Basta se identificar
para entrar em vôo
Nada melhor para quem gosta de viajar de avião
do que ser funcionário da Anac. Basta um carteiraço
nos balcões das companhias aéreas para
cruzar os céus do país.
Na maior parte das situações, o relatório
que está nas mãos da CPI do Apagão
Aéreo mostra que as viagens são justificadas
como "inspeção de instalações
de aviação civil". Nas justificativas,
não se detalha que tipo de procedimento seria
efetuado. Segundo a portaria da Aeronáutica que
regulamenta o passe, para solicitar os bilhetes gratuitos
é necessário remeter às empresas
um memorando com o número do cartão funcional
do servidor, nome, cargo e documento de identidade,
além do objetivo da missão, entre outras
informações.
Na prática, porém, isso raramente acontece.
Na maior parte das vezes o servidor apenas apresenta
a carteira funcional no balcão de check-in das
empresas. Se houver poltronas disponíveis no
vôo desejado, o embarque é imediato. O
descumprimento das regras é confirmado em ofício
remetido à CPI do Apagão Aéreo
pela empresa de aviação Ocean Air. Assinado
pelo diretor técnico-operacional da empresa,
Flávio Costa, o documento afirma que o embarque
de inspetores da Anac é feito "direto no
check-in apresentando somente a carteira funcional".
Costa diz ainda que "não cabe à empresa
aérea perguntar a real intenção"
dos servidores da agência.
Na última terça-feira, o relator da comissão,
Marco Maia (PT-RS), questionou o ministro da Defesa,
Nelson Jobim, a quem a Anac é subordinada, sobre
a profusão de bilhetes emitidos sem custos à
agência. Jobim admitiu que os passes não
resultam em uma maior eficácia do sistema aéreo.
- O índice de fiscalização é
muito baixo. O passe é uma forma de benesse que,
de uma forma ou outra, será cobrado. Isso pode
se dar no esgarçamento da tolerância nas
exigências - alertou Jobim.
Contraponto - O
que diz a Assessoria de Comunicação Social
da Anac
Não existe viagem de graça. A sistemática
utilizada é prevista na Portaria nº. 48/GC5,
de 23 de janeiro de 2002, do Comando da Aeronáutica,
publicada no Diário Oficial de 28 de janeiro
de 2002, e a mesma é usada desde 1999, por meio
de portarias anteriores, pelos militares e civis que
desempenham missões de fiscalização
e inspeção na aviação civil.
O transporte aéreo não remunerado solicitado
às empresas brasileiras de transporte aéreo
regular é destinado ao cumprimento de missões
de apoio e fiscalização das atividades
do Sistema de Aviação Civil. São
consideradas missões de apoio e de fiscalização
das atividades do Sistema de Aviação Civil,
as seguintes: investigação e prevenção
de acidentes aeronáuticos relacionados com a
Aviação Civil; inspeção
e vistoria de aeronaves civis; exame de tripulantes
e aeroviários; inspeção de oficinas
e instalações da Aviação
Civil; inspeção e fiscalização
de aeroportos, suas facilidades, instalações
e demais serviços de infra-estrutura aeroportuária."
Diretores não
estão na lista
O curioso no extenso relatório remetido pela
Anac à CPI do Apagão Aéreo da Câmara
é a ausência de bilhetes emitidos em nome
dos principais diretores da agência.
De acordo com a documentação, o presidente
da Anac, Milton Zuanazzi, e os ex-diretores Denise Abreu
e Jorge Velozo não viajaram de graça no
primeiro semestre. Josef Barat solicitou dois bilhetes,
e Leur Lomanto, um.
Dados da CPI, no entanto, que não estão
no relatório e, portanto, não aparecem
na contabilidade sobre a distribuição
gratuita de passagens, atestam que, juntos, os cinco
integrantes da diretoria colegiada da Anac voaram de
graça 288 vezes entre julho do ano passado e
fevereiro deste ano.
A Anac também dispõe de uma agência
de turismo específica para contratar viagens
e um orçamento de R$ 6 milhões para compra
de passagens e pagamento de diárias em 2007 -
dos quais R$ 2,1 milhões já haviam sido
gastos até julho - , a CPI suspeita que a direção
tenha interrompido as solicitações de
cortesias para se precaver de críticas.
Segundo a Anac, os diretores só usaram o passe
funcional em 2006 devido à inexistência
de orçamento próprio para deslocamentos.
Em 2007, a prática teria sido abortada pela direção.
Um requerimento prestes a ser votado pela CPI solicita
a lista de todas as passagens efetivamente pagas pela
Anac nos últimos 12 meses. Autor do pedido, o
deputado Vic Pires (DEM-PA) desconfia de que diretores
da agência tenham viajado com passagens pagas
pelo governo para a festa de casamento da filha de Leur
Lomanto, dia 30 de março, em Salvador (BA). Na
ocasião, Denise Abreu foi fotografa fumando charuto,
enquanto milhares de passageiros estavam presos nos
principais aeroportos do país.
- Os controladores de vôo estavam de greve, o
sistema em colapso, e a direção da Anac
festejando - diz Vic Pires.
Denise renunciou ao cargo há 10 dias, após
ter o sigilo bancário quebrado e passar a responder
a um inquérito administrativo no Ministério
da Defesa. Único técnico ligado à
aviação na chefia da Anac, Jorge Velozo
também pediu demissão, porém em
um ato combinado com o ministro da Defesa, Nelson Jobim,
que tenta forçar a renúncia de toda a
direção da agência com o objetivo
de reformulá-la. Os pedidos de exoneração
de Josef Barat e Leu Lomanto são aguardados para
os próximos dias. Já Milton Zuanazzi resiste
à pressão, mas deve entregar o cargo até
o final do mês.
O Globo - Niteroi
02/09/2007
Coluna - Gilson Monteiro
Folha de São Paulo
01/09/2007
Jobim propõe redução
de tarifas aeroportuárias
SHEILA D'AMORIM DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Durante reunião ministerial na última
quinta-feira, na granja do Torto, em Brasília,
o ministro Nelson Jobim (Defesa) propôs uma revisão
das tarifas aeroportuárias e do ICMS cobrado
sobre combustíveis como "arma" para
melhorar a distribuição de vôos
pelos aeroportos do país.
Segundo relatou à Folha um dos presentes à
reunião, ao fazer uma prestação
de contas sobre o gerenciamento da crise aérea
e mostrar as sugestões para nova malha aérea,
o ministro teria citado o exemplo de Toronto, no Canadá,
para defender que a redução das taxas
cobradas pelos aeroportos menos movimentados pode estimular
os passageiros a utilizar mais esses locais.
São várias as taxas cobradas dos passageiros,
das companhias aéreas e das transportadoras de
cargas. No final, todas elas influenciam o preço
das passagens.
A taxa de embarque, por exemplo, é paga diretamente
na hora em que se compra um bilhete aéreo, mas
outras tarifas, como a de pouso e a de permanência,
que representam custos para as empresas, acabam pesando
indiretamente no valor cobrado dos clientes.
Segundo a Infraero, desde 1989, a taxa de embarque -doméstica
e internacional- tem um adicional de 50% para financiar
melhorias e expansões de aeroportos.
Inicialmente, esse adicional deveria ser provisório,
mas é cobrado até hoje, e o dinheiro arrecadado
é dividido entre a Infraero, o Programa Federal
de Auxílio a Aeroportos (Profaa) e o fundo aeronáutico.
No caso da taxa adicional cobrada nos vôos internacionais,
o Tesouro Nacional também entra na divisão.
A extinção desse adicional é reivindicação
antiga das empresas aéreas.
Atualmente, essas taxas já possuem valores diferenciados
de acordo com a classificação dos aeroportos.
Nos maiores e mais movimentados, a taxa de embarque
doméstico, já incluída a tarifa
extra, é de R$ 19,62 e a internacional, US$ 36
(cerca de R$ 72), segundo tabela da Infraero. Aí
estão incluídos os aeroportos de São
Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Recife,
Porto Alegre, Minas Gerais e Curitiba.
A diferença da taxa cobrada nos aeroportos menores,
como São José do Rio Preto, São
José dos Campos, Uberaba, Campinas, Goiânia
e Ilhéus, é pequena: R$ 15,42 nos vôos
domésticos e R$ 60 (US$ 30) nos internacionais.
ICMS
Jobim destacou também que a questão da
unificação da alíquota do ICMS
sobre combustíveis, além de ajudar a melhorar
a distribuição de vôos, é
uma medida de segurança.
Ele teria citado especificamente o caso do acidente
com o vôo 3054 da TAM, em Congonhas, lembrando
que o fato de o avião estar com muito combustível
aumentou a tragédia.
De acordo com o ministro, como o ICMS no Rio Grande
do Sul, origem do vôo, é mais baixo do
que em São Paulo, destino final, o avião
carregava uma quantidade de combustível maior
do que a necessária para o trecho.
O ESTADO DE SÃO PAULO
02/09/2007
Juiz manda Gol indenizar família
em US$ 1 milhão
É a primeira sentença
favorável às famílias de vítimas
da tragédia; companhia havia oferecido 350 mínimos
Nicola Pamplona
A Justiça do Rio condenou a Gol a pagar valor
equivalente a US$ 1 milhão à família
de Quézia Gonçalves Moreira, vítima
do acidente com o vôo 1907, que caiu após
se chocar com um jato executivo em setembro do ano passado.
Trata-se da primeira sentença favorável
às famílias de vítimas da tragédia,
que matou 154 pessoas.
Segundo a sentença proferida pelo juiz Mauro
Nicolau Júnior, da 48ª Vara Cível
do Rio, os pais e o irmão de Quézia têm
direito a R$ 380 mil cada um a título de indenização.
Além disso, a companhia deverá pagar pensão
de R$ 999.426,22 aos três como compensação
pela perda da contribuição da vítima
nas despesas domésticas. No total, portanto,
a Gol foi condenada a pagar R$ 2.139.426,42, ou cerca
US$ 1.091.544, pela cotação de ontem.
O advogado da família, João Tancredo,
afirmou que a decisão é histórica
e pode servir de parâmetro para outros casos envolvendo
vítimas de acidentes aéreos no Brasil.
“A sentença mostra que a Justiça
brasileira não é Justiça de segunda
classe, já que o processo foi rápido e
concede indenização em valores equivalentes
aos concedidos no exterior”, destacou o defensor,
lembrando que o processo foi iniciado há apenas
seis meses. No acidente do Fokker 100 da TAM, ocorrido
em 1996, famílias que recorreram no Brasil ganharam
um quinto do valor obtido pelas que foram à Justiça
americana.
Ontem, a Gol propôs indenização
de 350 salários mínimos, alegando que
são compatíveis com outros casos já
julgados no País. A família já
vinha recebendo uma pensão de cerca de R$ 500
por mês a título de tutela antecipada,
uma espécie de pensão provisória
paga até que os valores finais sejam depositados.
Quézia atuava como especialista em medição
no Inmetro, com salário de R$ 900. Estava no
vôo 1907 voltando de uma viagem de trabalho a
Manaus.
O novo valor definido ontem pelo juiz considerou, entre
outras coisas, os rendimentos que a vítima, que
tinha 21 anos, teria com o novo emprego de operadora
de dutos de petróleo e gás na Transpetro,
subsidiária da Petrobrás, para o qual
havia sido convocada dias antes do acidente.
“O que se vê dos depoimentos pessoais e
testemunhais hoje colhidos é a manifestação
de dor extrema de pais que perderam uma filha em plena
juventude com o futuro aberto e escancarado”,
escreveu o magistrado, em sua sentença.
CHORO
Durante a audiência, foram ouvidos o pai de Quézia,
João Batista Moreira, um funcionário da
Transpetro e uma amiga da família. A mãe
da vítima, Martha, estava bastante abalada e
não conteve o choro ao falar das lembranças
de como foram os primeiros dias após a tragédia.
Os familiares só puderam reconhecer e enterrar
a filha mais de 15 dias após o acidente, devido
às dificuldades no resgate das vítimas
em meio à Floresta Amazônica. Ontem, a
família não quis dar entrevistas.
A Gol não quis comentar a decisão da
Justiça. Mas, por meio de sua Assessoria de Imprensa,
informou que vai recorrer.