O Estado de São Paulo
04/06/2007
CPI da Câmara vive ameaça
de apagão
Investigação sobre
caos aéreo perde fôlego e já desanima
até os deputados oposicionistas
Eugênia Lopes, BRASÍLIA
No Congresso, que já viu mais de uma CPI acabar
em pizza, está em curso um fenômeno político
novo: uma comissão parlamentar de inquérito
onde o fogo da investigação se apagou antes
mesmo de assar a pizza. Esvaziada e vivendo uma crise
de ciúmes políticos com a comissão
do Senado, a CPI do Apagão Aéreo da Câmara
está cada vez mais distante da Infraero e suas
suspeitas de superfaturamento, mas terminou a semana passada
revelando insólito interesse pela discussão
sobre barras de cereal distribuídas a bordo.
Instalada por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF)
e com hegemonia da base aliada, a comissão tem
um assunto vetado. “Desvios de recursos (na Infraero)
não são objeto desta CPI. Se quiserem apurar
isso têm de fazer outra comissão”,
defende o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), um
dos articuladores do governo para não deixar a
CPI da Câmara avançar. Junto com Eduardo
Cunha (PMDB-RJ), Vaccarezza brecou até o pedido
de funcionários do Tribunal de Contas da União
para ajudar.
Em um mês de funcionamento, todo o trabalho da
comissão da Câmara está centrado na
apuração da queda do Boeing da Gol, que
matou 154 pessoas e teve sua investigação
já concluída pela Polícia Federal.
“Não vai ter nem pizza. É o apagão
já no forno, antes de a pizza ficar pronta”,
resume Gustavo Fruet (PSDB-PR). “Para apurar a queda
do avião da Gol não precisava criar uma
comissão de inquérito.” Entre outros
problemas, Câmara e Senado acabam ouvindo as mesmas
pessoas. “É inevitável que uma CPI
seja espelho da outra”, afirma Fruet.
O rolo compressor usado pelo governo para enterrar a
CPI da Câmara acabou desanimando a oposição,
que, aos poucos, vai abandonando as reuniões. Antes
assíduos, Ivan Valente (PSOL-SP), Solange Amaral
(DEM-RJ), Luciana Genro (PSOL-RS) e Carlos Sampaio (PSDB-SP)
quase não aparecem, evidenciando o desinteresse
geral. “Essa CPI está se apagando com a Operação
Navalha. Além disso, a cúpula da CPI não
a deixa ir em frente”, diz Vic Pires Franco (DEM-PA).
Em funcionamento há cerca de 20 dias, a CPI do
Senado dá sinais de mais vigor. O relator, Demóstenes
Torres (DEM-GO), já avisou que no máximo
na próxima semana entrega relatório parcial
sobre o acidente da Gol - no qual pedirá indiciamento
de controladores e dos dois pilotos norte-americanos envolvidos
por crime culposo (sem intenção). “Não
tem mais o que apurar sobre o episódio. O Ministério
Público denunciou os controladores. Estou doido
agora para investigar a Infraero”, diz Torres.
Sua agilidade causou ciumeira no relator da CPI da Câmara,
Marco Maia (PT-RS), e em deputados da base aliada, que
foram para o ataque. “O debate na Câmara não
pode ser feito com o açodamento do Senado”,
afirma o deputado André Vargas (PT-PR). “Não
acho razoável que, antes de concluir a CPI, o relator
já avise quem vai indiciar”, diz Vaccarezza.
Jornal do Brasil
04/06/2007
CPI agora vai dedicar-se à
Infraero
Fernando Exman
BRASÍLIA. A CPI do Apagão Aéreo
do Senado deve entrar, a partir desta semana, em uma nova
fase. Segundo o relator da comissão, senador Demóstenes
Torres (DEM-GO), até quarta-feira, a CPI encerrará
as investigações sobre as causas do choque
entre o Legacy e o Boeing da Gol e também do caos
que tomou conta dos aeroportos brasileiros nos últimos
meses. A comissão passará então a
apurar supostas irregularidades na Infraero, estatal responsável
pela administração dos aeroportos do país.
Para Torres, apesar de o governo estar receoso com a
devassa nas contas da Infraero, a CPI não deve
enfrentar resistências dos senadores que apóiam
o Executivo para investigar a estatal.
O presidente da Infraero, tenente-brigadeiro José
Carlos Pereira, por sua vez, disse estar preparado para
responder a todas as perguntas dos integrantes da CPI.
Assegurou que não está preocupado e que
colaborará com a comissão.
Torres pretende apresentar nesta quarta-feira relatório
preliminar sobre as causas do desastre com o Boeing da
Gol. O relator já decidiu que culpará os
dois norte-americanos que pilotavam o Legacy e os quatro
controladores de vôo responsáveis pelo monitoramento
das aeronaves.
Nesta quarta-feira, o senador divulgará o relatório
parcial sobre as causas do apagão aéreo.
Para Torres, há um número insuficiente de
controladores de vôo, os equipamentos da Aeronáutica
não estão em boas condições
e a Força não conta com equipamentos reservas.
A Agência Nacional de Aviação Civil
(Anac) será responsabilizada pela desorganização
do setor. De acordo com o senador, a agência permite
a expansão das operações das companhias
aéreas sem que os aeroportos tenham condições
de abrigar o crescente número de passageiros.
Durante a manhã de ontem, o trem de pouso dianteiro
de um jato quebrou no momento do pouso no aeroporto de
Congonhas, na zona sul de São Paulo, e os vôos
foram suspensos por quase meia hora.
Segundo a assessoria da Infraero, ninguém ficou
ferido. A pista teve de ser fechada às 11h29 e
só foi liberada às 12h04, depois que o avião
foi rebocado.
O incidente não causou atrasos. Apenas um vôo
foi transferido para o aeroporto de Guarulhos.
O Globo
04/06/2007
Controladores de vôo 1907 da Gol
dizem que são inocentes
RIO - Os controladores de vôo Jomarcelo Fernandes dos
Santos e Lucivando de Tibúrcio de Alencar, acusados de
serem responsáveis pela morte de 154 pessoas no vôo 1907
da Gol , no pior acidente aéreo da história da aviação
brasileira, falaram com exclusividade ao "Fantástico".
O acidente envolvendo o jato Legacy e o Boeing da Gol
aconteceu no dia 29 de setembro do ano passado. Joe Lepore
e Jean Paul Paladino, pilotos do Legacy, conseguiram pousar
o jato na Base Aéreade Cachimbo, no sul do Pará, após
o choque com o Boeing. Na entrevista os dois controladores
se dizem inocentes.
- Sou uma pessoa inocente, não quis fazer aquilo. Não
sou criminoso. Foi uma fatalidade, que não dependeu de
mim. Eu não errei, eu não falhei - afirmou Lucivando,
chorando.
Jomarcelo Fernandes dos Santos é o mais implicado. Para
a Justiça Federal, ele cometeu um crime doloso. Ou seja,
percebeu a iminência do acidente e não fez nada para evitar.
Tímido, 27 anos, casado, uma filha. Jomarcelo é controlador
há quatro anos e decidiu falar pela primeira vez.
- Cheguei por volta de 14h30m para trabalhar. Por volta
de 16h30 fui rendido pelo colega Lucivando, passei o serviço,
informei inclusive o Legacy, estava no nível 360 - lembra
Jomarcelo.
Nível 360 significa que o avião voava a 36 mil pés, ou
quase 11 quilômetros de altura. O plano de vôo do Cindacta
para o Legacy estabelecia que o jato deveria voar de São
José dos Campos até Brasília a 37 mil pés. A partir de
Brasília, desceria para 36 mil. Mas o Legacy se manteve
nos 37 mil, altitude onde, em sentido contrário, vinha
o Boeing da Gol.
- Os pilotos do Legacy entraram em contato comigo por
volta de 50 milhas antes de Brasília. Nível 370. Até aquele
momento, nível 370 estava correto - diz.
As investigações da Justiça Federal e da CPI do Apagão
Aéreo dizem que Jomarcelo teve uma atitude criminosa.
- O Jomarcelo falhou em pelo menos dois momentos, falhou
de forma muito grave. Quando passou o Legacy sobre Brasília
e deveria mudar a altitude 37 mil pés para 36 mil pés,
e o transponder ainda estava funcionando - explica o relator
da CPI do Apagão Aéreo, senador Demóstenes Torres.
O transponder é um equipamento obrigatório que informa
para o Centro de Controle Aéreo a altitude do avião. O
transponder do Legacy teria sido desligado seis minutos
depois de o jato passar por Brasília. Segundo o senador
Demóstenes Torres, Jomarcelo tinha essa informação e silenciou
a respeito.
- A outra grave falha que ele teve foi quando ele transferiu
o serviço para o Lucivando e para o Leandro e não os alertou
que tinha uma aeronave voando com o transponder desligado
- acrescenta o senador.
Jomarcelo diz que se sente injustiçado.
- Tenho consciência que não tive culpa. Segui todos os
regulamentos de tráfego aéreo, acreditei nas informações
que tinha, não me sinto culpado - diz o controlador de
vôo.
Jomarcelo diz que a falha não foi dele e sim do equipamento
da Aeronáutica.
- O que aconteceu foi informação errada. Tivemos informação
de que a aeronave estava no nível 360 e na verdade estava
no 370. Foi uma mudança automática que o sistema fez.
Ele mudou automaticamente do 370 para 360. É um erro de
software, que não deve acontecer, que já foi reportado,
feito relatório de perigo, bem antes mesmo desse acidente,
e nunca foi mudado - denuncia. Jomarcelo.
Em nota oficial, o comando da Aeronáutica afirma que,
até o momento, não há nenhuma indicação de deficiência
nos equipamentos. Além disso, continua a nota, o sistema
emitiu todos os alertas previstos e conhecidos para que
os controladores pudessem evitar o acidente.
Às 16h30m, meia hora antes do acidente, Lucivando Alencar
assumiu o lugar de Jomarcelo o controle da tela do radar.
Ele disse que não conseguiu entrar em contato com os pilotos
do Legacy para informar que o transponder não estava funcionando.
- Eles não me ouviam, não transmitiam nada. Isso é comum
acontecer porque é um setor deficiente, há muito tempo
apresenta problemas, é uma rotina operacional - diz o
controlador.
Ou seja, a região para onde o Legacy estava voando não
tem cobertura de radar e apresenta problemas de transmissão
por rádio. É um verdadeiro buraco negro nos céus do Brasil.
Lucivando disse que não imaginou pelas informações que
tinha que as duas aeronaves estavam prestes a se chocar.
- Isso eu vim a saber no dia seguinte quando a Aeronáutica
nos convocou para fazer o primeiro relatório sobre o acidente.
Jamais tive a menor noção ou a menor suspeita que as duas
aeronaves estivessem na mesma altitude. Se o transponder
estivesse funcionando, eu teria evitado. Se a freqüência
estivesse funcionando, eu teria evitado. Como já aconteceu
outras vezes e foram evitadas outras vezes. Isso eu afirmo.
Não só eu como qualquer controlador de vôo que vive a
mesma situação - aponta.
Jomarcelo disse ainda que não fala inglês fluente e que
normalmente se comunica tecnicamente com outros pilotos.
- Em uma situação de emergência manter um diálogo é muito
difícil - disse.
Além de Jomarcelo e Lucivando, outros dois controladores
e os pilotos americanos do Legacy também são acusados
pelo crime de atentado contra a segurança de transporte
aéreo.