:::::RIO DE JANEIRO - 07 DE MAIO DE 2006 :::::

O bilionário que veio do frio
Em entrevista à DINHEIRO, o russo Boris Berezovski, um dos mais polêmicos magnatas do mundo, explica como pretende arrematar a Varig e por que está trazendo ao Brasil um fundo de investimentos de pelo menos US$ 1 bilhão

Por FÁBIO ALTMAN e BIÔ BARREIRA (foto)
 
   
"São bilhões de dólares para
aplicar em setores essenciais
como o de transportes"

Boris Berezovski, nascido em Moscou há 60 anos, formado em matemática, membro da Academia de Ciências da antiga União Soviética e colecionador das telas do austríaco Egon Schiele, é um dos mais polêmicos personagens da recente história econômica e política do mundo pós-comunismo.

Tornou-se bilionário com o desmonte do socialismo na terra de Lênin e Stalin – diz ter um patrimônio de US$ 3 bilhões, embora as estimativas de mercado ponham o valor em um patamar dez vezes maior. Enriqueceu ao comprar empresas do Estado a preços aviltados.

Começou com a aquisição e venda de carros Lada, entrou no universo do petróleo, arrematou a companhia aérea Aeroflot e parte de emissoras de rádio e televisão. Tornou-se aquilo que Vladimir Putin, o presidente russo, chama de “oligarca”. Há cinco anos, os dois romperam. Hoje são inimigos. Tão rapidamente como enriquecera, Berezovski passou a ser alvo de denúncias de crime, que vão de lavagem de dinheiro a incentivo das operações da Al Qaeda de Osama Bin Laden.

Berezovski vive hoje com status de asilado político em Londres. Na semana passada esteve no Brasil, introduzido pelo cardiologista Renato Duprat, antigo dono do Unicor, ex-investidor do Santos Futebol Clube, a quem conheceu em um encontro da FIFA por meio de Alberto Duailib, presidente do Corinthians. Teve despachos com os executivos da Varig, da Embraer e da Petrobras. Marcou também audiência com o governador de São Paulo, Cláudio Lembo. Concedeu uma única entrevista exclusiva em sua passagem pelo Brasil. Acompanhe:

O REAL INTERESSE PELO BRASIL
“A distância do Oriente Médio é uma vantagem brasileira. Nos próximos três ou quatro anos, o Brasil terá o crescimento mais espetacular no mundo”

DINHEIRO – O que o senhor faz no Brasil?
BORIS BEREZOVSKI
– Negócios. Dedico-me a analisar o que acontece com a economia dos diferentes países do mundo em busca de oportunidades. Há dois critérios que tornam um país atraente para investir.

DINHEIRO – Quais são?
BEREZOVSKI
– O primeiro deles é a estabilidade política. O segundo é o potencial de crescimento da economia. O Brasil atende plenamente essas duas condições. Os recursos naturais são imensos. Há profissionais intelectualmente muito bem preparados, tanto na iniciativa privada quanto no setor público.

DINHEIRO – O Brasil é, portanto, uma boa alternativa à China e Índia?
BEREZOVSKI
– Há algum tempo, o banco de investimentos Goldman Sachs preparou um relatório, hoje célebre, referindo-se ao BRIC - as iniciais para Brasil, Rússia, Índia e China - , como centro de bons negócios. Mas não gostaria de traçar comparações. Esses países oferecem oportunidades fantásticas, têm imenso potencial de crescimento, mas o interessante é que nenhum deles depende dos outros. O Brasil não depende da Índia. O Brasil não depende da China, e vice-versa, apesar da globalização. São todos auto-suficientes.

DINHEIRO – Mas há algo que torne o Brasil especial como pólo de investimento?
BEREZOVSKI
– Sim. Ele está bastante distante do Oriente Médio. Não depende da produção de petróleo daquela região do mundo, que continuará a ser instável e perigosa. Essa distância geográfica é uma vantagem brasileira. Nos próximos três ou quatro anos tenho convicção que o Brasil será a nação de crescimento mais espetacular no mundo.

DINHEIRO – Onde o senhor pretende investir no Brasil?
BEREZOVSKI
– Petróleo, gás, fontes alternativas de energia, como o biodiesel, e transportes. Neste último setor há diversos caminhos: rodovias, ferrovias e transporte aéreo. Note que, mesmo com o atual crescimento moderado, para não dizer tímido, do Brasil, há um estrangulamento no campo de transportes. O governo brasileiro conhece perfeitamente esses gargalos, e vê com bons olhos o aporte financeiro em grande escala nessas áreas.

DINHEIRO – O que é investir em grande escala?
BEREZOVSKI
– São bilhões de dólares. Mas é importante ressalvar que, em áreas estratégicas como as de transporte, é inevitável supor o amálgama de um grupo de empresas, o que necessariamente inclui também a participação do próprio Governo. Como se trata de investimento de longo prazo, a participação do Estado é crucial. Sei que o tempo de retorno é muito variável. As companhias de aviação permitem ganhos mais rápidos que rodovias, e estas mais velozes que ferrovias. Daí meu interesse pela Varig, que atravessa uma crise profunda no momento.


OS PLANOS DE COMPRA DA VARIG
“A experiência com a privatização da Aeroflot soviética, nos anos 1990, pode ajudar na operação brasileira”

DINHEIRO – Como andam as negociações com a Varig?
BEREZOVSKI
– Tive reuniões em São Paulo e Brasília com os dirigentes da companhia aérea. Deram-me números da empresa. O problema deles é de caráter urgente. Mas a pior coisa em um negócio é ter pressa para concretizá-lo.
[A Varig tem uma dívida estimada em R$ 7 bilhões. O governo brasileiro é credor de 55% deste total]

 
 
Reuters
"O ponto central é que a
Varig, em crise, não tem
fluxo de caixa. Eu tenho."


DINHEIRO – Qual é a proposta concreta do senhor para a Varig?
BEREZOVSKI
– Estou apenas há dez dias dentro do assunto Varig. É tempo curto. Mas os profissionais que trabalham comigo investigam tudo com rapidez. Lembre-se que tenho experiência com recursos emergenciais para companhias de aviação. Quando houve o colapso da União Soviética, no início dos anos 1990, a crise da Aeroflot era imensa. Era preciso reestruturá-la. Em três anos, sem que fosse desembolsado dinheiro do governo russo, conseguimos sanear a Aeroflot.

[Em 1994, Berezovski adquiriu cerca de 20% das ações da Aeroflot, em parceria com funcionários da empresa. O governo russo manteve controle de 51%, sem onerar o Estado]

DINHEIRO – Existe a possibilidade de dividir a Varig em dois blocos distintos – um totalmente saneado e o outro, com passivo a pagar. Um grupo seria dedicado aos vôos e operações domésticas. O outro, trataria de negócios e rotas internacionais. Neste cenário, o que o senhor pretende fazer?
BEREZOVSKI
– O mercado doméstico brasileiro tem enorme potencial. Faz sentido, sim, dividir a empresa em duas partes. O ponto central, na minha opinião, é que a Varig não tem fluxo de caixa.

DINHEIRO – O senhor tem esse fluxo de caixa?
BEREZOVSKI
– O problema não é saber se tenho dinheiro ou não, porque evidentemente tenho. [Berezovski ri]. A questão é saber que risco eu correria trazendo o dinheiro para o Brasil. Por isso preciso entender o que pode acontecer em um prazo de três ou cinco anos, se puser dinheiro agora, como pretendo fazer. Fundos de investimento já estão na operação da VarigLog. Conversei com eles, detalhadamente, para ter uma idéia do tipo de resultados que poderei oferecer aos parceiros de investimento.

[A VarigLog foi comprada pela Volo do Brasil - uma sociedade criada para atuar no segmento da logística de transportes. A Volo do Brasil é resultado de uma associação entre os empresários brasileiros Marco Antonio Audi, Marcos Haftel e Luis Eduardo Gallo com o fundo de investimentos norte-americano MatlinPatterson. A Volo do Brasil detém 95% do capital votante da VarigLog, empresa que possui mais de 47% do mercado doméstico e de quase 32% do mercado internacional de carga.]

DINHEIRO – O senhor tem contato com representantes do Governo brasileiro?
BEREZOVSKI
– Nesta primeira fase tenho conversado com os responsáveis pela gestão da Varig. É delicado falar agora em ajuda do Governo, por isso a solução está na iniciativa privada. Sei que qualquer participação do Estado poderia cheirar a nacionalização, mas creio, sinceramente, que em uma empresa vital como a Varig é fundamental algum apoio público. Sei que as leis no Brasil engessam as possibilidades de ação do Governo, mas trata-se de área estratégica e de solução imediata.

DINHEIRO – Qual é o risco caso as decisões não forem ágeis?
BEREZOVSKI –
Perder o direito de licença de operação em rotas internacionais, perigo real e imediato. Há semelhança com o caso da Aeroflot. Quando assumimos o comando da companhia tivemos que comprar aeronaves da Boeing, o que produziu muita controvérsia na época. Achavam que seria ruim para a indústria aeronáutica russa. Mas era fundamental agir rápido, porque qualquer rota perdida é imediatamente tomada por concorrentes.

DINHEIRO – Qual foi o erro da Varig?
BEREZOVSKI
– É um exemplo típico das empresas que não se guiam pela economia de mercado. A Varig é dirigida pelos próprios funcionários, por meio da Fundação. Basta comparar a crise profunda pela qual ela passa diante do crescimento de concorrentes como a TAM e a Gol. Quando você tem os próprios funcionários no comando da gestão há um conflito de interesses. Os funcionários querem lucro em curto prazo – os investidores, ao contrário, sabem que é preciso paciência, de modo a capitalizar a empresa no futuro. A chave de tudo é saber o quão eficaz pode ser o novo proprietário da Varig.

O FUNDO DE INVESTIMENTOS DE US$ 1 BILHÃO
“É apenas o início do jogo. Com o tempo, pode ser muito mais, porque dinheiro não tem nacionalidade”

DINHEIRO – O senhor está trazendo um fundo de investimentos ao Brasil?
BEREZOVSKI
– Em primeiro lugar, é preciso dizer que o mercado financeiro no Brasil é muito interessante.

DINHEIRO – Por que?
BEREZOVSKI
– A regulamentação dos investimentos estrangeiros no Brasil é favorável, muito favorável. Paga-se juros de 15% sem impostos para o dinheiro que vem de fora. Levando-se em consideração que a inflação brasileira é de pouco mais de 4%, temos 10% a 11% sem fazer força. É atraente, porque são papéis do governo. Mas, por outro lado, creio que essa postura pode ser prejudicial à economia do Brasil, porque leva a um patamar de endividamento muito alto. É um risco adicional, embora seja fantástico a curto prazo. Se investir US$ 1 bilhão, dentro de um ano terei US$ 100 milhões de lucro, no mínimo.

DINHEIRO – É ótima aplicação...
BEREZOVSKI
– Sim, sim. Mas não entendo o propósito do Governo. Seria mais adequado atrair investidores para o crescimento industrial e não apenas para o mercado financeiro. O crescimento é incrível. Antes desta legislação havia US$ 50 milhões de capital estrangeiro no mercado – em dois meses aumentou para US$ 3 bilhões. Não é montante que afete a economia do Brasil, mas quando chegar a US$ 300 bilhões, aí sim será outra história.

DINHEIRO – Como o senhor pretende fazer parte deste mercado? Qual será o aporte inicial?
BEREZOVSKI
– De US$ 1 bilhão. Apenas para começar. É o início do jogo. Pode aumentar, porque dinheiro não tem nacionalidade. O interessante para mim é entrar em um novo país, com novos parceiros. Aqui poderemos trabalhar em diversos setores de investimento, inclusive o de créditos a pequenas empresas, por exemplo.

DINHEIRO – Este aporte de US$ 1 bilhão é muito diante da sua riqueza ?
BEREZOVSKI
– Existem várias maneiras de estimar o patrimônio de alguém, mas se pensarmos nos ativos que possuo, diria que minha riqueza é de US$ 3 bilhões. Estou, portanto, preparado para investir uma parte disso no Brasil. Mas quero compartilhar o risco com outros parceiros. Repito: o dinheiro não tem nacionalidade, mas os investidores têm.

DINHEIRO – Como assim?
BEREZOVSKI
– Um investidor russo costuma correr mais riscos que um investidor americano. Isso explica o sucesso dos negócios da Rússia na última década diante do tímido crescimento nos Estados Unidos. Somos mais tolerantes ao risco. Talvez porque tenhamos fome maior por negócios.


A VERDADE SOBRE O CORINTHIANS
“O coração dos investimentos em futebol deve ser a construção de estádios para a Copa de 2014. É o que me interessa”


DINHEIRO – Falemos de futebol...
BEREZOVSKI
– Sei muito bem de todas as especulações ao redor da minha participação no Corinthians... [O presidente do Corinthians, Alberto Duailib, já disse que a empresa MSI, de Kia Joorabchian, principal investidor do Corinthians, tem dinheiro de Boris Berezovski]

 
 
Max G Pint
"Kia é grande amigo meu, mas não tenho negócios com ele ou com sua empresa, a MSI"


DINHEIRO – O senhor controla o Corinthians?
BEREZOVSKI
– Não tenho nada a ver com o Corinthians. Mas ajudei a localizar investidores internacionais para o clube. A origem da boataria é evidente: Kia é grande amigo meu. Mas não tenho negócios com ele ou com a MSI.

DINHEIRO – O senhor ajudou, então, a trazer o Kia ao Corinthians...
BEREZOVSKI
– Não. Ajudei o Kia a descobrir oportunidades de investimento.

DINHEIRO – Há espaço para investir no futebol brasileiro?
BEREZOVSKI
– Muito, muito. O coração destes investimentos devem ser estádios modernos como os da Europa. É o que me interessa. Se o Brasil pensa em organizar a Copa do Mundo de 2014, é preciso ter novas instalações. Grandes clubes da Inglaterra, como o Manchester e o Chelsea, foram capitalizados, na ordem de US$ 1 bilhão cada um deles. O Real Madrid fez o mesmo. No Brasil, os clubes não contam capital, e sim dívidas. Eles precisam ser administrados como empresas, por executivos, e não por diretores. O Brasil tem que parar de vender jogadores. Deve começar a vender o futebol, o espetáculo. Posso dizer que os times brasileiros comportam-se operacionalmente como a Varig.

DINHEIRO – O primeiro clube com este formato “capitalizado” será o Corinthians?
BEREZOVSKI
– Não podemos escolher apenas um clube. Sei que o futebol, no Brasil, é tão sensível como o petróleo na Rússia. Haverá controvérsia, mas faz parte do jogo.

AS ACUSAÇÕES FEITAS POR VLADIMIR PUTIN
“Nenhuma das denúncias foi jamais provada. Caí em desgraça porque não concordei com o modo dele governar”

DINHEIRO – Basta uma simples busca no Google para constatar que as acusações contra o senhor proliferam. São inúmeras e fortes. Gostaria de verificá-las, uma a uma. A primeira: o senhor é acusado de lavagem de dinheiro. É verdade?
BEREZOVSKI
– Quero começar pelo final. Nenhuma dessas acusações foi jamais provada, na Rússia ou em qualquer outro país do mundo. É verdade que o governo russo abriu vários processos contra mim, mas ganhei todos na Justiça. Não há provas de que tenha feito operações contra a lei. Depois que o presidente Vladimir Putin chegou ao poder, caí em desgraça. Não concordei com o modo do Putin governar. Quando fui eleito deputado discordei ideologicamente dele. Entreguei meu mandato, perdi minha imunidade parlamentar. Por isso tive que abandonar a Rússia. Seria perseguido. Houve, já na Inglaterra, onde moro, um pedido de extradição. Depois de dois anos e meio de processo, a decisão foi a meu favor. Tenho agora status de asilado político. Venho ao Brasil de coração aberto, seguro, calmo, não como homem procurado pela polícia.


DINHEIRO – Outra acusação. O senhor teria financiado organizações islâmicas extremistas na Chechênia – organizações estas aliadas da Al Qaeda de Osama Bin Laden. Procede?
BEREZOVSKI
– É uma história inventada. Mas quero comentá-la. Em 1996 e 1997, era vice-secretário do Conselho de Segurança da Rússia. Fui um dos nomes chaves a interromper a chamada primeira guerra da Chechênia. Havia grupos poderosos na Rússia, como a FSB, a antiga KGB, e alguns militares que não aceitavam a idéia de paz. Na Chechênia, por outro lado, havia grupos extremistas islâmicos que também não tinham interesse na paz. Com a eleição de Putin, iniciaram uma nova guerra – e, claro, tentaram destruir a imagem de pessoas que trabalhavam pela paz, como eu, me associando a Bin Laden. Nunca é fácil lutar contra a força do Estado.
 


AP
"A associação com Bin Laden é invenção. Não é fácil lutar contra o Estado"


DINHEIRO – O senhor foi o mandante de assassinato do âncora da ORT, emissora em processo de privatização?
BEREZOVSKI
– É história muito conhecida e também falsa. É verdade que, quando meu grupo assumiu 49% das ações da ORT, nós escolhemos os gerentes. Eu nomeei o âncora, Vlad Listiev. Ele foi assassinado, mas pertencia ao meu grupo. Por que motivo mandaria matá-lo? É mentira, mais uma mentira.

DINHEIRO – O senhor costuma dizer que elas foram criadas pelo presidente Vladimir Putin. Qual é a intenção dele?
BEREZOVSKI
– Somos adversários políticos. Putin acha que é necessário centralizar o governo. Ele caminha para voltar aos tempos do socialismo soviético. Sou um liberal extremista, creio na democracia, e não poderia concordar com Putin. Ele afastou os empresários do funcionamento econômico da Rússia. Foi hipócrita. Criou falsas polêmicas.

DINHEIRO – A Rússia é uma democracia?
BEREZOVSKI
– Fui o primeiro a alertar que a Rússia estava retrocedendo da democracia à ditadura. Putin rompeu com quase todas as estruturas democráticas. Não há mais emissora de televisão independente. As cortes de justiça são controladas pelo Kremlin. Ele cancelou as eleições para governadores. São fatos, são fatos.

A UNIÃO SOVIÉTICA E A RÚSSIA CAPITALISTA
“O padrão de vida das pessoas hoje é pior do que no tempo do socialismo”

DINHEIRO – O que representaram a glasnost e a perestroika de Gorbatchóv?.
BEREZOVSKI
– Sou um típico “homus sovietucus”, porque nasci na Rússia e passei 25 anos de minha vida dedicado à matemática. Quando Gorbatchóv apresentou a glasnost e a perestroika, apoiei imediatamente. Era o caminho para a democracia, única saída para sermos respeitados internacionalmente. Por isso também fiquei do lado de Boris Ieltsin quando ele se opôs ao golpe de Estado, em 1991.

DINHEIRO – Vive-se melhor hoje na Rússia ou no tempo da União Soviética?
BEREZOVSKI
– Boa pergunta...O padrão de vida hoje é pior do que na era comunista. Há pouco tempo dei uma palestra na London School of Economics. Um estudante perguntou assim: “você diz que a democracia era a melhor saída para a Rússia, mas afirma que hoje o estilo de vida é mais baixo que no tempo da União Soviética... como conciliar isso?” É difícil. A economia de mercado ainda é a melhor saída. Se não houvesse concorrência externa, se a União Soviética fosse um país isolado do planeta, ela ainda talvez sobrevivesse. Mas o mundo é globalizado, e não se pode construir o Muro de Berlim uma outra vez.



O Globo - Versão Impressa
07/05/06
Varig diz que pagou à Infraero com cheque pré-datado, não sem fundos



A Varig negou ontem que tenha dado um cheque sem fundos, no valor de R$ 9 milhões, à Infraero para pagamento de dívidas referentes a tarifas de embarque. Em nota oficial, o presidente da companhia aérea, Marcelo Bottini, afirma que o cheque em questão é pré-datado e a data para compensação ainda está sendo negociada com a Infraero.

No texto, a Varig destaca que, como é de conhecimento público, a companhia está passando pelo processo de recuperação judicial. Por causa disso, a empresa afirma em sua nota que vem negociando prazos de pagamento com todos os credores, para honrar seus compromissos de acordo com o seu fluxo de caixa.

A empresa acrescenta que, levando em conta sua disponibilidade de recursos e com base num cronograma de quitação de dívidas previamente acordado, “a Varig deu à Infraero um cheque pré-datado no valor de R$ 9 milhões para quitar pagamentos em prazos consensados”.

Assembléia deve concordar com divisão da empresa

De acordo com a assessoria da companhia, os atuais dirigentes esperam uma solução definitiva para a Varig na assembléia dos credores, marcada para amanhã. Essa solução também deverá permitir fixar o prazo de pagamento do cheque à Infraero.

A assembléia de credores deverá aprovar a proposta do governo, de dividir a Varig em duas empresas: uma doméstica, que posteriormente irá a leilão; e outra internacional, que permaneceria com as dívidas e em processo de recuperação judicial. Se a proposta for aprovada, o BNDES deverá anunciar já no dia seguinte, na terça-feira, o detalhamento do empréstimo-ponte de US$ 100 milhões à Varig.


Jornal do Senado
08/05/06 - Aviação
Acerto de contas pode dar fôlego à Varig

Jefferson Péres, Pedro Simon e Paulo Paim acompanham audiência: Senado tem atuado

Em audiência pública para discutir a crise no Grupo Varig e apontar alternativas para salvar a companhia da falência, o procurador de Fundações da Procuradoria Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Antônio Carlos Avelar Bastos, defendeu, na semana passada, o que classificou de "encontro de contas", ou seja, a quitação de dívidas da União com a Varig e vice-versa, para que a empresa possa sair do "sufoco financeiro" e iniciar o pagamento aos demais credores.

Para o procurador, o governo tem obrigação de socorrer a Varig, pois foi justamente o congelamento de tarifas por parte do governo, que teria dado início ao endividamento da empresa, que completa 75 anos nesta terça-feira.

– É inconcebível que o poder concedente, por uma medida arbitrária [congelamento de tarifas], cause tamanho dano à Varig e depois tente afastar a sua responsabilidade, que é flagrante e inquestionável – afirmou Bastos.

A Varig acumula uma dívida estimada em R$ 9 bilhões, valor que cresce diariamente em R$ 900 mil, apenas com a Infraero, em tarifas de pouso, decolagem e permanência. Essa é a terceira audiência pública promovida em conjunto por quatro comissões da Casa: Serviços de Infra-Estrutura (CI), Assuntos Econômicos (CAE), Assuntos Sociais (CAS) e Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR).

Segundo o procurador, o encontro de contas representará um aporte financeiro de cerca de R$ 1,1 bilhão à Varig, já que o governo deve em torno de R$ 4,6 bilhões para a companhia, que, por sua vez, deve R$ 3,5 bilhões em impostos.

– Não será nenhum favor por parte do Estado, mas sim uma obrigação para com a Varig – explicou Bastos, para quem essa operação "é perfeitamente viável".

O senador Jefferson Péres (PDT-AM) lembrou que o Senado já vem acompanhando a crise da Varig há três anos. Paulo Paim (PT-RS) se disse "esperançoso" em relação a uma solução para a crise da companhia nos próximos dez ou 15 dias. Para Pedro Simon (PMDB-RS), o governo está consciente da sua responsabilidade com relação à Varig e "não vai assassinar a empresa, pois seria um absurdo que ficaria carimbado para o resto da vida". Na tentativa de salvar a empresa, Romeu Tuma (PFL-SP) acha que é possível parcelar a dívida dos estados com a Varig.

Nova audiência foi marcada para a próxima quinta-feira, para a qual serão convidados os governadores ou representantes dos estados de São Paulo, Amazonas, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e o Distrito Federal, unidades da Federação que mais devem à Varig.


Revista Consultor Jurídico, 6 de maio de 2006
Reta final
Reunião da Varig terá representante da Fazenda
por Ronaldo Herdy

A Superintendência de Seguros Privados do Ministério da Fazenda terá representante na assembléia de credores que nesta segunda-feira (8/5), no Rio de Janeiro, decide se a Varig será dividida em duas empresas: uma doméstica, que posteriormente irá a leilão, e outra internacional, que permaneceria com as dívidas e em recuperação judicial.

O órgão estatal é o segundo maior acionista da companhia aérea, depois da Fundação Ruben Berta. Chegou a ter US$ 42 milhões em papéis da companhia, traduzidos no controle de 8,7% das ações. Hoje, com o abalo da Varig, o valor é menor, porém, significativo.

A presença da Susep num negócio atípico é fruto das circunstâncias. Ou melhor, de uma outra crise comercial. O órgão ganhou essas ações com a intervenção que fez na Interunion Capitalização, a empresa administradora da Papa-Tudo, em 1996.

Lançado três anos antes, a loteria teve crescimento meteórico graças aos consumidores de baixa renda, ávidos pelas cartelas que custavam R$ 3.

Em 1995, ano que o jornalista Roberto Marinho saiu do negócio, do qual foi fundador junto com o banqueiro Arthur Falk, o Papa-tudo faturou cerca de R$ 360 milhões.

René Garcia, superintendente da Susep, disse a revista Consultor Jurídico, neste sábado (6/5), que um escritório de advocacia, nomeado pelo liquidante do Interunion, terá voz na reunião de segunda-feira. Seu papel será assegurar que a solução adotada represente melhor os interesses da Superintendência.

O valor que a Susep pode ganhar nessa transação é fundamental. Afinal, conforme adiantou Garcia aos nossos leitores, fica pronto agora em junho a relação de todos os credores do Papa-Tudo. “Montar esse quadro foi difícil, pois eram muitos os investidores. Com esse primeiro e grande passo, creio que poderemos ainda este ano começar a restituir quem aplicou nesse título de capitalização.”
Ronaldo Herdy: é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.


Folha de São Paulo
07/05/06
Proposta de cisão ameaça milhas da Varig
Smiles deverá ser mantido na operação internacional; comprador da parte doméstica poderá escolher se assume o passivo

JANAINA LAGE DA SUCURSAL DO RIO
MAELI PRADO DA REPORTAGEM LOCAL


O programa de fidelização de clientes da Varig, o Smiles, deverá ficar concentrado na Varig Internacional, caso a proposta de cisão da companhia em duas, elaborada pela consultoria Alvarez & Marsal e pelo governo, seja aprovada pelos credores na assembléia marcada para amanhã.

Segundo Marcelo Gomes, diretor da Alvarez & Marsal, contratada para conduzir o processo de reestruturação da Varig, o objetivo da medida é tornar a Varig Doméstica mais atraente para os investidores. Segundo Gomes, mais de dez grupos, entre companhias aéreas e fundos de investimento, já procuraram o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para obter informações sobre o leilão da fatia doméstica da Varig.

Segundo o executivo, de acordo com os critérios estabelecidos pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), 27 empresas estão habilitadas a participar do leilão. Empresas estrangeiras poderão participar de consórcios que disputarão a Varig Doméstica desde que atendam o limite estabelecido por lei, de 20% de participação.

Segundo o relato de credores que participaram de uma reunião de apresentação do detalhamento da proposta da Alvarez & Marsal na última sexta-feira, o investidor interessado na Varig Doméstica poderá optar se pretende ou não assumir o passivo do Smiles.

"A idéia é criar uma Varig Doméstica completamente nova, sem o Smiles. Somente no futuro poderia ser discutido um acordo operacional para a Varig Nacional aceitar as milhas da Varig Internacional", afirmou um dos presentes ao encontro que não quis se identificar.
Gomes nega a hipótese de descontinuidade na troca de milhas da Varig por passagens. "A operação do Smiles será resultado de acordo feito entre as duas empresas. Todo mundo que tem milhas vai ter suas milhas honradas, não vai haver descontinuidade no processo", afirma.

A Folha apurou que a retirada do Smiles da Varig Doméstica está relacionada às principais candidatas interessadas em participar do leilão. Segundo uma fonte envolvida na negociação, a empresa mais interessada na nova Varig é a Gol, que não tem programa de acúmulo de milhas. A TAM, que também está na disputa, já tem um programa próprio. Segundo credores, OceanAir e Webjet também estão dispostas a participar.

Sociedade

Em documento preliminar enviado à Justiça na semana passada, a Alvarez & Marsal já discutia a forma de alocar o passivo do Smiles. Anteriormente, Varig Doméstica e Varig Internacional seriam detentoras em conjunto, na proporção de 50% cada uma, de uma sociedade de propósito específico responsável pela operação do programa.

"A sociedade de propósito específico não assume passivos relativos a milhas emitidas até a transferência das operações", informava o texto. Essa posição foi revista, e o programa de milhagem poderá ser separado na Varig Internacional.

Caso a proposta da consultoria seja aprovada, o passageiro pode não acumular mais milhas em vôos nacionais. Se o novo investidor fechar acordo com a Varig Internacional, as milhas de vôos internacionais poderão ser trocadas também para os vôos domésticos.
O Smiles, lançado há dez anos, tem uma carteira de cerca de 6 milhões de participantes.

Folha de São Paulo
07/05/06
Futuro da aérea preocupa participantes do Smiles
BRUNO SEGADILHA DA REPORTAGEM LOCAL

Apesar de já ter afirmado publicamente que honrará seus compromissos e que continua cadastrando as milhas do programa de fidelidade Smiles normalmente, a Varig não conseguiu tranqüilizar por completo todos os seus clientes. Muitos ainda temem o futuro incerto da empresa.

O principal temor, segundo clientes ouvidos, é que, caso a empresa pare de voar, os benefícios do Smiles não possam ser aproveitados em outras companhias aéreas, como ocorreu com os usuários da Vasp. Os clientes também temem que uma futura negociação, como a compra da empresa por outra, prejudique o acúmulo de milhas.

A Varig reconhece ter observado um aumento considerável na quantidade de clientes que procuravam a empresa com dúvidas em relação ao Smiles no último mês, mas esclarece que esse número já voltou aos níveis normais devido "ao clima de confiança diante das recentes negociações".

No último mês, a empresa divulgou, por e-mail, nota em que esclarece que continuará honrando seus compromissos e que as milhas do Smiles continuam a ser creditadas.
Apesar do esforço, o engenheiro Cláudio Gomes, 50, que afirma ter recebido a mensagem da Varig por e-mail, diz que ainda tem medo de uma eventual paralisação. "Estou preocupado. Viajo em julho e gostaria de usar minhas milhas. Torço para que a empresa se recupere, não quero pensar no que eu teria que fazer caso ocorra uma paralisação."
Também preocupada com a situação da empresa, a gerente de franquias Tatiana Bichara, 28, está distribuindo suas milhas. Bichara, que possuía aproximadamente 100 mil milhas acumuladas, já deu mais da metade delas para familiares.
"Se não fosse essa situação, viajaria em dezembro, mas não sei se a Varig existe até lá. É uma pena, acho o serviço, o atendimento melhores do que o da Gol. A passagem é mais cara, mas o cliente tem mais vantagens", afirma.

"O governo é responsável"

Também assustada com a possibilidade de paralisação, a Andep (Associação Nacional em Defesa dos Direitos dos Passageiros do Transporte Aéreo) disse estar reunindo provas para entrar com uma ação na Justiça contra a União por danos morais. A associação afirma que as declarações de representantes do governo de que não vai prestar auxílio à Varig assusta os clientes, que passam a ver a troca de milhas por passagens como algo impossível.

"O governo diz que não tem obrigação de ajudar a Varig. Tem, sim. O governo é concessionário, deve zelar pela boa prestação de serviço. Não estou falando de auxílio financeiro, mas de cumprir a lei. Se o governo era o concessionário, não poderia ter sido omisso: antes de a crise acontecer, deveria ter feito alguma coisa. Quero reunir provas da aflição dos clientes", afirma Cláudio Candiota, presidente da associação.

Candiota pedirá na ação uma indenização de R$ 1.000 para cada integrante, o que, em seus cálculos, custará para a União cerca de R$ 5 bilhões em indenizações.

Cliente credor

De acordo com o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), no caso de paralisação, os clientes do Smiles poderiam se tornar credores da empresa para conseguir o ressarcimento das milhas e benefícios perdidos. "Com sinceridade, se isso acontecer, acho difícil reaver o dinheiro, mas o passageiro terá que entrar no processo como credor", afirma Marcos Diegues, gerente jurídico do Idec.

Apesar das orientações, o Procon-SP e o Idec não registraram reclamações relacionadas ao programa de milhagens da empresa.

Criado em 1994, o Smiles possui atualmente cerca de 5,6 milhões de participantes em todo o mundo e mais de 3,5 milhões de prêmios emitidos, segundo a Varig.

Folha de São Paulo
07/05/06
Programas de benefício não têm regulamentação

DA REPORTAGEM LOCAL

Criados com a intenção de atrair clientes e estabelecer com eles uma relação de fidelidade, os programas de milhagens oferecidos por companhias aéreas não possuem regulamentação específica na legislação da aviação civil.

Esse fato, de acordo com especialistas ouvidos e órgãos de defesa do consumidor, cria brechas para interpretações distintas por parte dos clientes e das empresas.

"Todos querem ter razão, e não existe uma lei específica para isso. Existem muitas variantes a serem pensadas. O que se deve ter em mente é o seguinte: qualquer mudança que exista na regra [do plano de milhagens proposto pela empresa aérea] só pode valer para as passagens que forem compradas depois da mudança", diz Geraldo Vieira, gerente jurídico do Snea (Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias).

A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) informa que pretende no futuro estudar regras para esse tipo de promoção e preencher o "vácuo" existente na legislação sobre o assunto.

Para Cláudia Ogata, técnica de proteção e defesa do consumidor do Procon-SP, o cliente deve se valer do código do consumidor em qualquer caso de descumprimento por parte da empresa aérea. Ogata afirma que, apesar de não existir lei específica sobre o assunto, os programas envolvendo acúmulo de milhas são, antes de tudo, promoções comerciais que envolvem a prestação de serviço e estabelecem como passageiro uma relação de consumo.

"É como se uma revista oferecesse um brinde. O brinde fez com que o consumidor comprasse a revista e, por isso, deve ser dado. Da mesma forma, o passageiro, muitas vezes, opta por determinada empresa pelas milhagens oferecidas", diz Ogata.

Ogata aconselha que, antes de procurar o Procon ou outro órgão de defesa do consumidor, o cliente tente negociar com a empresa. "Tentaremos ajudar sempre que entendermos que o código do consumidor foi desrespeitado. Se a questão não for resolvida aqui, irá para a Justiça."

Documentação

Uma das principais falhas apontadas por especialistas nas promoções oferecidas é a falta de uma documentação clara e precisa que defina regras, condições e prazos para a utilização das milhas acumuladas, o que, aliado à ausência de uma lei específica, deixa os clientes vulneráveis a mudanças repentinas.

No caso de empresas internacionais, a situação pode ser ainda mais confusa. Normalmente as regras são redigidas em inglês, o que pode gerar mais erros de interpretação.

Falta de informação é a principal causa dos equívocos apontada por Marcos Diegues, gerente jurídico do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Diegues acredita que muitos consumidores não se previnem ao aderir aos planos de milhagem oferecidos e não lêem os termos e regras envolvidos. Diegues diz que é fundamental que o cliente seja informado corretamente a respeito das restrições e que ele exija algum documento por escrito.

"Não existe um documento para esse tipo de promoção. Às vezes, o cliente encontra o regulamento na internet, mas isso é a coisa mais fácil de ser mudada. O ideal mesmo seria pedir as regras por escrito ou imprimir, no caso da internet." (BS)

Zero Hora - 07/05/06
A memória dá parabéns
"A Varig foi criada para servir. Ela tomará parte em todos os progressos na estrada ao grande futuro do país, nas recompensas alcançadas, levando com dignidade o pavilhão nacional para muito além de nossas fronteiras. Tenho inteira convicção de que a Varig, graças ao alto espírito de responsabilidade de seu elemento humano, saberá caminhar sempre pela trilha do progresso". (Otto Ernst Meyer)

TATIANA CRUZ

Neste domingo, faz 79 anos que essas palavras se tornaram uma espécie de mantra para qualquer um que trabalhasse, voasse ou sonhasse em cruzar fronteiras a bordo de um avião da Varig. Propagado pelo fundador, Otto Ernst Meyer, o lema é também causa de desconforto entre a legião de funcionários que o perseguiu com empenho por mais de sete décadas. Com credores na porta, uma dívida de mais de R$ 8 bilhões e a ameaça de parar de voar a qualquer momento, a Varig e o progresso idealizado pelo patrão deixam melindrado um velho discípulo, cuja própria vida - com a mulher e os três filhos - foi forjada nos bastidores e nos hangares da companhia. Neste aniversário de 79 anos que quase não chegou, e na véspera da assembléia que votará o plano de salvamento da companhia (leia na página ao lado), o gaúcho de Montenegro Götz Georg Herzfeldt, 86 anos, pede licença para voltar ao passado. Para o piloto vivo mais antigo da Varig, é na memória que a trilha ambicionada por Meyer parece não ter fim.

Faz mais de mês que a vista do canal do Leblon virou mera paisagem no apartamento do comandante aposentado da Varig Götz Georg Herzfeldt, no Rio. Sentado numa confortável poltrona, TV ligada no noticiário, ele finge dormir. Finge, entrega a mulher, Gisela (pronuncia-se Guísela, como manda o alemão).

- Desde que a Varig ficou assim, ele anda deprimido. Finge que dorme, mas está escutando as notícias. A gente não quer vê-lo triste - diz, por telefone, a mulher do gaúcho de 86 anos, o piloto vivo mais antigo da companhia, com mais de meio século dedicado à empresa.

O título, que já foi motivo de homenagens, hoje soa um tanto nostálgico para quem entrou na companhia em 1937, 10 anos depois de sua fundação, acompanhou seu vôo rumo ao Exterior e atualmente observa calado uma rota rumo à salvação. Calado porque foi o silêncio que impôs na rotina de casa em relação à crise na empresa. Se a mulher puxa conversa, resmunga monossilábico. Se é o filho Walter, também ex-funcionário, desconversa. Mas do outro lado da linha, ele pede a palavra à reportagem de Zero Hora:

- Quero falar. Não dá para entender como a Varig foi parar nisso. É uma lástima, porque o governo não reconhece que errou em congelar as tarifas - diz, gaguejando, devido a seqüelas de um exame de laparoscopia feito há seis anos.

O piloto mais antigo da companhia afirma nunca ter imaginado ver a empresa do amigo Ruben Berta chegar aonde chegou. Fala isso lembrando do Super Constellation, responsável pelo primeiro vôo da empresa a Nova York. Conta isso recordando o amigo entusiasmado com a idéia de servir churrasco aos passageiros a bordo - e de todos os argumentos que ele, Götz, usou para demovê-lo da empreitada.

- Ele queria entusiasmar os gaúchos, mas a aeronave era pressurizada.

Ao contrário do filho, que deixou a empresa por divergências políticas, o comandante Götz nem ousa falar em administração equivocada.

- É até um desrepeito falar em desperdícios. Pode ter havido excessos, mas isso ocorre em qualquer lugar - conta o piloto, que foi ainda diretor de operações e de manutenção.

De um tempo em que era preciso "sentir o chão com os pés" (os A-50, na foto abaixo, não tinham rodas traseiras nem freio), Götz reconhece que muita coisa mudou.

- Antes pilotos eram pé e mão. Hoje são mais cabeça. Na minha época, aviação era entrar num avião e voar. Hoje, é fazer negócios - diz.


Zero Hora - 07-05-06
Há solução à vista
PEDRO DIAS LOPES


Um dia após a Varig completar 79 anos, credores da dívida de R$ 8,4 bilhões da empresa se reúnem em assembléia no Rio nesta segunda-feira para, provavelmente, aprovar a proposta que dividirá a companhia em duas partes: uma com as rotas domésticas e outra com as internacionais. O plano, elaborado pela consultoria Alvarez&Marsal, é considerado pela maioria dos credores privados, públicos e parte dos trabalhadores como a idéia mais viável para salvar o grupo da falência.

Segundo o diretor da Alvarez&Marsal Marcelo Gomes, a aceitação da proposta se deve a duas premissas básicas: estabelece condições para que as duas partes "cresçam" e prevê o pagamento das dívidas da companhia.

Apesar de haver alguns pontos que só serão definidos durante os próximos 30 dias posteriores à assembléia, como o número de aviões e funcionários que terá o braço doméstico e o internacional, bem como o número de demissões que possam ocorrer, há um clima favorável à proposta devido à gravidade da situação da Varig e à inconsistência das outras propostas que restaram - a do consultor Jaime Toscano e a do Trabalhadores do Grupo Varig - que não caíram no gosto dos credores nem no do governo.


Entenda a proposta
Nesta segunda os credores devem aprovar a cisão da Varig em duas empresas: uma com as rotas domésticas e outra com as internacionais. Como vai funcionar:
1) Em 60 dias será feito o leilão da parte doméstica a um preço mínimo de cerca de US$ 700 milhões. Dez grupos já buscaram informações no BNDES.
2) Para a Varig se manter nesse período, um empréstimo de US$ 100 milhões será concedido pelo BNDES a um intermediário que repassará os valores à Varig. Com a venda da parte doméstica, esse valor volta ao BNDES. Independentemente disso, o banco pode financiar o comprador a condições de mercado.
3) O valor pago pela parte doméstica servirá para capitalizar a parte internacional (que ficará com a dívida de R$ 8,4 bilhões). Essa parte continuará em recuperação judicial.
4) Além do dinheiro da venda da parte doméstica, a parte internacional seguirá credora da quantia de R$ 4,5 bilhões que o governo deve à Varig. Os credores também poderão trocar dívidas por participação, no controle da empresa. Vários credores também aceitaram alongar prazos de suas dívidas.
Quem assumiria a Varig Doméstica?
Provavelmente uma empresa de aviação, apoiada por algum fundo de investimentos. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) pré-qualificou para participar do leilão 27 empresas aéreas, embora fontes do setor informem que o governo tem preferência que um grande grupo assuma, o que aumenta as chances de TAM e Gol. A Ocean Air corre por fora.
A Varig Internacional pode ser vendida no futuro?
Sim. Os credores podem vir a controlar a empresa ou vender sua dívida para investidores interessados em assumir a companhia, conforme o plano de recuperação judicial.



06/05/2006 - 09h30
Folha On Line
Ex-subsidiária desiste de comprar a Varig
JANAINA LAGE da Folha de S.Paulo, no Rio de Janeiro
MAELI PRADO da Folha de S.Paulo


A Varig Log retirou a proposta de compra da Varig por US$ 400 milhões. A ex-subsidiária da Varig, que tem como acionista o fundo de investimento norte-americano Matlin Patterson, pretendia assumir a parcela saudável da Varig, mas desistiu por entender que a proposta já estava na mesa havia muito tempo e que nada tinha sido feito. Segundo a empresa, a Varig Log vai se dedicar exclusivamente ao segmento de logística. A retirada da oferta fortaleceu a proposta do governo, que ganhou mais fôlego entre os credores.

A oferta da Varig Log foi alvo de críticas desde o início pela maioria dos credores, por prever manter apenas metade dos funcionários da companhia e não assumir as dívidas com o Aerus, fundo de pensão dos funcionários. Para Marcelo Gomes, diretor da Alvarez & Marsal, a desistência da Varig Log no negócio já era prevista. "A proposta dela tinha algumas dificuldades na parte legal e com os credores, mas não descarto que a Varig Log possa ser uma das interessadas na Varig doméstica."

Com a mudança no cenário, os credores vão avaliar, em assembléia na próxima segunda-feira, a proposta da Alvarez & Marsal, a do consultor Jayme Toscano, de US$ 1,9 bilhão, mas sem a comprovação da origem dos recursos, e a do TGV (Trabalhadores do Grupo Varig), de R$ 2,5 bilhões.

O detalhamento da proposta do governo foi apresentado a trabalhadores, empresas de leasing e estatais ontem em reunião na sede da companhia. De acordo com os credores ouvidos pela Folha, a tendência é a de que esta alternativa de recuperação seja aprovada na assembléia marcada para a próxima segunda-feira. "O clima da reunião foi muito bom, dificilmente esse plano deixa de ser aprovado na assembléia", disse a presidente do Sindicato Nacional dos Aeroviários, Selma Balbino.

Segundo Gomes, o diferencial da proposta é permitir a separação da Varig em duas companhias com potencial de crescimento. Segundo o executivo, mais de dez grupos, entre companhias aéreas e fundos de investimento já procuraram o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), para obter informações sobre o leilão. A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) já qualificou 27 empresas. Credores afirmam que TAM, Webjet, Gol e OceanAir já manifestaram interesse.

Empréstimo

Caso a proposta seja aprovada pelos credores, o BNDES vai apresentar na terça-feira as condições para um empréstimo-ponte de US$ 100 milhões. O banco vai antecipar cerca de 15% do valor mínimo do leilão a uma empresa intermediária, que vai repassar o valor à Varig. A intermediária poderá ser uma das empresas interessadas em participar do leilão.

A principal resistência à proposta do governo deve partir do TGV (Trabalhadores do Grupo Varig), que ganhou na Justiça o direito de representar os trabalhadores. Segundo Rodrigo Marocco, presidente da Apvar (Associação dos Pilotos da Varig), o grupo é contrário à cisão da Varig em segmentos nacional e internacional. "Defendemos o leilão dos ativos operacionais da empresa como um todo e estamos construindo essa proposta de consenso com a Anac [Agência Nacional de Aviação Civil] e com setores do governo", disse.

Segundo o modelo de segregação da Varig em duas, a fatia doméstica deve ficar com 30 aeronaves e a internacional, com 25. Nesse cenário, a Varig Internacional poderá operar rotas domésticas de maior procura e fundamentais para a alimentação da malha internacional.

A Varig Internacional não vai se voltar para o segmento de baixo custo e baixa tarifa. Segundo o estudo da Alvarez & Marsal, a análise dos resultados financeiros da empresa mostra maior rentabilidade nos produtos com foco em passageiros executivos, mais opções noturnas, freqüências diárias e menor utilização das aeronaves.

Segundo Balbino, deve haver mais demissões porque será necessário adequar o perfil da Varig Doméstica ao das concorrentes.