Jornal do Brasil
05/08/2007
Jobim planeja mudar toda a diretoria
BRASÍLIA e Rio. O ministro da Defesa, Nelson Jobim,
e o futuro presidente da Infraero, Sérgio Gaudenzi,
reúnem-se amanhã para decidir como será
composta a nova diretoria da estatal. Atual presidente
da Agência Espacial Brasileira (AEB) e filiado ao
PSB baiano, Gaudenzi passa o fim de semana em Salvador.
Em Manaus, Jobim descaracterizou a escolha de Gaudenzi
como sendo uma indicação política.
Destacou o perfil técnico de seu futuro colaborador
e disse que ele comandará a substituição
total nas cinco diretorias da Infraero.
Jobim informou que pretende iniciar a obra de recapeamento
da pista principal de Guarulhos jna terça-feira.
A obra não exige licitação e o governo
tem pressa porque o aeroporto receberá a maior
parte dos vôos retirados de Congonhas.
O ministro disse que não levará em conta
a nota da Airbus que descarta a possibilidade de falha
mecânica no avião da empresa que explodiu
em Congonhas depois de pousar e colidir com um prédio
da TAM. Para o ministro, nenhuma hipótese pode
ser descartada neste momento.
O brigadeiro José Carlos Pereira, que deixa a
estatal sob intensas críticas, afirmou que é
preciso resolver a crise aérea e disse que alguém
tem de ser o culpado.
- Se o preço para isso é demitir alguém
e apontar culpados que seja assim. Alguém tem que
ser culpado de tudo isso - observou.
Pereira frisou que não sai descontente com Jobim
ou com o residente Luiz Inácio Lula da Silva.
- Não tem mágoa, não tem nada disso.
Quando me reuni com o ministro, ele me informou que faria
reunião do conselho da Infraero para analisar minha
carta de demissão. Falei para ele que não
faria uma carta e que ele deveria me demitir - contou
o brigadeiro, para quem presidir a estatal foi uma "experiência
terrível".
Presidente da AEB desde julho de 2004 e com trânsito
entre os militares, Gaudenzi é ligado ao ex-ministro
da Defesa, Waldir Pires. Sua indicação foi
antecipada na sexta-feira pelo Informe JB.
Folha de Sao Paulo
05/08/2007
Tragédia em Congonhas pode
se repetir, dizem estudiosos
Investigadores de acidentes
aéreos dizem que problema é a falta de área
de escape
Para Peter Ladkin, da Universidade de Bielefeld, e Kenneth
Funk 2º, da Estadual do Oregon, local precisa de
mudanças
MARIO CESAR CARVALHO DA REPORTAGEM LOCAL
O acidente que ocorreu em Congonhas, com 199 mortes,
pode se repetir se o aeroporto não sofrer mudanças,
segundo dois dos mais conhecidos investigadores internacionais
de causas de desastres aéreos - o inglês
Peter Ladkin, professor de computação na
Universidade de Bielefeld, na Alemanha, e o norte-americano
Kenneth Funk 2º, professor de engenharia da Universidade
Estadual do Oregon, nos EUA.
"Aviões vão continuar a sair da pista,
como acontece todo ano ao redor do mundo. A pergunta óbvia
é: o que vocês vão fazer? Culpar os
suspeitos de sempre, equipe, sistemas computadorizados,
controle do tráfico aéreo, não muda
a situação", provoca Ladkin. Ele pesquisa
acidentes com o Airbus-A320 há 14 anos e já
prestou consultoria à empresa. "Acidentes
podem acontecer novamente, mesmo que mudanças sejam
feitas na pista", diz Funk.
O problema de Congonhas, segundo os pesquisadores, é
a falta de área de escape.
Folha de Sao Paulo
05/08/2007
TRAGÉDIA EM CONGONHAS/CAUSAS
- ENTREVISTA PETER LADKIN E KENNETH FUNK 2º
Acidentes não têm causa única, dizem
especialistas
Peter Ladkin refuta a hipótese
de que a posição errada do manete pode ter
provocado algum erro nos comandos automatizados
DA REPORTAGEM LOCAL
Os investigadores de causas de desastres aéreos
Peter Ladkin e Kenneth Funk 2º são unânimes
em afirmar que não existe acidente de uma causa
só.
Ladkin, porém, é incisivo sobre o eventual
erro cometido pelos pilotos ao não colocarem o
manete na posição de ponto morto: "Reduzir
o manete para o ponto morto é um conhecimento básico
para qualquer pessoa de aviação -e isso
não é só com o Airbus ou o Boeing,
mas até mesmo com um Cessna de dois ou quatro lugares".
Especialista em acidentes que tenham alguma relação
com o sistema de computação da aeronave,
Ladkin refuta a hipótese de que a posição
errada do manete pode ter provocado algum erro nos comandos
automatizados. "O sistema faz o que o piloto determina",
diz.
Leia a entrevista com os pesquisadores, feita por e-mail
e telefone, entre quinta e anteontem. (MARIO
CESAR CARVALHO)
FOLHA - De acordo com dados da caixa-preta
do Airbus acidentado, um dos manetes do avião estava
na posição errada quando ele pousou, aumentando
a velocidade em vez de reduzi-la. É possível
dizer que o acidente ocorreu por uma falha do comandante?
KENNETH FUNK - É possível,
sim. O National Transportation Safety Board dos EUA (Comitê
Nacional de Segurança em Transporte) atribui de
60% a 70% dos acidentes com aviões parcialmente
a erros da equipe. Entretanto, nenhum acidente resulta
de uma só causa. Pilotos são humanos e humanos
cometem erros o tempo todo. Equipamentos bem projetados
e sistemas de alerta ao piloto mitigam e compensam a grande
maioria dos erros que ocorrem. Mas, às vezes, uma
confluência de eventos e condições,
como mau tempo, pista molhada, condições
do equipamento, manutenção inadequada e
falhas de projeto podem contribuir para o desastre. Meu
palpite é que, com esse acidente, não foi
diferente. Provavelmente, uma série de fatores
contribuiu para o acidente.
PETER LADKIN - O manual de operações
é muito claro de que os dois manetes devem estar
na posição de ponto morto quando o avião
está prestes a tocar o solo. O manual é
muito claro também de que os spoilers não
serão acionados a não ser que os dois manetes
estejam na posição de ponto morto. Reduzir
o manete para o ponto morto é um conhecimento básico
para qualquer pessoa de aviação -e isso
não é só com o Airbus ou o Boeing,
mas até mesmo com um Cessna de dois ou quatro lugares.
FOLHA - O sr. tem notícias de
algum acidente com o A320 em que um manete estava na posição
errada quando ele posou?
LADKIN - Há um acidente com a família
de aviões Airbus-A320 no qual o manete não
foi reduzido para ponto morto. Esse acidente ocorreu com
um Transasia Airways A320 no aeroporto de Taipei (Taiwan),
em outubro de 2004. Ninguém se feriu e a aeronave
foi reparada e, acredito, ainda está voando. O
piloto estava aterrissando e deixou o manete num ângulo
de 22,5 graus, o que estava fora do ponto morto. Os spoilers
não se armam nessa situação. Eles
são superfícies na asa que se armam durante
a frenagem para que o avião receba o máximo
de peso nas rodas e pare. Há uma pergunta óbvia:
por que o piloto não reduziu os dois manetes na
aterrissagem no caso da Transasia? Infelizmente, na minha
opinião, essa pergunta não foi respondida
adequadamente na investigação, que foi bastante
ampla.
FUNK - Não.
FOLHA - A posição errada
do manete pode ter como origem um problema no sistema
de computação do avião?
FUNK - Não conheço o suficiente
o avião para responder.
LADKIN - Pelo que eu conheço,
nunca foi registrado um incidente no qual o sistema de
computação tenha registrado uma posição
errada do manete.
FOLHA - O sr. acha plausível
a hipótese de que a posição incorreta
do manete enganou o sistema de computação?
O computador pode ter interpretado que o piloto tentava
arremeter e desarmou os spoilers?
LADKIN - No A320, se um manete não
for colocado em ponto morto no momento em que o avião
toca o solo, o sistema de autopropulsão desliga-se
automaticamente e as turbinas vão fazer o que foi
indicado pelo manete. Os spoilers não vão
se armar. Isso está claríssimo no manual
de operações. Não há como
"enganar" o sistema de computação
nesse caso. O sistema faz o que o piloto havia determinado.
Se o piloto não colocou o manete no ponto morto
ao aterrissar, ele (ou ela) não terá isso.
FUNK - Eu ouvi falar, apesar de ninguém
confirmar, que o A320 tinha uma característica
como essa. A informação surgiu durante a
investigação do acidente do vôo 965
da American Airlines perto de Cali, na Colômbia,
em dezembro de 1995. Ali, a equipe iniciou uma rápida
descida com os spoilers acionados, mas o avião
ficou desorientado e embicou na direção
de uma área montanhosa. Quando a equipe percebeu
isso, ela acionou a potência total para subir, mas
esqueceu de recolher os spoilers. Os pilotos não
conseguiram escapar das montanhas e o impacto destruiu
o avião e matou 163 passageiros e tripulantes.
O que foi dito após esse acidente é que,
se fosse um A320, a potência total faria com que
os spoilers fossem recolhidos e eles poderiam ter escapado
das montanhas.
FOLHA - A gravação das
vozes dos pilotos mostra que eles tinham consciência
de que só um reversor funcionava. É possível
imaginar que o reversor pode ter alguma influência
na tragédia?
FUNK - Sim, é possível imaginar esse cenário.
Para mim, parece que o impulso assimétrico do reversor
provocou uma guinada no avião que seria difícil,
mas não impossível, de corrigir.
LADKIN - Os pilotos foram alertados de
que somente um reversor estava funcionando assim que eles
pegaram o avião naquele dia de manhã. E
eles fizeram uma aterrissagem em Porto Alegre com o avião.
O reverso foi desabilitado pelo pessoal de manutenção
dias antes e esse fato era conhecido pelos pilotos. Toda
essa situação não é incomum;
é rotina. O reversor não é essencial
para frear um avião na aterrissagem. As tabelas
de frenagem dos manuais dos aviões são calculadas
sem levar em conta o reversor. Em condições
normais, o reversor responde por 10% do freio, ele só
é importante quando há ventos fortes. O
poder de freagem está no freio de rodas -90% numa
pista seca e com aderência. E há os spoilers.
Eles "transferem" a maior parte do peso das
asas, garantindo que as rodas recebam o peso suficiente
para que o freio funcione. Você precisa ter certeza
de que os spoilers estão ativados.
FOLHA - Por que uma série de
investigações de acidentes começa
atribuindo a culpa ao piloto e, três ou quatro anos
depois, surgem evidências de que os computadores
podem ter influenciado no desastre?
FUNK - As pessoas gostam de explicações
simples. O piloto de um avião acidentado freqüentemente
morre no desastre e às vezes não há
ninguém para defendê-lo. Também é
bastante óbvio que o piloto fez a última
ação que resultou no acidente. A "satisfação"
desse tipo de descoberta refreia a busca de outros fatores
que contribuíram para a ação. Esses
fatores só se tornam aparentes com o tempo, após
pesquisas profundas e persistentes.
LADKIN - Após um acidente em Varsóvia
com um A320, em 1993, foram modificados o sistema de freios
e os spoilers, de forma que esse tipo de incidente nunca
mais aconteceu. Em Varsóvia não havia área
de escape e o avião incendiou-se -só duas
pessoas morreram. Se há alguma coisa para o avião
bater no final da pista, é óbvio que isso
vai acabar em tragédia. Por essa razão,
onde for possível, os principais aeroportos devem
ter áreas de escape com materiais projetados com
sistemas de agarre ou concreto rugoso. Infelizmente, em
muitos aeroportos de grandes cidades, como o de Congonhas,
isso não é possível porque há
prédios e ruas em volta do aeroporto. Mas se esses
obstáculos estão lá, e as operações
continuarem como são hoje, alguém vai bater
nesses obstáculos alguma hora. Os aviões
vão continuar a sair da pista por várias
razões, como acontece todo ano ao redor do mundo.
Isso aconteceu em Toronto, em Chicago, em Burbank [Califórnia].
A pergunta óbvia é: o que vocês vão
fazer? Culpar os suspeitos de sempre -equipe, sistemas
computadorizados, controle do tráfico aéreo-
não muda a situação.
FOLHA - O sistema de automação
do A320 é seguro?
LADKIN - Suponha que "seguro"
signifique que não houve passageiros ou tripulantes
feridos. A família A320 sofreu apenas sete acidentes
nos quais passageiros ou tripulantes saíram feridos
em 19 anos. Foram cerca de 50 milhões de vôos.
Acho que cerca de 49.999.989 vôos seguros num total
de 50 milhões é uma boa marca.
FUNK - Segundo a publicação
da Boeing chamada "Summary of Commercial Jet Airplane
Accidents, Worldwide Operations 1959-2005", a família
A320 (A319/320/321), que tem basicamente o mesmo sistema
de controle aéreo, tem uma taxa de 0,57 acidentes
graves por 1 milhão de decolagens. A média
mundial é de 1,68 acidentes graves por 1 milhão
de decolagens, o que dá ao A320 um histórico
de boa segurança. Há o problema do aeroporto.
Como aviões saem da pista com uma certa freqüência,
acidentes como o que ocorreu em São Paulo podem
acontecer novamente, mesmo que mudanças sejam feitas
na pista. Acho que o sistema de aviação
não estará livre de riscos durante minha
vida.
Tribuna da Imprensa
05/08/2007
TAM
SEBASTIÃO NERY
Em 1980, o Sindicato Nacional dos Aeronautas e as associações
de pilotos e comissários das grandes empresas aéreas
fizeram uma vitoriosa mobilização nacional
para fixarem o tempo de vôo das tripulações
em um máximo de oito horas e acabarem com os vôos
"Jornada nas Estrelas", que permitiam mais de
seis decolagens e aterrissagens em uma só viagem,
fixando as decolagens (e aterrissagens) em um máximo
de seis por viagem.
Quase trinta anos depois, pilotos e comissários
reclamam que hoje "um mesmo avião pode fazer
até oito vôos interligados" ("O
Globo"). Voltamos aos "Jornada nas Estrelas"
e aos cadáveres na pista.
Na televisão, um diretor, não sei se da
Infraero, Anac, TAM ou Gol, diz com a maior desfaçatez
que os vôos, rotas, malhas e aeroportos "quem
decide é o mercado": "As resoluções
do Conac representam uma grave intervenção
no mercado" ("O Globo"). A lei deles é
o criminoso e confesso cinismo da TAM: "Em primeiro
lugar está o lucro". Em segundo, os cadáveres.
O Estado de Sao Paulo
05/08/2007
Companhias aéreas poderão
ter perdas de receitas de R$ 2 bi este ano
Estimativa da consultoria MB
Associados considera o período de caos aéreo
a partir da crise da Varig, em 2006
Marcelo Rehder
O caos aéreo que se instalou no País desde
o primeiro semestre de 2006, com o colapso das operações
da Varig, deverá resultar em perdas da ordem de
R$ 2 bilhões em receitas às companhias aéreas
nacionais até o final de 2007. A estimativa é
da consultoria MB Associados e tem como base o número
de passagens para vôos domésticos e internacionais
que as empresas deixaram e deixarão de emitir nesse
período, por causa dos obstáculos ao potencial
de crescimento da demanda no mercado brasileiro.
“A solução para contornar esses problemas
deverá ser via demanda e o instrumento para isso
já é conhecido: aumento de preços,
o que deverá acontecer com as tarifas aéreas
já neste segundo semestre”, diz o economista
Sérgio Vale, responsável pelo estudo da
MB Associados.
Pelas suas contas, até maio deste ano, antes do
acidente com o vôo da TAM, a perda já chegava
a R$ 1,650 bilhão. Desde outubro, quando houve
o acidente com a Gol e começaram os problemas com
passageiros domésticos, as empresas deixaram de
faturar R$ 120 milhões somente com vôos de
rotas dentro do País.
No período de 12 meses até maio passado,
o número de passageiros domésticos cresceu
9,7%, mas segundo o economista, poderia ter crescido 11,25%,
número próximo do que fechou 2006 (12,6%).
“Se não fosse o acidente do ano passado,
que deixou claro os problemas de infra-estrutura de pessoal
técnico e que culminou com a greve dos controladores
de vôo, poderíamos ter mantido o crescimento
na casa dos 12% este ano”, afirma Vale.
Segundo ele, as empresas aéreas perderam cerca
de R$ 120 milhões em passagens para vôos
domésticos que deixaram de ser emitidas entre outubro
de 2006 e maio deste ano, porque o crescimento da demanda
ficou abaixo do seu potencial.
“Depois do acidente da TAM, é de se esperar
que cheguemos ao final do ano com crescimento de apenas
6%, metade do registrado em 2006”, diz o economista
da MB.
Se isso se confirmar, significará perdas acumuladas
de cerca de R$ 440 milhões desde outubro do ano
passado. Considerando a tarifa média de R$ 250,
da Gol e da TAM, as duas maiores operadoras do País,
a consultoria estima que mais de 1,8 milhão de
passageiros terão deixado de voar por conta da
crise aérea.
“Obviamente, muitas dessas pessoas viajarão
por outros meios de transporte”, observa Vale. “Mas
pelas longas distâncias do Brasil e pelo medo de
voar, uma grande quantidade de viagens deixará
de ser feita”.
VÔOS INTERNACIONAIS
De acordo com a MB Associados, no caso dos vôos
internacionais, a perda foi ainda maior, por causa principalmente
da crise na Varig e pelos reflexos da crise de infra-estrutura.A
queda de passageiros-quilômetro acumulada em12 meses
até maio atingiu 41,4%, utilizando-se dados apenas
de empresas nacionais que fazem vôos internacionais.
Considerando um modelo que usa a taxa de câmbio
real, a consultoria estima que essas companhias deixaram
de faturar cerca de R$ 1,530 bilhão desde março
do ano passado. Nesse período, a empresa calcula
que cerca de 600 mil passageiros deixaram de viajar para
o exterior em vôos de empresas nacionais.“Os
assentos perdidos da Varig têm sido recuperados
gradualmente pelas outras companhias”, observa Sérgio
Vale. “Mas as estimativas são de que, até
o fim do ano, poderemos ter deixado de ganhar 1,6 milhão
de passageiros novos desde março de 2006, principalmente
os que saem do País, já que o câmbio
é favorável”.
O Estado de Sao Paulo
05/08/2007
Mortos do vôo da Gol foram
pilhados
Documentos e objetos como celulares
e jóias de vítimas do vôo 1907 sumiram
ou pararam na mão de ladrões
Christiane Samarco
Os corpos das vítimas da tragédia do vôo
1907, envolvendo um avião da Gol, em 29 de setembro
do ano passado, foram pilhados. Documentos importantes
de alguns dos 154 mortos estão sendo usados hoje
por falsários - um deles utilizou esses documentos
no contrato de um empréstimo, no mês passado,
em uma financeira de Brasília, para comprar um
carro por R$ 20,4 mil.
Tão grave e impressionante quanto o uso criminoso
dos documentos pessoais é o caso do celular de
uma das vítimas que apareceu em um subúrbio
do Rio dez dias após o acidente, quando só
as Forças Armadas trabalhavam no local da queda
do Boeing.
Por ter caído nas mãos de um revoltado
e curioso 'consertador' de celulares, o aparelho virou
pivô de uma cena tétrica: sem que o corpo
da mulher tivesse sido localizado e resgatado, o viúvo
recebeu uma ligação feita a partir do celular
dela. Do outro lado, uma voz masculina chamou-o pelo apelido
de 'Pretinho', uma maneira carinhosa pela qual era tratado
pela mulher morta.
Ao longo da semana passada, o Estado recolheu provas
e relatos de familiares a quem foram devolvidas carteiras,
pastas e bolsas intactas dos parentes mortos, mas só
com 'documentos supérfluos', como carteirinhas
de clubes esportivos, identificações profissionais
e de freqüência em universidades e outros estabelecimentos
de ensino. Há relatos em que fica claro que os
espoliadores da tragédia só queriam mesmo
os documentos.
SEM IDENTIDADE
A empresária Janice Campos, moradora de Goiânia,
recebeu o celular da filha funcionando e sem nada quebrado,
além da bolsa com R$ 200, cartões bancários
e talões de cheques, mas sem a identidade, CPF
e certidão de nascimento do neto, sem a qual os
dois, mãe e filho, não teriam embarcado
em Manaus. Janice recebeu até a mochila do neto
- dentro, a fantasia de Power Rangers.
Corpos de passageiros do vôo 1907, que nunca se
separavam de certas jóias e não sofreram
mutilações, foram entregues aos familiares
sem alianças, cordões de ouro e brincos
de estimação. Parentes receberam caixas
de relógios sem um arranhão - e sem os relógios.
O comando da Aeronáutica, que coordenou toda a
operação de resgate, a Gol e a Blake Emergency
Services, empresa inglesa contratada para fazer o serviço
de desinfecção e higienização
de todos os pertences, não sabem explicar como
sumiram dessas bolsas intactas os cartões de crédito,
carteiras de identidade, carteiras de motorista e CPFs
dos mortos.
Após a retirada dos objetos da selva de Mato Grosso,
tudo foi reunido em um galpão, em Brasília.
Entre a coleta e a devolução aos parentes,
os pertences ou foram manuseados ou ficaram à vista
de militares, índios e mateiros, policiais civis,
bombeiros, funcionários da Gol e técnicos
da Blake. Onde e como foi a pilhagem ainda é uma
incógnita.
Folha de São Paulo
04/08/2007
Brasil pode ter falta de pilotos
em 4 anos
A Anac estuda a concessão
de bolsas de estudo para tentar evitar a escassez de comandantes
de aviões de grande porte
Crescimento do número de passageiros no país
e a debandada de profissionais para companhias da Ásia
e da Índia são os motivos
MAELI PRADO
KLEBER TOMAZ
DA REPORTAGEM LOCAL
Além das deficiências da infra-estrutura
dos aeroportos, o país deve enfrentar, em três
a quatro anos, outro gargalo decorrente do crescimento
do tráfego aéreo no Brasil: a falta de pilotos
especializados em aviões de grande porte.
A própria Anac (Agência Nacional de Aviação
Civil), que regula o setor aéreo, prevê o
problema e aposta na implementação de bolsas
de estudo -já que a formação dos
pilotos é extremamente cara- como forma de incentivar
novos comandantes e tentar evitar a escassez de mão-de-obra
no futuro.
São dois fatores principais que causam preocupação:
em primeiro lugar, as altas taxas de crescimento do número
de passageiros no Brasil -no ano passado, por exemplo,
a demanda cresceu 12,3% em relação a 2005.
Se em 2001 havia 542 jatos no Brasil, hoje há 629.
Além disso, há a debandada de pilotos brasileiros
para companhias da Ásia e da Índia: como
o tráfego aéreo cresce no mundo todo, essas
companhias aéreas demandam profissionais experientes
e os brasileiros são seduzidos por ótimas
propostas para trabalhar no exterior, que incluem até
aluguel e escola de inglês dos filhos.
"A demanda [por comandantes] é superior à
oferta. Em algum momento as duas linhas vão se
cruzar, e vai ter escassez", afirma Alex Castaldi,
superintendente de estudos, pesquisas e capacitação
para a aviação da Anac.
Há 5.049 pilotos de linha aérea (comandantes)
e 5.739 pilotos comerciais no país (co-pilotos).
O primeiro grupo precisa de, no mínimo, 1.500 horas
de vôo, e o segundo, de 150.
"Vai faltar piloto no Brasil, com certeza",
diz o presidente do Sinpac (Sindicato Nacional dos Pilotos
da Aviação Civil), comandante Hugo Stringhini,
60. Ele diz que há 2.000 pilotos realmente trabalhando
no país.
"Pelo menos 500 comandantes deixaram o Brasil nos
últimos dois anos. Tem aviadores brasileiros experientes
voando na Índia, Oriente Médio, Taiwan,
China, Japão, Coréia do Sul e Indonésia",
afirma ele.
Caro
Outro motivo é que entre as primeiras aulas em
um aeroclube e o término das horas de vôo
necessárias para se tornar piloto de linha aérea,
o grau máximo da carreira, o aluno precisa investir
até R$ 160 mil.
Já os salários não são tão
interessantes. Segundo Stringhini, o salário inicial,
em média, de um co-piloto no Brasil é de
R$ 2.000. Já o de um comandante experiente pode
chegar, no máximo, conta, a R$ 12 mil.
"Temos aqui no Brasil salários baixos em relação
às responsabilidades que o piloto assume",
disse Stringhini.
É no custo financeiro que a Anac pretende mexer
para incentivar a formação de comandantes.
"Estamos fazendo uma experiência no Rio Grande
do Sul para instituir uma bolsa para horas voadas. Isso
ainda está sendo organizado junto a aeroclubes
e faculdades."
Devido ao êxodo de pilotos brasileiros para outros
países, os sindicatos da categoria afirmam que
os comandantes que atuam no Brasil estão ficando
mais velhos. Há registros de comandantes acima
dos 70 anos trabalhando. Segundo ele, no caso dos mecânicos
o problema será na aviação executiva.
"Vamos pensar em bolsa nesse caso também,
mas é necessário fazer uma reavaliação
da carreira do mecânico, que poderia trabalhar com
uma formação de 450 horas desde que sob
a supervisão de um mecânico que já
tenha 1.100 horas trabalhadas [limite mínimo atual].
Com a supervisão, a qualidade não cai, e
conseguimos aumentar a quantidade de mecânicos.
Já é assim nos EUA."
Folha de São Paulo
05/08/2007
Chefe de agência espacial
assume Infraero
Nove dias depois de assumir
o ministério da Defesa, Nelson Jobim demitiu ontem
o brigadeiro José Carlos Pereira
Gaudenzi é filiado ao PSB e atual presidente da
Agência Espacial Brasileira, vinculada ao Ministério
de Ciência e Tecnologia
IURI DANTAS DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
ELIANE CANTANHÊDE COLUNISTA DA FOLHA
FELIPE BÄCHTOLD DA AGÊNCIA FOLHA
Em sua primeira substituição no setor da
aviação, o ministro da Defesa, Nelson Jobim,
demitiu ontem o brigadeiro José Carlos Pereira
da presidência da Infraero. Seu sucessor será
o ex-deputado Sérgio Maurício Britto Gaudenzi,
que toma posse segunda.
Engenheiro baiano, Gaudenzi, 65, é filiado ao PSB
e atual presidente da AEB (Agência Espacial Brasileira),
do Ministério de Ciência e Tecnologia. Foi
secretário da Fazenda da Bahia durante o governo
de Waldir Pires (1987-1989), ex-ministro da Defesa, e
ficou amigo de Nelson Jobim na Câmara, na legislatura
de 1991 a 1995.
A mudança ocorre nove dias após a posse
de Jobim na Defesa, onde já anunciou que queria
mudanças até "o começo da semana"
-que acaba hoje.
A Infraero é a estatal que cuida da infra-estrutura
de 67 aeroportos, 84 unidades de apoio e 33 terminais
de carga. Em 2006, arrecadou R$ 2 bilhões em taxas
e concessão de espaços comerciais. Desde
2003, tem mais de 80 processos no Tribunal de Contas da
União.
Ouvido pela reportagem, Gaudenzi não confirmou
a indicação para a presidência da
Infraero, mas afirmou que foi procurado pelo ministro
Nelson Jobim durante a semana.
Acúmulo
Sobre a crise aérea, Gaudenzi disse tratar-se de
um "acúmulo de problemas". "Eu ouço
dizer do pessoal da aviação o seguinte:
avião, quando tem problema, nunca é uma
coisa só".
O presidente da Agência Aeroespacial Brasileira
também afirma que um dos fatores que contribuem
para a crise é uma falta de coordenação
nas ações tomadas pela Infraero e pela Anac.
Mas diz que fala isso "como leigo, como leitor de
jornal". Para ele, não há como dar
um diagnóstico sem conhecer a estrutura das instituições
por dentro.
"É preciso juntar essas pontas [Infraero e
Anac], é preciso trabalhar mais junto. Para dar
uma cobertura melhor, tem que ter um trabalho conjunto".
Um minuto
A conversa de Jobim com o brigadeiro J. Carlos, como é
conhecido, aconteceu na tarde de ontem, na Base Aérea
de Brasília. Conforme a Folha apurou, durou um
minuto, tempo para que o ministro comunicasse que ele
estava deixando o cargo e que a posse e a transmissão
à Gaudenzi serão na segunda.
J. Carlos deixa o cargo desgastado "por falar demais"
e sob suspeitas de corrupção e má
qualidade das obras da estatal na gestão anterior,
do hoje deputado federal Carlos Wilson (PT-PE) e quando
Pereira era diretor de operações. A última
controvérsia envolvendo o brigadeiro foi a entrega
da pista principal de Congonhas sem o "grooving"
(ranhuras), semanas antes do acidente.
Pereira foi informado no dia 25 de julho que deixaria
o cargo. Nos bastidores, porém, vinha tentando
manter-se na função, argumentando que problemas
independiam dele: a diretoria é loteada por interesses
políticos e que não tinha autonomia para
mudanças.
Brigadeiros amigos de J. Carlos ainda tentaram interceder,
inclusive o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito,
sem sucesso. Jobim reclamou que ele "falava demais"
e era "muito confuso" durante as reuniões.
Apesar de toda a imprensa ter publicado que estava deixando
o cargo, J. Carlos ainda participou da primeira reunião
do Conselho Nacional de Aviação Civil, já
com Jobim.
Dois dias depois, voltaram a se encontrar na Defesa. Foi
quando o brigadeiro entregou ao ministro um plano para
recuperar uma das pistas de Guarulhos, em três etapas.
Em entrevista à Folha, J. Carlos havia classificado
a pista de "não confiável" e advertia
que não concordava com a posição
da Agência Nacional de Aviação Civil
de postergar o início das obras para 2008. O orçamento
é de R$ 11 milhões, já com as ranhuras,
e ele disse que a Infraero estava com tudo pronto para
começar.
Zero Hora
03/08/2007
Sou uma viúva
David Coimbra
Você entra num desses aviões das modernas
companhias aéreas brasileiras. Tenta se acoplar
no espaço que lhe é destinado. Não
é fácil, seus joelhos espetam as costas
do cara da frente e você não pode respirar
muito forte ou desgrudar os cotovelos das costelas sem
esbarrar nos úberes da gorda sentada ao lado. Aí
vem aquela mulher caminhando pelo corredor com um Nutry
na mão. A aeromoça. Ela pára a um
passo de distância e lhe estende o Nutry:
- Ó teu Nutry.
Respondo:
- Não quero esse teu Nutry.
Não que faça questão de comida de
avião. Nunca gostei de comida de avião,
por Deus. Prefiro eu mesmo escolher a minha comida. Mas
o Nutry é um símbolo. Representa a filosofia
dessas companhias de aviação. "Nada
substitui o lucro", é o lema delas. Entendo
isso. É um troço que se chama "processos
de gestão". Aprende-se esse negócio
nos cursos de embiei em São Paulo. Basicamente,
o que eles ensinam nos embieis é o seguinte: economize.
Pronto. Concluído o curso.
Eu, aqui, admito: não entendo spoilers nenhum
de aviação. Mas entendo de ser passageiro.
É como passageiro que tenho autoridade para afirmar:
essas modernas companhias aéreas brasileiras são,
como se diz na região oeste do Menino Deus, muquiranas.
Como passageiro, sou uma viúva da velha Varig.
A velha Varig era conhecida por ter um dos melhores serviços
de manutenção do mundo. Os pilotos da velha
Varig ganhavam bem - eram os melhores pilotos. Tanto que
estão espalhados pelo mundo, na China, na Coréia,
na Europa.
Quando você estava em Paris, por exemplo, se lhe
sobrevinha um problema, você não procurava
a embaixada brasileira; procurava a agência da Varig.
E o funcionário da Varig resolvia a questão.
Ou se esforçava até o último flap
para fazê-lo.
Nunca se ouviu falar de uma porta se desprender de um
avião da Varig em pleno vôo. Nem de um cara
cair lá de cima. Por minha autoridade de passageiro
é que garanto: é chato cair lá de
cima.
Uma coincidência: esses fatos ocorreram depois
que a Varig fechou. E os atrasos nos aeroportos. E os
dois maiores acidentes da história da aviação
brasileira, com 10 meses entre um e outro.
Mas o fechamento da Varig foi saudado pelos gestores
modernos. Uma companhia que pagava tão bem aos
seus funcionários, que prestava serviço
de qualidade ao passageiro e que servia refeições
com talheres de aço inox tinha de fechar. Os gestores
da Varig decerto não fizeram embiei. Não
sabiam que nada substitui o lucro.