O GLOBO
08/08/2007
UMA CARTA DO FILHO MORTO
ROBERTO DA MATTA (antropólogo)
Querido Papai.
Dois brutais
acidentes aéreos me trazem do espaço
onde vivo. É incrível que, em apenas
uma ano após a minha morte, um falecimento
súbito agenciado pelo assassinato da Varig,
pela instituição de um duopólio
e pelo descalabro aéreo que se seguiu,
a aviação brasileira tenha chegado
a tal descontrole. O colapso ultrapassou as piores
previsões, mesmo para quem está
na eternidade e vive na beatitude de um tempo
sem relógio. Uma existência sem rotina,
exceto quando alguma coisa chega ou parte para
o céu, quando ouço o soluço
de vossas saudades e orações, ou
quando algo terrível ocorre neste vosso
mundo de ambições e desejos.
Repito o lugar-comum
da comunicação entre os mortos e
vivos: estou bem. Mas os primeiros tempos foram
duros. Somos proibidos de olhar para vocês
porque a saudade que os mortos têm dos vivos
é insuportável. Só depois
da conquista de um certo radicalismo espiritual,
que nos cega e ensurdece tanto quanto o Lula gostaria
de ficar, é que somos liberados para algum
tipo de comunicação. A mais popular
são os sonhos, a mais mentirosa é
feita por pessoas, a amais satisfatória
é a da imaginação, daí
esta carta. Tudo o que aprendi se concentra numa
frase.
Papai, creia-me,
só o amor vence a morte.
Entendo bem o
vosso sofrimento. Sei da saudade da Rita, da Serena,
da Vitória e do Jerônimo. Lamento
muito não ter podido me despedir naquele
27 de julho em que fui chamado e, como um suspiro,
fiz a jornada para este mundo que vocês
teimam em chamar de “outro” –
esse espaço sem o qual a vida não
teria plenitude.
Nem os sábios
entendem esse “nada” que todos experimentam,
mas não transmitem. Esse vazio que, para
alguns, revela o absurdo que estabelece as crenças
e acentua ainda mais a intensidade desta coisa
que chamamos amor e solidariedade – isso
que eu aprendi com vocês e passei aos meus,
na família que constituí e não
posso mais acompanhar neste mundo sem alento e
com raros oásis que, por isso mesmo, é
vida.
Agora vejo tudo
com nitidez: fui levado ao caos aéreo.
Quando chegava dos meus vôos, nos velhos
e bons tempos da antiga Varig, eu dizia que a
coisa estava feia. Lembra-se do dia em que falei
que a morte da Varig era como ver a morte de uma
pessoa? Pois é, Papai, quem estava para
morrer era eu e, junto comigo, todos os que abraçaram
a profissão de “aviador” e
não mero “piloto” de empresas
descuidadas daquilo que, por desilusão
e conflito, arrebatou-me de vocês; a orgulho
e a confiança na companhia, que –
mesmo nos piores momentos da crise – tinha
cuidado com a segurança da tripulação,
dos passageiros e do equipamento. Tanto que repassamos
o nosso fundo de pensão para a Varig, mas
este governo o seqüestrou e até hoje
a Rita e as crianças nada receberam.
Não era
preciso virar espírito para saber que a
má vontade do governo para com a Varig,
que a recusa em ajuda-la, que o apelo mentirosamente
neutro ao mercado como – aí, sim
– o grande agente regulador da vida brasileira,
ia resultar em tragédia, colapso e paralisia.
Impossível, sem a malha da Varig, justo
a empresa que tinha mais experiência em
voar no Brasil, sustentar e atender, como mostrou
o vergonhoso “apagão aéreo”
a imensa demanda por vôos, aeroportos seguros,
controladores, aviões e aviadores,
Pior, porém,
que o apagão foi ver o sonambulismo gerencial
do qual somente agora o governo parece estar despertando.
Este governo que tudo sabia e prometia.
Outro dia encontrei
um tal de Tony Fry. Um sujeito ligado a um escritor
chamado James Michener que entende de tudo de
pistas de pouso, pois serviu na Marinha dos Estados
Unidos no Pacífico Sul, na década
de 40. Intuindo a minha suave perplexidade, pois
não tenho mais angústia, ele comentava
que nós, brasileiros, não sabemos
tomar decisões ou dividir responsabilidade.
Na guerra do Pacífico – complementou
-, os japoneses começaram vencendo, mas
reagimos e, no final, construímos uma pista
de pouso em três semanas! Felizmente vocês
nunca entraram numa guerra, pois, se entrassem,
as informações mais secretas certamente
vazariam. E, até decidirem contra-atacar,
a vitória seria do inimigo. Não
fosse um querubim lembrar onde estávamos,
eu teria quebrado a cara desse ianque abusado
com uma harpa.
Papai, esses
acidentes são resultado de um contexto.
Eles comprovam que tudo o que é humano
é político, mas que o político
num mundo movido a lucro requer controle e eficiência.
Ou seja, demanda uma política paradoxalmente
voltada para a despolitização partidária
e mesquinha. Só uma firme orientação
política despolitizada pode deter a brutalidade
das forças do mercado, colocando-o ao lado
dos cidadãos-consumidores. Sem isso, vocês
vão entrar na fase do assassinato estatal.
“Nenhum
aviador”, dizia nossa padroeira Nossa Senhora
de Loreto outro dia, “pode comandar uma
máquina tão complicadamente perfeita
num ambiente de insinuações, acobertamento
de falcatruas e sem um bendito mea culpa”.
O sistema só vai se recuperar quando ficar
entendido que político-partidário,
como você me ensinou, não é
tudo neste mundo maravilhoso que um dia foi também
meu.
Um beijo na Rita,
nas crianças, irmãos, sobrinhos,
cunhados, tias e na Mamãe.
Um abraço
saudoso e preocupado do seu filho,
Comandante Rodrigo
DaMatta
O Estado
de São Paulo
09/08/2007
Jobim exige mais espaço
em aviões
Segundo ministro, Anac
cobrará de empresas aumento de espaço
entre poltronas; assunto é ‘estudado’
há 3 anos
Tânia Monteiro e Renata Veríssimo
Depois de sete
anos de boom da aviação, o governo
determinou ontem que as empresas revejam a prática
de reduzir sistematicamente o espaço entre
poltronas para transportar mais passageiros. A
decisão, que amplia o conforto e fará
os aviões voarem menos lotados, foi anunciada
na CPI do Apagão do Senado pelo ministro
da Defesa, Nelson Jobim, 1,90 metro de altura,
110 quilos e um passageiro assumidamente incomodado
com o desconforto na classe econômica dos
aviões.
Jobim também
defendeu a aplicação de multas mais
pesadas às empresas, “economicamente
eficazes”, para garantir a pontualidade
de vôos. Segundo ele, muitas vezes as companhias
fazem a conta para ver se compensa colocar passageiros
em outro avião ou atrasar os vôos
e pagar a multa. “Então temos que
pensar nisso no sentido de criar a responsabilidade.”
Além da pontualidade, ele definiu como
paradigmas da prestação do serviço,
que serão exigidos pelo ministério,
segurança e regularidade.
Sobre as poltronas, o ministro disse que determinou
à Agência Nacional de Aviação
Civil (Anac) que reveja o “espaço
vital” entre as poltronas dos aviões,
assim como a espessura dos encostos. “O
espaço vital, que é o espaço
entre as poltronas, está absolutamente
reduzido, comprimido”, afirmou Jobim, admitindo
que, por sua altura, “tem dificuldade”
durante os vôos. “As empresas diminuíram
até a espessura do encosto dos assentos
para suportar o aumento drástico no número
de passageiros”, disse. “Se o cidadão
colocar uma garrafa de água na bolsa da
poltrona, a pessoa que está na frente terá
as costas agredidas na espinha.”
A indústria
aeronáutica tem fabricado poltronas cada
vez mais resistentes e finas. Mas as companhias,
em vez de usar esse ganho para liberar espaço
para os passageiros, adotaram a política
de ampliar a quantidade de fileiras de poltronas.
Até 1999, o Brasil contabilizava cerca
de 5 milhões de passageiros por ano (em
número de CPFs de compradores), com a venda
de 16 milhões de passagens. Em 2000, o
número de passageiros cresceu para 15 milhões,
com cerca de 40 milhões de passagens vendidas.
Foi no rastro dessa popularização
que a TAM se firmou como líder do mercado
e a Gol nasceu, em 2001. “O aumento de número
de vôos foi inferior ao crescimento da demanda.”
A Assessoria de
Imprensa da Anac afirmou ao Estado que não
recebeu nenhuma comunicação formal
de Jobim sobre a questão das poltronas.
Mas garantiu que, desde 2005, ano anterior à
criação da agência, autoridades
aeronáuticas fazem estudos sobre o problema.
“Os estudos estão em fase de conferência
dos dados fornecidos pelas empresas sobre o espaço
dos passageiros nas aeronaves.” Ou seja:
há três anos o assunto está
“em estudo”.
Jobim disse, ainda,
que o Brasil é o único país
cujas empresas não compram aviões
da Embraer, menores, destinados a vôos regionais,
porque tem preferido fazer vôos mais longos,
comprimindo passageiros. “É preciso
ter espaço para a aviação
regional.”
O Estado
de São Paulo
09/08/2007
Começam trocas na
diretoria da Infraero
Jobim nomeia novo diretor
de Operações e quer despolitizar
estatal
Tânia Monteiro
O ministro da
Defesa, Nelson Jobim, anunciou ontem a nomeação
do brigadeiro Cleonilson Nicácio Silva
para a diretoria de Operações da
Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária
(Infraero). Essa indicação significa
um primeiro passo rumo à tentativa de despolitização
das diretorias da empresa que, de acordo com o
ministro, não terá novas interferências
partidárias.
Tradicionalmente,
a diretoria de operações era ocupada
por militares, até que, na administração
passada, o PMDB conseguiu, no Planalto, emplacar
no cargo Rogério Barzellay. Ele já
havia sido pivô de uma crise política
no governo Fernando Henrique Cardoso, quando o
partido tentou colocá-lo na Companhia de
Docas do Pará.
Jobim se reunirá
na sexta-feira com o novo presidente da estatal,
Sérgio Gaudenzi, para definir os demais
nomes das diretorias. Jobim voltou a assegurar,
desta vez na CPI do Apagão Aéreo,
que haverá “exoneração
completa da diretoria da Infraero”. O ministro
não tocou no assunto com os parlamentares,
mas já reclamou com interlocutores das
tentativas para se tentar manter alguns de seus
integrantes, particularmente o diretor de Administração,
Marco Antônio de Oliveira, e a diretora
de Engenharia, Eleuza Terezinha Lores.
O senador Demóstenes
Torres (DEM-GO), relator da CPI do Apagão
no Senado, acusou ontem vários dos diretores
da estatal de integrar “uma gangue”
e “privilegiar empresas em licitações
fraudulentas”. Segundo o senador, “o
ministro já atropelou a Anac (Agência
Nacional de Aviação Civil) e tem
agora que destituir toda a diretoria da Infraero”.
Para ele, “honesto lá” era
apenas o ex-presidente, José Carlos Pereira.
O ministro contou
aos senadores que primeiro trocou a presidência
da Infraero e que, a partir de agora, vai redefinir
a diretoria, tudo sob o acompanhamento de Gaudenzi.
Jobim avisou, no entanto, que “não
há hipótese de partidarização
desses cargos”.
Folha
de São Paulo
09/08/2007
TAM é eleita a melhor
empresa de transporte de 2006
COLABORAÇÃO PARA
A FOLHA
Após protagonizar
o maior acidente aéreo do país,
que levou à morte 199 pessoas no último
dia 17, a TAM foi eleita a melhor empresa de transporte
de 2006 pela revista Exame, publicação
da editora Abril.
A companhia foi agraciada com o prêmio Melhores
e Maiores e teve seu fundador, o comandante Rolim
Amaro, morto em 2001, homenageado.
Segundo a organização do prêmio,
a escolha é feita pela comparação
de resultados de crescimento, rentabilidade, saúde
financeira, investimentos, participação
de mercado e produtividade por empregado.
"Isso quer dizer que se consideram a melhor
empresa de 2006. Talvez tenha morrido pouca gente",
disse Luiz Fernando Moysés, marido de uma
das vítimas. "É mais um tabefe
que tomamos na cara, como a condecoração
do presidente da Anac, Milton Zuanazzi."
Ele recebeu da Aeronáutica uma medalha
no dia 20.
Procurada, a TAM afirmou que não havia
um executivo disponível para comentar o
assunto. A editora Abril divulgou nota em que
reafirmou os critérios da premiação.
(DENISE BRITO)
Folha
de São Paulo
09/08/2007
Ministro nomeia brigadeiro
como diretor da Infraero
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ministro da
Defesa, Nelson Jobim, deu início ontem
às modificações na diretoria
da Infraero (Empresa Brasileira de Infra-Estrutura
Aeroportuária) nomeando o brigadeiro Cleonilson
Nicácio como novo diretor de operações
da estatal.
Atualmente, Nicácio é chefe do Estado
Maior da Defesa. Ele será responsável
pelo funcionamento dos aeroportos e condições
das pistas. Segundo Jobim, a escolha do brigadeiro
não foi imposta. Demais nomes, sugeriu,
serão discutidos com o presidente da empresa,
Sergio Gaudenzi, na sexta.
A escolha do brigadeiro agradou à oposição.
"Acho que o presidente da Infraero era um
homem decente, mas trocar o presidente e manter
a diretoria podre não adianta", disse
o senador Demóstenes Torres (DEM-PA) na
CPI.