
comandava as empresas, e agora os brasileiros ficaram
sozinhos na gestão. O que aconteceu?
CHAN - Sentimos que passaram a perna
na gente. Tudo o que o fundo fez foi dentro da lei.
Meus investidores sentem que estão sendo enganados.
FOLHA
- A VarigLog não é um investimento menor
no portfólio do fundo?
CHAN - É um investimento muito
grande para o fundo, quase 20% do capital. Não
estamos nos preocupando com dinheiro pequeno.
FOLHA
- Quando começou a briga?
CHAN - Começou com a venda da
Varig para a Gol. Isso foi finalizado em abril e a idéia
era receber logo o dinheiro. Como não foi devolvido,
passou por contas lá fora e depois entrou na
Suíça. Nossos investidores ficaram muito
preocupados.
FOLHA
- Qual indício vocês têm de que foi
aberta uma conta na Suíça?
CHAN - A confirmação
é que o financeiro me informou. Fui lá
procurar e encontrei.
FOLHA
- O Roberto Teixeira passou a ser o advogado de vocês
na briga societária?
CHAN - Não, na briga societária
não. Ele é advogado de outras operações
que a gente está olhando no momento.
FOLHA
- Em qual segmento o fundo é mais presente hoje?
CHAN - Já tivemos uma fase focada
em telecomunicações e depois um momento
ligado a companhias aéreas. Agora, nos EUA, estamos
focando a área do "subprime", dos empréstimos
bancários de casas [para pessoas com histórico
ruim de pagamento]. Depende de onde o mercado cria oportunidades.
Folha
de São Paulo
10/02/2008
Matlin Patterson cria
factóides, diz sócio da VarigLog
DA REPORTAGEM LOCAL
FOLHA - O fundo afirma que até
agora não foi pago pela VarigLog. Quando esse
dinheiro deveria ter sido depositado?
MARCO ANTONIO AUDI - Todos esses empréstimos,
por contrato, vencem em agosto de 2011. Esses acordos
têm cláusulas que dizem o seguinte: os
contratos vencem antecipadamente em caso de a empresa
tomadora do empréstimo ser vendida. Qual é
a empresa que tomou o dinheiro? Chama-se VarigLog, e
esta empresa não foi vendida. Eles estão
ilegalmente, irregularmente, tentando fazer o vencimento
antecipado desse contrato. O contrato deixa claro que
não é a venda da VRG [nova Varig], que
é a negociação da tomadora do empréstimo.
FOLHA
- Lap Chan, representante do fundo, afirma que os sócios
brasileiros "passaram a perna" nele.
AUDI - Eles acusaram a gente de roubo
de tudo. Um juiz criminal já aceitou uma denúncia
nossa e eles vão responder, afirmando que nada
foi tirado da companhia. Diga para ele falar e assinar.
Põe isso no jornal, vamos processar na hora.
Eles só falam atrás do muro.
FOLHA
- Qual foi essa denúncia?
AUDI - Eles disseram que desviamos
dinheiro da companhia para contas na Europa. Foi comprovado
pelo próprio juiz que o dinheiro está
na conta da própria empresa, e eles foram denunciados
por injúria. [...] Eles não são
nossos sócios, eles são donos de 60% da
empresa, é mais que ser um simples sócio.
Eles travaram o caixa da companhia com o objetivo puro
e claro de deixá-la asfixiada, é o modus
operandi deles, não fizeram isso só com
a VarigLog.
FOLHA
- Qual a vantagem de fazer isso?
AUDI - Expulsar a gente da sociedade,
isso é claro.
FOLHA
- Lap Chan diz que o dinheiro foi desviado para uma
conta na Suíça.
AUDI - Está mais do que comprovado
que nenhum dinheiro saiu da conta da empresa. O dinheiro
que congelaram pela execução está
em uma conta em um banco na Suíça, mas
é uma conta da própria VarigLog. Ela tem
contas em vários países. Estão
criando inverdades para gerar factóides. Esse
é o jeito deles, vão inventando.
FOLHA
- Vocês estão pagando em dia os
fornecedores? Segundo Lap Chan, a VarigLog "está
com um sério problema de pagar as suas contas".
AUDI - Lap Chan é assim, um
inconseqüente. O próprio fundo trava o caixa
da companhia [por meio da ação judicial
que congelou contas da empresa] e espalha no mercado
que ela atrasa pagamentos.
Revista
Consultor Jurídico
09/02/2008
Fumaça e fogo
Crise aérea ainda está
longe de ser solucionada
por Fabiana de Oliveira Cunha Sech
O
anúncio da continuidade dos Juizados Especiais
nos principais aeroportos do país, por ato do
Conselho Nacional de Justiça, é um sinal
de que a ainda há fogo a ser apagado no incêndio
do sistema aéreo brasileiro.
A
instalação destes Juizados deu-se sob
regime de auxílio aos passageiros no combate
ao caos aéreo e, portanto, previsto inicialmente
para perdurar até 31 de janeiro do corrente ano.
Ao se fazer um breve retrospecto sobre a chamada crise
aérea, levanta-se não só a confusão
organizacional de todo o sistema, mas um flagrante e
constante desrespeito ao consumidor, demonstrando todos
os problemas da Administração Pública.
O
ano de 2006 findou com a exposição, nua
e crua, das fragilidades e mazelas do sistema aéreo
do país — ocasionadas por graves problemas
estruturais e econômicos e pelo descaso das autoridades
públicas — com motim dos controladores
de vôo e, infelizmente, com a queda do avião
da companhia aérea Gol e morte de 154 passageiros,
cujo resgate foi referido com “delicadeza”
singular pela então diretora da Anac (Agência
Nacional de Aviação Civil) na época
das buscas na floresta amazônica.
No
balanço de 2007, acrescentou-se, ainda, a quebra
da BRA, a queda de outro avião, desta vez da
companhia aérea Tam, e lamentavelmente a morte
de mais 199 cidadãos brasileiros que certamente
honravam os tributos do país que tem uma das
maiores cargas tributárias do mundo, cujo alento
à pátria comovida foi o “sábio”
conselho da Ministra do Turismo sobre como enfrentar
os infindáveis atrasos nos aeroportos e o “humanitário”
gesto do assessor da presidência sempre atento
aos noticiários.
Neste
ínterim mudaram-se os principais dirigentes da
Anac, para o Ministro da Defesa e instalou-se um braço
do Poder Judiciário, por meio dos Juizados Especiais,
dentro dos principais aeroportos (Brasília, no
Galeão e Santos Dumont, do Rio de Janeiro e em
Congonhas e Guarulhos, de São Paulo), alardearam-se
melhoras nas condições de trabalho dos
controladores de vôo e a reestruturação
da malha aérea. Mas quais foram efetivamente
os resultados práticos sentidos pelo país?
O
aeroporto da capital do país foi eleito pela
revista americana Forbes o líder no ranking dos
menos pontuais. Segundo a edição, apenas
27% dos vôos decolam no horário, dado muito
inferior a países como Japão e Coréia,
por exemplo, que, ainda de acordo com a revista, possuem
97% e 95% de pontualidade, respectivamente. Os aeroportos
de São Paulo também estão entre
os cinco primeiros no ranking de impontualidade.
Na
contramão, as autoridades brasileiras, incomodadas
com a desonrosa liderança, anunciaram a criação
de uma espécie de fiscais de vôo, os quais
terão a incumbência de verificar, inclusive
dentro das aeronaves, a pontualidade das companhias,
como se os atrasos fossem ocasionados tão somente
por estas e como se tal medida fosse capaz de gerar
algum resultado satisfatório para os passageiros.
Porém,
é mais fácil investigar e culpar a iniciativa
privada que apontar as próprias chagas da Administração
Pública. As causas dos acidentes das companhias
aéreas Gol e Tam ainda não foram divulgadas
pela investigação oficial ou não
ao menos de forma clara e definitiva, o que impede os
familiares das vítimas de ao menos terem o direito
de buscar a responsabilização dos verdadeiros
culpados pelos sinistros, dando ensejo aos protestos,
em meio ao luto, tal como o realizado pela Associação
de Familiares e Amigos das Vítimas do Acidente
com o Airbus A 320 (Afavitam) na tarde de domingo, 20
de janeiro deste ano, no saguão do aeroporto
de Congonhas, em São Paulo.
Segundo
dados divulgados pelo Portal de Notícias G1,
seis meses após a maior tragédia da aviação
brasileira — o acidente da Tam — cerca de
80% das famílias das vítimas ainda não
foram indenizadas, 41 acordos foram concluídos
até agora — 30 foram pagos e 11 estão
aguardando pagamento.
Como
se não bastasse, cerca de 50 famílias
que não concordaram com o valor proposto, entraram
com ações na Justiça dos Estados
Unidos — onde acionam a Tam, a Airbus, as fabricantes
do reverso e do freio, além da empresa que faz
manutenção das aeronaves da companhia
aérea — visando com tal medida buscar a
real, rápida e eficaz prestação
jurisdicional que no Brasil, lamentavelmente leva anos
para ser conferida, a exemplo das famílias do
outro acidente da Tam, ocorrido em 1999, que ainda se
queixam de não terem recebido a indenização.
Paralelamente,
cidadãos empolgados com bilhetes domésticos
e internacionais da BRA foram surpreendidos com a notícia
da suspensão dos vôos da companhia, da
noite para o dia, sem nenhuma explicação
por parte das autoridades públicas que, como
meras expectadoras da atividade empresarial aérea,
mais uma vez nada fizeram para evitar o prejuízo
de milhares de passageiros.
Assim,
o embarque para a viagem pretendida tardou a sair e,
quando saiu, foi por meio de endossos para as demais
companhias, enfrentando dias de fila para conseguir
um lugar na nova aeronave. O retorno de muitos ficou
comprometido, sobremodo dos passageiros que se encontravam
no exterior para quem restou o consolo tão só
de pedir o reembolso da passagem, vez que em muitas
localidades as companhias internacionais recusaram-se
a aceitar o endosso.
Arrematando
suntuosamente o caos instaurado, adveio a notícia
que a BRA entrara com pedido de Recuperação
Judicial na 1ª Vara de Recuperações
Judiciais do Fórum João Mendes Jr., em
São Paulo, Processo 2007.255180-0 e, por conta
disto, todos os pedidos de reembolso feitos por passageiros
somente serão pagos quando e na forma apresentadas
pela companhia, nos termos do artigo 49 e 53 da Lei
11.101/05.
Para
toda a coletividade: para aqueles que vivem do turismo,
para aqueles que necessitam viajar frequentemente ou
que sonham com uma viagem de férias para um destino
distante, para os que anseiam pela Copa do Mundo de
2014 no Brasil, ou simplesmente para aqueles que, mesmo
sem voar, preocupam-se com a segurança e eficácia
do sistema aéreo e da própria imagem do
país, permanece a indignação e
a notória sensação de que ainda
há muito a ser feito para que um dia possamos
ter o privilégio de decolar e aterrissar no horário,
com a companhia escolhida, pagando um preço justo
e em perfeita segurança.
Indignação
esta que ainda pode aumentar. Com o fim da CPMF é
possível que mais uma vez o setor aéreo
perca os recursos tão necessários para
solucionar parte de suas deficiências estruturais.
A decisão, mais uma vez, está nas mãos
do Governo. Cabe aos cidadãos, no entanto, buscar
mecanismos para que as iniciativas em benefício
da maioria se estabeleçam, tal como pede a democracia.